Os segredos de quem é feliz no trabalho

Pesquisas mostram que a grande maioria dos brasileiros está infeliz no emprego. Conheça algumas características das pessoas que estão de bem com a vida profissional e saiba como obter mais satisfação no dia a dia.

[Débora Rubin; Isto É; 25 out 11] Depois de dez anos na mesma empresa, João estagnou. Já tinha passado por diversos setores, mudado de cidade, coordenado equipes e ajudado a lançar campanhas de produtos. Estava infeliz. Não acreditava mais naquele projeto, não via por onde ir e tinha sofrido assédio moral. Naquele ponto de sua vida, o paulistano João de Lorenzo Neto, 34 anos, tinha duas opções clássicas: seguir infeliz num cargo de gerência ou jogar tudo para cima e viver do seu hobby favorito, a fotografia. Nem um nem outro. João fugiu do óbvio. “Não queria jogar fora uma década de experiência”, recorda. “E, em vez de levar a minha habilidade profissional para o hobby, decidi levar todo o prazer que sinto no hobby para o profissional.” Ele mudou a lente, ajustou o foco, ampliou suas possibilidades e deu um novo tratamento à sua carreira. Aceitou a proposta de uma empresa concorrente que estava lançando um projeto novo, abraçou a causa e hoje, mesmo trabalhando mais horas por dia, sente-se pleno. “Vejo que estou construindo algo, deixando minha marca, e faço o possível para ver minha equipe sempre feliz e motivada”, diz ele, que é gerente de trade marketing de uma empresa de cosméticos.

João faz parte de uma minoria no Brasil, a dos felizes no trabalho. De acordo com uma pesquisa feita pelo International Stress Management no Brasil (Isma-BR), apenas 24% dos brasileiros se sentem realizados com sua vida profissional. A imensa maioria tem se arrastado todos os dias para o escritório. Entre as mulheres, a porcentagem de infelizes é ainda maior, dada a quantidade de afazeres extras além do expediente. “As principais queixas são a carga horária elevada, cobrança excessiva, competição exagerada e pouco reconhecimento”, explica a autora da pesquisa, Ana Maria Rossi, presidente do Isma-BR. E, hoje, um infeliz não pensa duas vezes quando quer sair de onde está. Em tempos de baixo desemprego (6%, segundo dados do Ministério do Trabalho), os profissionais têm mais possibilidades profissionais e podem se dar ao luxo de mudar com mais facilidade. Além disso, algumas companhias têm um grande contingente de funcionários da geração Y (entre 20 e 31 anos), famosa por ser inquieta e descompromissada. O resultado é um troca-troca que deixa as empresas perdidas em relação à gestão de pessoas. O problema é que nem sempre os profissionais ficam satisfeitos com a mudança. Um levantamento feito pelo site Trabalhando.com mostra que 39% das pessoas que aceitaram uma nova proposta não ficaram mais felizes.

Nesse contexto, o que faz de João uma exceção? Ele é o que o psicólogo holandês Arnold B. Bakker, estudioso do tema, chama de “naturalmente engajado”. Ou seja, aquela pessoa que consegue colocar energia, otimismo e foco no que faz. É mais aberta às novidades, produtiva e disposta a ir além da obrigação. “Mais que isso, são pessoas que conseguem moldar o ambiente de trabalho para se encaixar melhor em suas qualidades e não o contrário”, explica Bakker, professor da Universidade Erasmo de Roterdã. Postura semelhante tem a gerente de recursos humanos Neusa Floter, 56 anos. Ela é figura rara, que quase já não existe nos quadros das grandes empresas: mulher de uma companhia só. Está há 43 anos – sim, desde os 13, você fez a conta certa – em uma indústria agroquímica que ela viu crescer e se tornar a líder de seu segmento. “Quem ouve minha história acha que eu sou uma acomodada, aquela que se encostou na primeira empresa que entrou”, conta, rindo. “Bem ao contrário, nunca um dia meu foi igual ao outro e sinto que ainda tenho aquele mesmo gás do começo da carreira.”

Neusa é uma otimista de carteirinha, sempre em busca de motivos para fazer seu dia ser o melhor possível. O otimismo é uma das características que ligam pessoas como Neusa e João. Segundo o estudo feito pelo Isma-BR, os 24% felizes têm também a autoestima elevada, são confiantes, flexíveis e sabem o que querem. “Não têm medo de ser quem são”, resume Ana Maria. Essas pessoas buscam, por exemplo, carreiras e corporações que lhe deem autonomia. “Não é à toa que as empresas de tecnologia viraram o sonho de consumo da geração Y, porque elas são mais ousadas e permitem que o funcionário seja quem ele é”, exemplifica o headhunter e consultor de executivos Gutemberg Macedo.

Foi o que seduziu o programador Dalton Sena, 23 anos, de Belo Horizonte, a continuar em seu emprego em uma start-up – nome dado às pequenas empresas de tecnologia. Quando ela dava seus primeiros passos na área de produção de softwares para vídeos digitais, Dalton foi aprovado em um concurso público. Para desespero de seu pai, ele não assumiu o cargo, porque queria continuar onde estava. “Cheguei para meus chefes e disse a verdade: ‘Eu quero continuar com vocês, mas vocês querem continuar comigo?’” A resposta foi sim. E o estudante de análise de sistemas pôde continuar exibindo seu longo rastafari e usar bermuda em horário comercial. Seu local de trabalho tem até uma salinha com videogames, mesa de pingue-pongue e outros entretenimentos que podem, e devem, ser usados a qualquer momento. A verdadeira razão pela qual o jovem quis continuar ali, entretanto, tem a ver diretamente com sua produção. Além da autonomia para criar, Dalton se sente desafiado diariamente. “Nada chega aqui mastigado, você sempre tem que descobrir como fazer as coisas.”

