[Karina Ninni, Estado SP, 31 ago 11] Além do ciclo do carbono, outros sistemas estão sendo modificados pelo homem em patamares que desafiam a capacidade do planeta de prover os recursos que usamos.
Falta de oxigênio na água doce, branqueamento de corais nos mares, inclusão de poluentes quÃmicos na cadeia alimentar, esgotamento dos recursos hÃdricos, diminuição da capacidade dos oceanos de fixar carbono, deslizamentos de terra, queda ou aumento na produtividade de cultivos…
Boa parte desses fenômenos tem sido atribuÃda ao ciclo do carbono e ao aquecimento global. Mas, há alguns anos, cientistas vêm defendendo que a estabilidade caracterÃstica do perÃodo Holoceno (os últimos 10 mil anos), que permitiu o desenvolvimento da humanidade, depende de vários sistemas interconectados – além do ciclo do carbono – que o homem também modifica. São as “fronteiras planetárias”, segundo definição de Johan Rockström, do Stockholm Resilience Centre, na Suécia.
Fronteiras. Rockström e colegas de diversas especialidades estabeleceram nove “fronteiras” de atuação humana: perda de biodiversidade, lançamento de aerossol na atmosfera, poluição quÃmica, mudança climática, acidificação dos oceanos, redução da camada de ozônio, ciclos do nitrogênio e do fósforo, consumo global de água e mudança no uso do solo. Para seis delas, os cientistas sugerem limites de intervenção e concluem que, em três dessas fronteiras, nós já ultrapassamos os limites: perda de biodiversidade, ciclo do nitrogênio e mudança climática.
“As fronteiras definem os limites seguros para a ação humana e estão associadas aos processos e subsistemas biofÃsicos do planeta”, afirma o cientista. Seu artigo A safe operating space for humanity (“Um espaço operacional seguro para a humanidade”, em tradução livre), foi tema de um evento no mês passado na University College London, na Grã-Bretanha, à s vésperas da 17.ª COP, em Durban, Ãfrica do Sul.
“Estamos em um momento importante para o mapeamento das vulnerabilidades do planeta. Mas, em alguns casos, não sabemos nem mesmo quais são elas”, afirma o pesquisador Gilvan Sampaio, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“Por mais que tentemos encarar esses limites de forma única, eles estão entrelaçados. Se aumenta a quantidade de carbono na atmosfera, provocando aquecimento, interfere-se na permanência das florestas e na manutenção dos recursos hÃdricos”, exemplifica Lúcio Bede, biólogo e membro da Conservação Internacional (CI).
Uma outra fronteira problemática é a do ciclo do nitrogênio, muito utilizado na formulação de fertilizantes agrÃcolas. “O que a planta não absorve vai ser oxidado ou reduzido até chegar ao N2 (nitrogênio em estado gasoso) que vai para a atmosfera. O problema é quando essas reações não se fecham em N2, mas em formas mais reativas, que são os óxidos nitrosos, gases com potencial de causar efeito estufa maior até que o do CO2”, explica FabrÃcio Butierres, engenheiro quÃmico e professor da Universidade Federal do Rio Grande.
“O nitrogênio em forma de nitrito ou amoniacal vai para as águas e causa eutrofização (falta de oxigênio), provocando perda de biodiversidade”, diz.
Conhecimento empÃrico. A constatação dessas conexões entre as fronteiras levou Rockström e seus colegas a estipular limites para as operações humanas. Mas, em alguns casos, segundo especialistas, esses limites não se aplicam.
“Os limites usados são medidas únicas. Mas poluição quÃmica é outra coisa: existem inúmeros tipos de poluentes”, explica Márcia Caruso Bicego, professora do Instituto Oceanográfico da USP, especialista em oceanografia quÃmica. “Muitos efeitos dos poluentes nós conhecemos pelas catástrofes: todo mundo sabe o que o mercúrio provoca, por causa do acidente de Minamata, no Japão. Todo mundo sabe o que acontece se alguém ingerir uma cápsula de césio-137, porque uma menininha em Goiás fez isso”, explica ela. / COLABOROU ALEXANDRE GONÇALVES
PERDA DE HÃBITAT, POLUIÇÃO E EXÓTICAS
A extinção de espécies é natural e aconteceria mesmo sem a intervenção humana. Mas está ocorrendo de forma acelerada: a taxa de extinção está entre cem e mil vezes maior do que seria natural. Os vilões são a perda de hábitat, a poluição e as espécies exóticas. Hoje, estão ameaçados de extinção 25% dos mamÃferos, 12% das aves, 25% dos répteis, 20% dos anfÃbios, 30% dos peixes e 12,5% das plantas.
