4 mil Famílias Quilombolas Sofrem sem Infraestrutura na Paraíba

Por João Paulo Medeiros, para o www.jornaldaparaiba.globo.com

“Aqui a gente vive com o mínimo que dá pra viver. Até agora não precisei comprar água, mas todo o pessoal já comprou e vai chegar um dia que iremos comprar também. Dos nossos sete filhos, apenas dois moram aqui e os cinco foram pra o Rio de Janeiro, tentar arranjar trabalho”.

O relato acima é do casal de aposentados Severina Maria Nascimento, 60 anos, e Mariano José do Nascimento, 65 anos, integrantes de uma das 140 famílias que residem na comunidade quilombola Caiana dos Crioulos, localizada a 13 quilômetros da cidade de Alagoa Grande, Agreste paraibano, a 122 quilômetros da capital do Estado.

As palavras do casal retratam um pouco das dificuldades enfrentadas pelos moradores da comunidade, que apesar de ter sido reconhecida como formada por afro-descendentes desde 2005, ainda convive com a ausência de infraestrutura, total escassez de água e dificuldades no acesso das famílias e de transporte. De acordo com a Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afro-descendentes do Estado (AACADE), os problemas são semelhantes nas 33 comunidades quilombolas espalhadas pelo território paraibano. Juntas, elas somam um contingente populacional de aproximadamente quatro mil famílias e para se ter uma ideia, o déficit habitacional, conforme a entidade, é de mais de 300 residências.

Desde o ano de 2003, quando foi instituído o decreto 4887/03, o governo brasileiro designou atenção especial aos grupos quilombolas do país. O artigo 20 da lei, por exemplo, estabelece que “para os fins de política agrícola e agrária, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento preferencial, assistência técnica e linhas especiais de financiamento, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infra-estrutura”.

Entretanto, as famílias da Caiana precisam comprar água para sobreviver e são obrigadas a verem os jovens abandonarem a localidade por falta de perspectivas.  O aposentado João Silvino, 62 anos, conta que a cada dois meses compra por R$ 120,00 uma pipa de água, que equivale a cinco mil litros. “Hoje moram eu e minha esposa com mais quatro filhos. Outros três foram para o Rio. Mas essa água a gente coloca nas cisternas e economiza, muita gente daqui não tem dinheiro nem pra comprar”, observou.

Das 140 famílias, cerca de 80 já foram beneficiadas com cisternas de placas, mas os equipamentos passam a maior parte do tempo secos, por falta de chuvas. A presidente da Associação dos Moradores de Caiana dos Crioulos Quilombolas, Severina Luzia,  enfatizou que a falta de água é uma dificuldade que atravessa décadas, mas a revolta da comunidade aumentou há cinco anos, quando uma caixa de água foi construída em parceria com a prefeitura do município de Alagoa Grande e com a Funasa, “mas funcionou só por poucos dias. Todo mundo diz que aqui a gente tem água, mas é  história. A gente só tem a água salgada de um  açude”,  disse.

A responsabilidade pela sustentabilidade e a implementação de políticas públicas nos quilombos brasileiros é de responsabilidade dos órgãos federais, estaduais e dos municípios. Ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) compete a regularização dos territórios e a defesa dos direitos à terra conquistados pelos quilombolas. Na Caiana dos Crioulos, cada família recebe mensalmente uma cesta básica e cursos de pintura, artesanato e corte e costura. Um  laboratório de informática com acesso à internet já foi viabilizado em parceria entre o governo federal e a Associação dos Moradores.

Entretanto, as ações ainda são insuficientes, conforme as famílias, que tiram o sustento do plantio de fava, feijão, milho e mandioca. Diante das dificuldades, a Prefeitura Municipal de Alagoa Grande pretende implantar projetos de incentivo ao turismo e ações para melhorar as condições de vida da comunidade. O gestor de Cultura do município, Severino Antônio, conhecido como ‘Bibiu de Jatobá’, informou que a expectativa é de que no próximo mês a estrada de acesso entre a zona urbana e o quilombo seja melhorada.


“A prefeitura já está licitando para contratar uma empresa para executar os serviços. Com relação à água, a prefeitura já está abastecendo várias localidades da zona rural com carros-pipa e vai também abastecer a caixa d’água. Agora o que temos de muito interessante e vamos desenvolver em breve é um projeto turístico de autossustentabilidade”, frisou. O objetivo é promover oficinas de gastronomia, artesanato e gestão de negócios, para qualificar o pessoal e fazer com que possamos desenvolver a cultura do caju e as potencialidades presentes no folclore do quilombo. Os cursos, porém, serão realizados na zona urbana de Alagoa Grande e terão vagas para os jovens residentes no quilombo.  (JPM)

Deixe uma resposta