Envelhecimento: 1,1 milhão de brasileiros chegam aos 60 anos a cada ano

Brasil jovem, país do futuro. Construído ao longo das últimas décadas, esse retrato do imaginário brasileiro começa a ser rapidamente desconstruído pelos números e projeções do envelhecimento da população, sem que todos os níveis do poder público e a sociedade se deem conta do tamanho das mudanças que estão por vir.

[Cleide Carvalho, O Globo, 4 out 11] A cada ano, 1,1 milhão de brasileiros chegam aos 60 anos, fronteira para o início do envelhecimento. Dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) das Nações Unidas indicam que, daqui a 40 anos, a população idosa brasileira vai aumentar em 45 milhões de pessoas, das quais 15 milhões terão mais do que 80 anos. Atualmente, apenas 2,8 milhões de brasileiros já passaram da casa dos 80.

– É como se fosse uma Argentina inteira com mais de 60 anos. Ou um Chile com mais de 80. É preciso se acostumar com a ideia de que esta é uma sociedade que está envelhecendo – resume Paulo Saad, chefe da Divisão de População da Cepal (Celade/Cepal).

Essa mudança causa impacto nos sistemas de saúde e previdência e também nas próprias cidades. Nas grandes metrópoles, sequer o tempo de travessia de ruas nos semáforos é adequado aos pedestres, muito menos a quem se locomove de forma mais lenta que o normal.

O envelhecimento da população brasileira é um fenômeno demográfico, mas também de longevidade. Com a redução da taxa de fecundidade e o nascimento de menos crianças, aumenta a proporção de adultos e idosos. Hoje, os idosos são 10,3% da população. Em 2050, serão 29%. Este é o efeito demográfico. A longevidade, por sua vez, pode ser explicada pelos avanços na medicina e por práticas associadas à qualidade de vida, como exercícios físicos e alimentação equilibrada. Segundo dados do Fundo de População das Nações Unidas, em 1980, a esperança de vida dos brasileiros ao nascer era de 63,4 anos. Chega hoje a 74. Em 2050, alcançará quase 80 anos: 79,4.

– Morrer hoje antes de 74 anos é uma morte prematura. A sociedade já compreende que tem condições de viver bem até essa idade – afirma Dália Romero, pesquisadora do Laboratório de Informações em Saúde (LIS/ICICT/Fiocruz).

– O problema é que ninguém está acostumado a falar em morte prematura de idoso, é um preconceito e um desconhecimento – diz a especialista.

Dália acaba de desenvolver, numa parceria com o Ministério da Saúde, o Sistema de Indicadores de Saúde e Acompanhamento de Políticas do Idoso. O indicador, que será apresentado em outubro, dará às Prefeituras de todo o país condições de monitorar políticas e programas que contemplem a saúde do idoso.

A pesquisadora argumenta que é preciso melhorar o serviço de atenção básica à saúde do idoso, com campanhas específicas para a faixa etária. É possível viver mais, mas a meta é que esses anos além dos 60 sejam acompanhados de boa qualidade de vida. Em São Paulo, onde a população tem um perfil mais velho que o restante do país, uma pesquisa feita em 2008 mostrou que 5% das mortes de pessoas entre 60 e 74 anos estavam associadas ao tabagismo. Outras 29% foram provocadas a hipertensão e doenças associadas.

– Mortes por câncer na laringe e traqueia não seriam tantas se fossem feitos mais programas de vida saudável para a Terceira Idade. O acompanhamento da hipertensão, com campanhas específicas, poderia evitar mortes por insuficiência cardíaca – explica.

A mais conhecida das campanhas para idosos no Brasil é a vacinação contra a gripe. Para os especialistas, o país precisa urgentemente de novas campanhas de controle de doenças crônicas voltadas a este público.

Para se ter uma ideia do despreparo do país para cuidar da cada vez mais numerosa população idosa, as universidades brasileiras sequer formam geriatras em número suficiente para atender a demanda de pacientes, alerta Sílvia Pereira, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

Temos hoje, no país inteiro, apenas 984 geriatras, muito aquém da necessidade. Apenas 50 médicos por ano se especializam nesta área

– Temos hoje, no país inteiro, apenas 984 geriatras, muito aquém da necessidade. Apenas 50 médicos por ano se especializam nesta área. É preciso investir muito. Quando chegarmos a ter 5 mil geriatras já estaremos precisando de 15 mil. Faltam também pesquisas sobre o tratamento e medicamentos para idosos. O que é bom para o idoso europeu pode não ser para o nosso – diz a geriatra.