Limites propostos: O estudo propõe uma taxa de extinção de até 10 espécies por milhão ao ano. Atualmente, perdemos mais de cem.
CHUVA ÃCIDA, EFEITO ESTUFA E MORTANDADE
O excesso de nitrogênio tem desdobramentos como aumentar a quantidade de nutrientes nas águas doces (provocando morte dos organismos). Sua interação com o oxigênio forma os óxidos de nitrogênio, que aumentam o efeito estufa. Reagindo com o hidrogênio, induz a ocorrência de chuva ácida, que pode corroer estruturas de metal e concreto nas cidades e interferir nos cultivos agrÃcolas no campo.
Limites propostos: Sugere-se a retirada de 35 milhões de ton/ano de N2 da atmosfera para uso humano. Hoje são retiradas 121 milhões ton/ano.
FOGO E DESMATAMENTO GERAM VULNERABILIDADE
O Protocolo de Kyoto não considera emissões oriundas de queima de biomassa, somente aquelas derivadas de processos industriais. Mas, no Brasil, cerca de 75% das emissões são derivadas de queimadas e desmatamento. Esse tipo de emissão modifica o clima local e as caracterÃsticas da vegetação “de contato”, aquela que restou nos arredores do que foi retirado. Ela fica mais suscetÃvel a incêndios.
Limites propostos: Hoje as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera são de 387 partes por milhão (ppm). O estudo propõe 350 ppm.
MARES MAIS ÃCIDOS PREJUDICAM CORAIS
A acidificação dos oceanos é um processo que vem se acentuando conforme aumenta a concentração de carbono na atmosfera. Quando o CO2 se dissolve na água do mar, ele forma o ácido carbônico, tornando a água mais corrosiva. Quem mais sofre com a acidificação são os organismos como corais, moluscos e conchas.
Limites propostos: Os cientistas sugerem que o nÃvel de saturação de aragonita (forma cristalina do carbonato de cálcio) na superfÃcie do mar seja de 2,75. Hoje é de 2,9.
FALTA DE OZÔNIO PODE ESTAR EVITANDO DEGELO
A principal causa da destruição é o uso de produtos quÃmicos presentes em aerossóis, geladeiras e extintores de incêndio. É a camada de ozônio que protege os seres vivos dos efeitos nocivos dos raios ultravioleta. Porém, segundo estudos recentes, a ausência de ozônio sobre a Antártica pode estar ajudando a retardar o derretimento do gelo, pois a coluna atmosférica sobre a região absorve menos radiação.
Limites propostos: A redução da camada de ozônio não deve ultrapassar as 276 unidades Dobson (menor unidade de medida usada nas pesquisas sobre ozônio). Hoje é de 283.
BIODIVERSIDADE GARANTE ÃGUA POTÃVEL
As matas ciliares são as grandes responsáveis pela qualidade da água potável do mundo. Estima-se em 1,35 milhão de km3 o volume total de água na Terra. Desse total, 2,5% é de água doce, mas que se encontra em geleiras ou aquÃferos de difÃcil acesso. E 0,007% é de água doce encontrada em rios, lagos e na atmosfera, que representa o que podemos realmente usar.
Limites propostos: Calcula-se que a humanidade use hoje cerca de 2,6 mil km3 de água por ano. O estudo propõe um teto de 4 mil km3/ano.
PARTÃCULAS DE AEROSSOL AFETAM CHUVAS
A quantidade de aerossol na atmosfera (partÃculas suspensas oriundas das atividades humanas e dos processos naturais) afeta diretamente a ocorrência de chuvas. O excesso de aerossol diminui a incidência pluviométrica e faz as gotas de chuva ficarem menores, à s vezes evaporando antes de chegar ao chão. Os processos naturais de geração do aerossol estão associados com a ação do vento no solo e nas rochas, no mar, e ainda com vulcões e queimadas.
Limites propostos: Não há limites mÃnimos ou máximos de aerossol na atmosfera.
FLORESTA VIRA LAVOURA E CASA OCUPA MORRO
Algumas das consequências do uso equivocado do solo são bem conhecidas: deslizamentos e tragédias. A ocupação de topos de morro e regiões costeiras suscetÃveis à erosão facilitam a ocorrência de acidentes na época de chuva. A mais impactante faceta dessa “fronteira” é a transformação de florestas em pastagens e áreas agrÃcolas, com o uso de fertilizantes e pesticidas.
Limites propostos: O limite sugerido para transformação da superfÃcie terrestre em áreas cultivadas é de 15%. Hoje, já transformamos 11,7%.