Fenômeno da adolescência precoce ganha força, mas pode prejudicar desenvolvimento da juventude cristã.
Curioso este paÃs: ao mesmo tempo em que resiste quando se trata de confiar responsabilidades aos jovens, também estimula a maturidade prematura para encher de lenha a fogueira do consumo. E bem no centro dessa contradição, os adolescentes enfrentam o conflito entre ser tratados como “crianças grandes†ou “pequenos adultosâ€, de acordo com as conveniências — tanto as próprias quanto as da sociedade. As igrejas evangélicas também encontram alguma dificuldade para lidar com um contingente que abandona a infância cada vez mais cedo.
O conceito de adolescência, em si, não é dos mais precisos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), essa fase começa aos 10 anos de idade e vai até os 19. Já para o Estatuto da Criança e do Adolescente, ela acontece dos 12 aos 18 anos, sendo esse o padrão assumido pela maioria das igrejas evangélicas ao dividir as turmas da escola bÃblica dominical e definir quem faz parte do ministério de adolescentes e que já deve ser promovido aos departamentos de mocidade.
Para a publicidade, porém, a lógica é diferente: quanto antes se forma um consumidor, mais cedo se contabiliza o lucro. E, caso se possa contar com a cumplicidade dos pais, tanto melhor. “A mÃdia incentiva a precocidade porque tem interesse na venda de produtosâ€, diz Wanderley Rangel Filho, fundador e diretor da organização Preparando o Adolescente para a Vida (Pavi), que existe desde 1989. “Já os pais estão confundindo precocidade com maturidade.†Sediado no interior de São Paulo, o Pavi tem por objetivo treinar pais, professores e lÃderes, além de promover eventos para os próprios adolescentes.
Ainda na opinião de Wanderley, os adultos são os principais responsáveis pela ideia de adolescência precoce, o que acaba sendo aceito pelos teens. “Os adolescentes gostam de ser tratados como precoces porque querem ser adultos. Para eles, o ideal é que os pais e os adultos em geral os tratem como gente grande. Assim eles poderão fazer coisas de gente grandeâ€, afirma.
A psicóloga Daniela Pedroso Negrão define a adolescência como um momento de mudanças fisiológicas, que incluem principalmente o sistema endócrino e reprodutor. Mas, para o leigo que tem um desses seres humanos em formação dentro de casa, o que pode ser visto a olho nu é o crescimento rápido e o desenvolvimento das caracterÃsticas masculinas e femininas mais acentuadas. “Se pensarmos em adolescência de uma forma global, entenderemos que é impossÃvel vivê-la antes do tempo. O que pode ocorrer antes disso são interesses precoces de forma geral, mas alguns adolescentes têm a sexualidade um pouco mais afloradaâ€, explica.
Hoje em dia, na visão da pedagoga Ivaldinete Neves Pereira Resende, coordenadora estadual da organização batista Mensageiras do Rei, as crianças são tratadas como pequenos adultos antes da hora, e essa precipitação pode cobrar um preço alto. Para evitar que essa tendência afete o comportamento das meninas dentro da igreja, a organização, que visa estimular a integração e o estudo da BÃblia entre adolescentes e pré-adolescentes cristãs, procura reafirmar a importância do respeito à s fases de desenvolvimento da criança. “Conscientizamos as meninas juniores a aproveitar o máximo de sua infância, dinamizando as atividades atrativas para essa fase. Não é difÃcil, porque elas querem mais é brincar, e nós procuramos conscientizá-las de que há tempo para tudo.â€
Diferença de gerações – O ministério de teens da Igreja Bola de Neve, em São Paulo, segue esse princÃpio. Segundo a diaconisa Francis Antunes, para que o adolescente chegue nessa faixa etária com uma boa saúde espiritual e consciente das obrigações na igreja, o trabalho precisa começar no ministério infantil. “Nós mostramos o papel da criança na sociedade de acordo com os padrões bÃblicos para que, ao chegar à adolescência, ela já tenha consciência das suas atitudesâ€, explica. Os garotos que ingressam no ministério dos adolescentes coordenam seus próprios trabalhos na igreja e cuidam de toda a parte de culto, louvor e pregações, tudo sob a orientação de monitores. Segundo Francis, na Bola de Neve – denominação cuja membresia é predominantemente jovem –, a consciência de que os padrões de adolescência precoce proposto pelo mundo não são os ideais vem com a mudança de vida. “Eles não vivem da forma que os outros dizem ser certo ou errado, mas de acordo com Jesus Cristo e a Palavra de Deusâ€, sintetiza a obreira.