Num futuro cada vez mais próximo, o Brasil terá de gastar mais tempo e dinheiro para administrar o envelhecimento do que o restante do mundo. As projeções do Fundo de População das Nações Unidas indicam que o Brasil não só deixará de ser jovem, mas terá um perfil mais velho que o da maioria dos demais países. Os números desta inversão surpreendem. Em 1980, a média de idade no Brasil era de 20,4 anos, para uma média mundial de 23,9 anos. Neste momento, estamos dentro da média, de 29,2 anos. Daqui a 39 anos, a população brasileira terá em média 44,9 anos, seis a mais do que a do resto do mundo, estimada em 37,9 anos.

Brasil envelhece em 30 anos o que a Europa envelheceu em um século

Na avaliação dos especialistas, o Brasil está envelhecendo em 30 anos o que a Europa demorou um século. Por isso, tem de pensar e agir com mais rapidez. Solange Kanso, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), lembra que em 2040 o país terá 56,7 milhões de idosos. Em número absoluto, é mais que o dobro da quantia atual.

– Quem vai cuidar destas pessoas? – indaga Solange.

Segundo dados do Ipea, 15% dos idosos precisam de algum tipo de ajuda nas atividades cotidianas – comer, tomar banho, etc. Porém, apenas 30% das cidades brasileiras têm instituições de longa permanência, o nome novo dos antigos asilos. A maioria delas é privada. Na última década, surgiram pelo menos 90 instituições deste tipo por ano no Brasil, mas são privadas. Na avaliação de Solange, ou são muito caras ou muito ruins.

Na prática, a família é a principal responsável pelo cuidado com seus idosos. Se um idoso é deixado sozinho em casa, a família pode responder por abandono. O problema – mais um – é que as famílias também estão transformadas. Não há e não haverá tantos filhos para cuidar dos pais como antigamente. As mulheres, as “cuidadoras” por tradição, estão no mercado de trabalho, preocupadas em ganhar dinheiro.

– Se não houver políticas públicas para cuidado com idosos, o Brasil terá pessoas idosas cuidando de idosos mais velhos ainda. Pessoas com 70, 80 anos estão cuidando de pessoas com 100, pois o grupo dos centenários também aumenta – diz Taís de Freitas Santos, representante auxiliar do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil.

Se não houver políticas públicas para cuidado com idosos, o Brasil terá pessoas idosas cuidando de idosos mais velhos ainda

O envelhecimento da população provocará ainda fortes impactos econômicos. Segundo o estudo Demografia Econômica das Transferências Intergeracionais, o aumento nos gastos com saúde em 2040, em função do envelhecimento, pode atingir três pontos percentuais do PIB em países como Brasil, Argentina, Chile, Colômbia e México.

Mudanças no mercado de trabalho são inevitáveis

Hoje, o valor da transferência de renda pública e privada para os idosos no Brasil é quase o dobro da transferência para crianças e jovens (os dois extremos de idade em que as pessoas são dependentes da população ativa).

– Qualquer governo moderno, independentemente de seu alinhamento político e ideológico, deve cuidar de seus idosos e garantir uma renda mínima para todos, a fim de diminuir o risco de pobreza nas idades avançadas. Não é razoável deixar os idosos completamente à sua sorte – diz Cássio Turra, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e um dos autores do estudo.

Obviamente, a mudança no conceito de idoso deve ser feita de forma gradual, a cada nova corte de nascimentos.

Para Turra, a definição de idoso não deve ser fixa no tempo e deve ser revista de acordo com o aumento do tempo de vida saudável e da longevidade.

– Obviamente, a mudança no conceito de idoso deve ser feita de forma gradual, a cada nova corte de nascimentos. Mas se esperarmos muito para começarmos este processo, teremos que fazer mudanças mais bruscas, penalizando algumas gerações – diz ele.

A mudança diz respeito também à iniciativa privada. Para Carlos Eugênio de Carvalho, demógrafo da Fundação Seade, responsável pelas pesquisas populacionais do governo de São Paulo, a nova estrutura da população obrigará a transformações profundas também no mercado de trabalho.

– O processo de envelhecimento não tem volta. Não haverá espaço para preconceito. As pessoas mais velhas terão de ser qualificadas para as inovações tecnológicas e a dinâmica do emprego será modificada. Haverá reflexos no lazer, no consumo e na mobilidade – prevê.

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