A Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares adotou uma nova estratégia para atrair a participação ativa de cidadãos e dirigentes polÃticos na busca de uma proibição mundial das ogivas letais. O perfil da estratégia foi destacado em uma reunião dos responsáveis pela campanha, conhecida como Ican, na cidade turca de Istambul, onde se indicou que a proposta é contribuir para sensibilizar a opinião pública e as autoridades sobre as consequências das detonações atômicas.
[Jacques Couvas, Envolverde/IPS, 4 jan 13] A Ican, uma coalizão de 286 organizações não governamentais de 68 paÃses que trabalham pelo fim do arsenal nuclear no planeta, se comprometeu a ir além da retórica e convida os governos sensÃveis ao tema a adotarem medidas concretas. Para isto, prepara um fórum internacional da sociedade civil para os dias 2 e 3 de março em Oslo, que será seguido por uma conferência de especialistas sobre a ameaça nuclear militar, organizada pelo governo da Noruega com apoio de outras 16 nações.
“Funcionários governamentais de paÃses com armas atômicas nos dizem constantemente que não é possÃvel cumprir o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TPN) em termos práticosâ€, disse à IPS a coordenadora da Ican para Europa, Oriente Médio e Ãfrica, Arielle Denis, na entrevista coletiva, no dia 26 de janeiro, em Istambul. “Nossa postura é que há antecedentes de tratados internacionais que levaram à proibição de outras armas letais. Se a comunidade mundial conseguiu proibir as minas terrestres e as bombas de fragmentação, também poderá fazer o mesmo com as armas nuclearesâ€, destacou.
A coalizão de organizações afirma que qualquer paÃs, mesmo os que têm armas atômicas, pode ser alvo de um ataque nuclear no novo contexto geopolÃtico, que incentiva a proliferação dos chamados Estados desobedientes e de organizações terroristas. “Embora não tenham sido utilizadas bombas atômicas desde 1945, o ciberterrorismo torna realista a explosão de uma ogiva nuclearâ€, alertou Denis. O principal aspecto da estratégia é a questão humanitária de uma detonação nuclear, ainda que uma única.
A Ican publicou um informe em 2012 sobre os danos imediatos e de longo prazo nas populações locais. As ondas de uma explosão que se deslocam por centenas de quilômetros em uma hora são letais para quem está próximo da detonação, e costumam se transformar em vapor devido à intensa pressão e ao calor. Mais distante, as vÃtimas sofrem falta de oxigênio e o excesso de monóxido de carbono, danos pulmonares e auditivos e hemorragias internas.
Entretanto, as consequências da radiação são sentidas a distâncias ainda maiores. Isto afeta a maioria dos órgãos do corpo com consequências que duram décadas e com alterações genéticas para as vÃtimas e seus descendentes. Essa análise coincide com estudos feitos pelo governo dos Estados Unidos e por instituições de pesquisa durante as décadas de 1970 e a última.
Em caso de um ataque nuclear envolvendo três mÃsseis de potência média contra uma base de mÃsseis balÃsticos intercontinentais no “cinturão agrÃcola†dos Estados Unidos, que inclui a região centro-norte, foi calculado que poderia haver entre 7,5 e 15 milhões de mortos e entre dez e 20 milhões de feridos graves. O aspecto humanitário da população sobrevivente seria praticamente impossÃvel de manejar, pois a radioatividade existente obrigaria a reassentar cerca de 40 milhões de pessoas o mais longe possÃvel, o que exigiria desde várias semanas até anos.
O cinturão agrÃcola dos Estados Unidos é uma zona rural. A Europa tem o triplo da densidade populacional dos Estados Unidos, e uma detonação nuclear nesse continente teria um impacto humanitário mais catastrófico. A Ican se baseia no TPN, assinado em 1º de julho de 1968 em Nova York e gradualmente ratificado por 189 Estados, entre os quais não estão Ãndia, Paquistão e nem Israel. Sua validade foi ampliada por tempo indefinido em maio de 1995.
Os paÃses signatários estão divididos por Estados nucleares e não nucleares. O primeiro grupo é integrado por China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia, os mesmos membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). O artigo VI do TPN incentiva as partes a realizarem “negociações de boa fé sobre medidas efetivas relacionadas ao fim da corrida armamentista nuclear o quanto antes e o desarmamento nuclearâ€, e “sobre um tratado de desarmamento geral e completo sob um rÃgido e efetivo controle internacionalâ€.
“O desarmamento deve ser geral e completoâ€, argumentou Denis. “Nos anos 1990 houve certa ambiguidade no TPN sobre isso, mas ficou esclarecido pelo direito internacional, e todos os Estados signatários devem começar negociações para desmantelar suas armas nuclearesâ€, acrescentou. Os Estados Unidos sempre interpretaram que esse artigo não era obrigatório para as partes. Mas o Tribunal Internacional de Justiça declarou, no dia 8 de julho de 1996, que “existe uma obrigação de buscar de boa fé e conseguir negociações que levem a um desarmamento nuclear em todos os seus aspectos, sob um rÃgido e efetivo controle internacionalâ€.
A falta de uma clara vontade dos Estados nucleares em se sentarem à mesa de negociações incentivou organizações da sociedade civil, que formam a Ican, a conscientizar cidadãos e dirigentes polÃticos do mundo sobre a ameaça de manter arsenais atômicos. A quantidade de ogivas nucleares caiu de forma drástica após o fim da Guerra Fria, no começo da década de 1990, passando de 60 mil para 19 mil, mas a Ican se preocupa com as contÃnuas melhorias tecnológicas dessas armas.
O gasto nuclear de Washington chegou a US$ 61,3 bilhões em 2011, 10% mais do que no ano anterior. Os nove paÃses que se sabe – ou suspeita-se – terem armamento nuclear aumentaram em 15% seu gasto no mesmo perÃodo, chegando a US$ 105 bilhões. Desde 1958, Israel adotou uma polÃtica de não confirmação e nem de negação sobre seu arsenal nuclear. “O nÃvel de gasto é um forte indÃcio de que os paÃses com armas atômicas não têm intenção de se desfazerem delas no curto prazoâ€, alertou Denis. “Os governos desses Estados dizem que desmantelarão seus arsenais quando os outros fizerem o mesmo. É um cÃrculo vicioso sem fimâ€, lamentou.