A notÃcia causou frisson na minha cidade suburbana ao lado de Nova York. Um rapaz de 17 anos, a poucas semanas de concluir o ensino secundário, parou diante de um trem de subúrbio em movimento, Teve morte instantânea.
[O Estado de S.Paulo, 9 jun 13] Como sempre ocorre quando se noticia um suicÃdio, a questão de por que ele o fez torturou familiares e amigos do jovem. Atormentou estranhos, também, porque o suicÃdio é o mais Ãntimo dos tipos de violência. Ele nos faz perguntar não somente por que determinada pessoa o cometeu, mas por que alguém o faria, confrontando-nos assim com o aspecto mais despojado da existência. Mas desta vez a tentativa de entender o mistério por trás de um suicÃdio cobriu-se de especial urgência. É que, segundo estudo divulgado algumas semanas atrás, o número de americanos que estão se matando atingiu um nÃvel sem precedentes.
No perÃodo de 1999 a 2010, o suicÃdio de americanos entre 35 e 64 anos de idade cresceu quase 30%. Mais pessoas nos Estados Unidos morrem hoje pelas próprias mãos do que em acidentes de carro. Entre homens na faixa dos 50 anos, a taxa de suicÃdio cresceu 50%.
Os intelectuais imediatamente se lançaram à tarefa de tentar entender a nova e assustadora estatÃstica. Quando tiverem terminado, o crescimento da “autochacina” nos Estados Unidos terá sido eclipsado por confortadoras explicações racionais: há mais pessoas solitárias do que nunca; há mais gente armada que nunca; pessoas em áreas rurais são mais propensas a se matar do que em lugares mais densamente povoados; os chamados baby-boomers – pessoas nascidas durante a onda de prosperidade do pós-2ª Guerra entre 1946 e 1964 – têm expectativas impossivelmente altas que simplesmente não podem se realizar no mundo real.
Todos esses fatores são difÃceis de provar, e têm importância apenas limitada.
As verdadeiras razões por que o suicÃdio está em ascensão, em especial entre homens na faixa dos 50, são desconcertantes demais para serem abordadas diretamente. Isso porque são o lado escuro de tendências que estão sendo constantemente comemoradas.
Comecemos pela desintegração familiar. De cada canto da sociedade comercial, ser solteiro é projetado como a existência ideal. O mercado prefere os consumidores apressados, propensos a gastar, a membros de famÃlias que tendem a poupar para o futuro. E gratificar os sentidos, todos os sentidos, é bem mais fácil quando não se está comprometido com outra pessoa.
Depois, há a internet, a invenção social mais impactante desde o automóvel. A web é direcionada para o indivÃduo solitário, não para a famÃlia, ou mesmo o casal. As pessoas se conectam na rede por várias razões, é claro, algumas de cunho prático ou mundano, mas quem se conecta quase sempre o faz sozinho, para satisfazer um ou outro impulso. Nesse contexto, não é a solidão que pode levar alguém ao suicÃdio. É o fato de que ficar solitário se tornou uma condição tão normal que está ficando cada vez mais difÃcil estar com outras pessoas. Os desafios e complicações decorrentes de se estar envolvido com outros estão se tornando insuportáveis para psiques acostumadas à existência solitária, vivida diante de suas telas.
Isso não significa que o capitalismo americano, incansavelmente inventivo, seja culpado do crescimento da taxa de suicÃdios ou algo assim. PaÃses socialistas como os do norte da Europa têm taxas de suicÃdio notoriamente altas. As pessoas nessas sociedades com frequência têm tantas coisas de suas vidas decididas e administradas em seu favor que sua força de vontade se atrofia e um tédio mortal se instala. Mas o consumismo insanamente acelerado nos Estados Unidos, que de maneiras sutis e explÃcitas faz do celibato uma condição heroica, isola o indivÃduo quando torna mais difÃcil para ele ou ela lidar com outros indivÃduos.
Além das décadas de desintegração familiar, as décadas de erosão de simplesmente todo tipo de autoridade também separaram as pessoas das estruturas sociais que antes as sustentavam em tempos de dificuldade emocional. Tanto na cultura popular como na intelectual elevada, o padre, o ministro, o médico, o policial, o estadista foram todos expostos como fraudes ocultando a luxúria e a ganância por trás da fachada de autoridade enquanto abusavam cruelmente de seu poder. Algumas maçãs podres estragaram toda uma colheita da humanidade. Antigamente, uma pessoa angustiada podia recorrer a uma figura consoladora cuja competência fora sancionada pela sociedade. Agora, quando os salva-vidas sociais são todos acusados de não saber nadar, a sensação de não ter a quem recorrer ficou ainda mais aguda.
O preço proibitivo da assistência médica também joga com certeza um papel. Não poder pagar um profissional da saúde tem um efeito extremamente danoso em pessoas deprimidas propensas ao suicÃdio. Elas nem sequer conseguem obter uma receita de antidepressivo porque, ou não podem pagar a consulta de um médico que o receitaria, ou não podem pagar o próprio remédio.
Mas como a maioria dos suicÃdios parece ser de homens na faixa dos 50 anos, a principal razão do seu desespero é a rápida obsolescência de seu tipo social. A obsessão americana pela juventude tornou esses homens invisÃveis. A rápida sucessão das novas ondas de tecnologias os fez sentir que já não se enquadram em seu ambiente. As mazelas econômicas dos últimos anos os privaram do emprego e da autoestima. E a intensificação da historicamente atrasada ascensão das mulheres – boa, positiva e necessária – tomou-lhes mais um pouco de terreno.
É difÃcil falar de todos esses desdobramentos como fatores por trás do aumento da incidência de suicÃdios porque tais fatores – cultura jovem, tecnologia, a mudança para uma economia de informação, a capacitação (de um certo grupo) de mulheres – são tendências de ponta das quais os Estados Unidos se orgulham. E quando as estatÃsticas de uma sociedade contradizem sua autoimagem, torna-se uma tarefa urgente dessa sociedade manter seu estado de espÃrito feliz justificando e esquecendo as estatÃsticas.
TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK