MPF ajuíza recurso para que índios continuem em área ocupada

O Ministério Público Federal (MPF) em Dourados ajuizou recurso no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) em face da ordem de reintegração de posse da fazenda Cambará, em Iguatemi, sul de Mato Grosso do Sul, emitida pela Justiça Federal de Naviraí. O MPF pede a reforma da decisão que determinou a saída dos índios ou, ao menos, a permanência da comunidade indígena na área ocupada até que sejam concluídos os estudos antropológicos aptos a determinarem a tradicionalidade da ocupação.

[Aquidauana News, 25 out 2012] Os indígenas ocupam 2 hectares da fazenda, que possui 762 hectares, desde 29 de novembro de 2011. A área ocupada faz parte da reserva de mata nativa, que não pode ser explorada economicamente. Eles foram para esta área depois de um ataque ocorrido em 23 de agosto de 2011 (clique aqui para ver a notícia), quando pistoleiros armados investiram contra o grupo, ferindo crianças e idosos e destruindo o acampamento, montado à beira de uma estrada vicinal. Para chegar ao local, os indígenas arriscam-se na travessia de um rio. São 50 metros entre as margens, dois metros de profundidade e forte correnteza, vencidos por mulheres, idosos e crianças através de um fio de arame. 

O recurso foi ajuizado em 16 de outubro mas ainda não foi julgado. O MPF argumenta que a decisão de 1ª instância não levou em consideração a ocupação tradicional pelos indígenas da área em disputa. De fato, a sentença que determinou a reintegração de posse, de 17 de setembro, afirma que “perde qualquer relevância para o deslinde da controvérsia saber se as terras em litígio são ou foram tradicionalmente ocupadas pelos índios ou se o título dominial do autor é ou foi formado de maneira ilegítima”. Para a Justiça, o que importa é que no dia 28 de novembro de 2011, a posse da área era do fazendeiro.

Estudo antropológico já finalizado

Nota técnica da Fundação Nacional do Índio (Funai) publicada em março deste ano concluiu que a área reivindicada pelos indígenas como Pyelito Kue e Mbarakay é ocupada desde tempos ancestrais pelas etnias guarani e kaiowá. “Desde o ano de 1915, quando foi instituída a primeira Terra Indígena , ou seja, a de Amambai, até os anos de 1980 – com forte ênfase na década de 1970 –, o que se assistiu no Mato Grosso do Sul foi um processo de expropriação de terras de ocupação indígena, em favor de sua titulação privada”.

Para o Ministério Público Federal “afastar a discussão da ocupação tradicional da área em litígio equivale a perpetuar flagrante injustiça cometida contra os indígenas em três fases distintas e sucessivas no tempo. Uma quando se lhes usurpam as terras; outra quando o Estado não providencia, ou demora fazê-lo, ou faz de forma deficiente a revisão dos limites de sua área e quando o Estado-Juiz lhes impede de invocar e demonstrar seu direito ancestral sobre as terras, valendo-se justamente da inércia do próprio Estado”.

O Ministério Público Federal, órgão constitucionalmente responsável pela defesa dos interesses dos povos indígenas – atua em 141 processos que envolvem as etnia guarani e kaiowá . São ações relativas à demarcação de terras, a danos morais coletivos, crimes contra a vida, racismo e até genocídio. As ações judiciais tramitam na Justiça Federal de Dourados, Naviraí e Ponta Porã.

Apesar dos processos, poucos avanços efetivos foram alcançados. Nos últimos dez anos, apenas dois mil hectares de terras indígenas foram ocupadas integralmente pelos guarani e kaiowá. Das terras indígenas ocupadas- Panambizinho e Sucuri-y- apenas a última foi definitivamente julgada em primeira instância.

Os muitos tipos de violência

Em Mato Grosso do Sul, a violência contra os índios guarani acontece de múltipla formas. Além de ataques às comunidades, com barracos queimados e indígenas feridos, mortos ou desaparecidos, há o preconceito, o racismo, a falta de condições mínimas de sobrevivência, atropelamentos, suicídios, homicídios e desnutrição.

São várias as formas de agressão, mas uma só origem: o confinamento, a falta de terra. Para os índios, terra não se traduz em propriedade, mas em identificação. Segundo a própria carta (clique aqui para ler) escrita pelos guarani e kaiowá de Pyelito Kue, o tekoha – terra sagrada – é vida e tradição, o local onde estão enterrados seus antepassados.

Os guarani e kaiowá representam o segundo maior agrupamento indígena do Brasil. São 44 mil índios espalhados pelo sul de Mato Grosso do Sul. Mesmo numerosos, eles ocupam pouco mais de 30 mil hectares no estado – o que corresponde a 0,1% do território sul-mato-grossense. Só na Reserva de Dourados são 12 mil índios em 3,6 mil hectares.

A situação de confinamento impossibilita aos índios a reprodução da vida social, econômica e cultural. E tal condição é agravada pela precariedade das áreas ocupadas. As comunidades vivem em pequenos espaços localizados em fazendas ou na beira de estradas – locais que não comportam a efetivação adequada da cultura de subsistência.

Extinção

A carta da comunidade guarani e kaiowá de Pyelito Kue não faz menção a suicídio coletivo, mas afirma o propósito de resistência dos índios, de não abandono de suas terras tradicionais. Mesmo diante de tantas violências, eles estão dispostos a morrer juntos pelo seu tekoha. A carta representa um clamor por reconhecimento e um alerta à sociedade brasileira para a lenta e gradual extinção dos guarani e kaiowá. Extinção essa, representada em números.

Segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a cada seis dias, um jovem guarani e kaiowá se suicida. Nos últimos 32 anos, foram 1500 mortes. Essas informações são reforçadas pelo Mapa da Violência do Brasil, publicado em 2011 pelo IBGE. Segundo o documento, acontecem 34 vezes mais suicídios indígenas em Mato Grosso do Sul que a média nacional. Desde 2000, foram 555 suicídios, 98% deles por enforcamento, 70% cometidos por homens. A maioria deles na faixa dos 15 aos 29 anos.

A taxa de mortalidade infantil entre a etnia guarani e kaiowá é de 38 para cada mil nascidos vivos, enquanto a média nacional é de 25 mortes por mil nascimentos. Já a taxa de assassinatos – cem por cem mil habitantes – é quatro vezes maior que a média nacional. A média mundial é de 8,8.

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