Contudo, fortalecer um ministério voltado para esse grupo em uma igreja de perfil mais conservador nem sempre é fácil. O pastor Luciano Alves Silva, diretor da União das Mocidades das Assembléias de Deus de Guarulhos, em São Paulo (Umadguar), comenta como é complicado orientar um adolescente na igreja, tarefa que se torna ainda mais difÃcil quando a educação no lar evidencia o abismo entre a maneira de pensar dos pais e dos filhos. “Essa diferença de gerações causa problemasâ€, diz. O lÃder de adolescentes da Primeira Igreja Batista de Atibaia (SP), David John Merkh Jr, também se mostra preocupado quando o assunto é a forma como as crianças e os pré-adolescentes se desenvolvem e vivenciam experiências que antes faziam parte de uma fase posterior da vida. “Eu creio que essa tendência é extremamente perigosa, pois demonstra claramente o sintoma de uma doença muito mais profunda — a de que crianças e adolescentes são cada vez mais afetados pela sociedade e pelo mundo do que pelos pais e pela igrejaâ€, diz.
Merkh ressalta que, dia após dia, os adolescentes estão buscando maior independência, o que vem acompanhado de arrogância e malÃcia. Para ele, os pais devem assumir a importância que têm nesse processo. “Eles é que devem exercer a maior influência sobre os filhos e não permitir que a inocência seja roubada pela sociedade. Creio que os pais permissivos e ausentes são os maiores responsáveis pela adolescência precoce e pelos problemas que esse processo acarretaâ€, diz.
Em dinâmica, teens revelam opiniões e ansiedades
Conhecer e entender o fenômeno da adolescência precoce, suas causas e os fatores que o provocam é essencial na hora de educar os jovens de acordo com os parâmetros bÃblicos. Entretanto, o que eles mesmos pensam sobre o assunto? Numa dinâmica de grupo realizada com a turma de adolescentes da Primeira Igreja Batista de Guarulhos, a reportagem de CRISTIANISMO HOJE buscou entender o que eles acham desse fenômeno.
“Eu acho que a escola é responsável por essa idéia. 
Minha mãe também é responsável por isso, mas eu gosto de ser tratada como adulta.â€
Beatriz Layra de Carvalho Custódio, 14 anos
“Os pais têm medo do que os filhos podem fazer. Não sabem se devem tratá-los como adolescente antes da hora ou se tratam como criança por um longo tempo.â€
Andrei Teixeira Martins, 15 anos
“Eu me senti adolescente quando vivi uma maior independência. Comecei a andar sozinho aos 13 anos, já pegava ônibus para ir ao cursinho.â€
Guilherme Vallin, 14 anos
“Na minha escola, as crianças no sétimo e do oitavo ano já estão se preparando para o vestibular. Eles acabam vivendo mais cedo aquilo que não faz parte da sua idade.â€
Giuliano Caio VirgÃnio da Silva, 14 anos
“Essa ideia vem da influência das amizades. Não é nem tanto culpa da escola, e sim do adolescente. Ele pensa: ‘Se fulano pode, por que não posso? Se uma pessoa da minha idade faz, eu também posso fazer.’ Não é a idade que classifica, é a maturidade.â€
Vinicius Canola Martins, 18 anos
“Passei para a adolescência quando ganhei meu primeiro celular e perdi a vontade de brincar de carrinho. Mas eu queria um Playstation, e não um celular…â€
Leonardo Silva Gama, 13 anos
“Eu me senti adolescente quando minha mãe parou de me dar brinquedos, aos 11 anos!â€
Lucas Dahora, 12 anos
“Meu pai e minha mãe não gostam da ideia de adolescência precoce. Para namorar e sair, eles dizem que sou criança.â€
Bruna Araújo de Freitas, 13 anos
A história de um conceito
Em termos históricos, é possÃvel dizer que o conceito de adolescência é relativamente recente. Na sociedade medieval, por exemplo, a criança era praticamente ignorada. Durante a Idade Média, não existia um “sentimento da infânciaâ€, e quando a criança não precisava mais do apoio da mãe ou ama, já ingressava no mundo dos adultos. Essa mudança ocorria na faixa dos sete ou oito anos, sem nenhuma transição; elas eram consideradas adultos em pequeno tamanho, pois faziam as mesmas coisas que as pessoas mais velhas. Isso explica-se, em parte, pela reduzida – para os padrões modernos – expectativa de vida da época, que em muitos paÃses não passava dos 40 anos. Assim, a infância nada mais era do que uma passagem para a vida adulta, e a morte das crianças era encarada com naturalidade.
Quando os adultos passaram a se permitir algum sentimento pelas crianças, a primeira manifestação foi a de paparicá-las. Desapareceu a vergonha de mostrar o prazer provocado pelo jeito de ser da garotada. Isso nasceu no seio familiar, mas depois se espalhou para a sociedade.
O termo “adolescênciaâ€, porém, surgiu há pouco mais de um século, exatamente para designar essa fase de transição. “Adolescência é a fase da vida entre a infância, pois não se é mais criança, e a idade jovem, ainda não adulta. Portanto, não existe adolescente precoceâ€, afirma Wanderley Rangel Filho, diretor da associação Preparando o Adolescente para a Vida (Pavi).
Fonte: Cristianismo Hoje, Laelie Machado, 26 jul 2010