[Brasil de Fato, 23 fev 2011] Ligar a televisão no horário nobre e ver um lÃder religioso utilizando o espaço para pregar e buscar fiéis é algo que parece fora do lugar. E é. Não por ser uma manifestação religiosa, algo que é parte da cultura brasileira, mas por tornar evidente que um espaço público está sendo utilizado para fins privados.
O mundo todo discute como equilibrar os direitos à liberdade de expressão e à liberdade de crença, previstos em diversas Constituições, inclusive na brasileira. Há várias questões aà envolvidas. Primeiramente, manifestações religiosas devem ou não ser permitidas em veÃculos de comunicação que são concessões públicas, como rádio e TV? Se sim, deve ser permitido também o proselitismo religioso, ou seja, a prática de tentar “vender seu peixe” e conquistar fiéis?
Na busca de respostas, é preciso pensar como esse tipo de manifestação ajuda ou afeta a liberdade de crença – que é maior do que a liberdade religiosa e inclui até o direito de não se ter religião. E lembrar que, para outras manifestações similares, como o proselitismo polÃtico, já há um consenso sobre a necessidade de regras claras para que espaços públicos não sejam tomados por grupos especÃficos.
Apropriação indevida
No caso das religiões, deve-se perguntar, também, como garantir às distintas manifestações de fé o mesmo direito, já que não chegam a 2% as denominações religiosas presentes no Brasil que têm espaço em meios de comunicação. Deve-se também impedir que esses espaços sejam usados para ataques a outras religiões, como os que sofrem as denominações de matriz africana.
E há questões estruturais também fundamentais. Deve-se permitir canais inteiramente controlados por grupos religiosos, o que é proibido na maioria das democracias? Deve-se permitir o arrendamento de espaço – ou mesmo de canais inteiros – no rádio e na TV? Será que essa prática não configura uma verdadeira grilagem eletrônica, pela apropriação privada de um espaço público? Sejam quais forem as respostas, o nome de Deus não pode ser usado como álibi para evitar esse debate no Brasil.
João Brant é coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Publicado originalmente na edição 416 do Brasil de Fato.