Intrigada com tanta gente reclamando da vida profissional, a consultora de recursos humanos Elaine Saad, da Right Management, decidiu fazer um levantamento amplo via Twitter. Ela quer saber de um milhão de brasileiros se eles estão felizes, ao menos 70% do tempo, em seus trabalhos. “Coloquei essa porcentagem porque felicidade o tempo todo não existe”, pondera. Até agora, dez mil participantes já deram seu “sim” ou “não”. Seu objetivo é comparar as respostas de funcionários do mundo corporativo com a de profissionais liberais e pequenos empreendedores. De acordo com estudos feitos anteriormente por ela, os dois últimos tendem a ser os mais felizes, pois são donos de sua produção, e não apenas uma peça em uma engrenagem maior. Levar esse sentimento para dentro das corporações é um dos grandes desafios dos departamentos de recursos humanos hoje, segundo a especialista. “A ideia é fazer cada um se sentir um pouco dono do negócio, essência do conceito de líderes empreendedores que começa a crescer cada vez mais em grandes grupos.”

Saber aonde se quer chegar e ver sentido naquilo que se faz também é um traço marcante dos satisfeitos. A maioria infeliz está, em grande parte, em um estado de inércia. É o que o especialista em desenvolvimento humano Eduardo Shinyashiki chama de “aposentadoria mental”, quando a pessoa trabalha horas por dia, produz bastante, mas sua mente está completamente alheia a tudo aquilo que ela está fazendo. “É o famoso piloto automático”, diz ele. Como em um relacionamento amoroso, raramente o trabalho vai ser perfeito e de todo agradável. O que os especialistas chamam a atenção é para que o pacote não seja mais negativo que positivo. Quando nada mais motiva uma pessoa a sair da cama de manhã é porque está na hora de mudar o caminho. A grande maioria, no entanto, está insatisfeita apenas com alguns aspectos da vida profissional. “Se o lugar que você está é incrível e te paga bem, mas você nunca é reconhecido, vá buscar reconhecimento em outros lugares, no trabalho voluntário, em sua igreja, na sua família ou com seu hobby”, exemplifica Ana Maria, do Isma-BR.

Os empregadores também precisam fazer seus ajustes para melhorar a qualidade de vida dos colaboradores. De nada adianta criar ambientes agradáveis com salas para relaxar, subsídios generosos e cafezinho importado se a jornada é massacrante e a empresa estimula a competição em vez de cooperação. Tampouco surtem efeito palestras motivacionais se os computadores são ultrapassados, as cadeiras quebradas e os líderes engessados. Na maior parte das vezes, entretanto, os problemas mais complexos estão nas relações humanas. Um dos principais entraves é a comunicação entre chefes e subordinados.

Um estudo feito pela Michael Page Brasil, uma das maiores empresas de recrutamento de executivos do mundo, mostra que existe uma distância imensa entre o que líderes pensam sobre seu comportamento e como seus liderados os avaliam – 52% dos ouvidos não estão satisfeitos com seus gestores, mas 73% dos gestores se acham capacitados para o cargo. Para 53% dos chefes, o fato de ser íntegros e honestos é o que faz deles capacitados. Para 70% dos subordinados, seria mais interessante se seus chefes fossem grandes motivadores. “Em um momento bom da economia, com desemprego baixo, são os profissionais que estão escolhendo a empresa e não o contrário”, destaca o diretor-executivo da Michael Page Brasil, Marcelo DeLucca. “Melhorar a comunicação entre as partes é fundamental para reter os talentos.”

Apostar na felicidade do funcionário é acreditar na saúde da própria empresa. Afinal, trabalhador feliz falta menos, comete menos erros e produz mais. O bom ambiente de trabalho é o que motiva Ludmila da Silva Pinheiro Vasconcelos, 32 anos, no dia a dia como operadora de telemarketing. “É a minha segunda família”, garante. Ela quer mais: fazer faculdade, estudar inglês e crescer dentro da empresa que tanto admira. É o próprio indivíduo, porém, o maior responsável por sua satisfação profissional. A boa notícia, segundo o psicólogo holandês Arnold Bakker, é que todos podem se tornar um pouco mais engajados. “Muitas vezes o trabalho é tedioso mesmo e temos que tolerá-lo”, afirma o psicólogo. “Um primeiro passo para evitar que isso seja um drama é justamente não se colocar padrões tão elevados de felicidade.”

Para o headhunter Gutemberg Macedo, é preciso olhar também para fora dos muros da empresa em busca de um sentido maior nos afazeres cotidianos. Leia, ouça música, vá ao teatro, cultive as coisas do espírito, ame os seus. A vida só vale a pena se damos algum sentido para ela. E aprenda com os felizes que estão ao seu redor. O João do começo desta reportagem decidiu que não queria mais seguir o padrão de só ser feliz aos sábados e domingos, longe das tarefas profissionais. É muita responsabilidade para o fim de semana. Optei por ser feliz todos os dias.

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