Do portal Deutsche Welle
Ela prefere não se identificar por questões de segurança. Como uma das tantas mulheres africanas, Maria (nome fictÃcio) teve que deixar seu paÃs de origem para preservar sua vida. Nascida em Uganda, aos 43 anos, com quatro filhos, a assistente social abandou seu paÃs acusada pelo governo de ser “rebelde”.
Maria escolheu o Brasil para se refugiar. “Eu sabia que teria muita dificuldade para ser aceita na Europa. O Brasil, para mim, era mais seguro.” Há sete meses ela espera o seu caso ser decidido pelo governo brasileiro. Maria viajou sozinha, deixou em Uganda os filhos de 20, 17, 16 e 11 anos.
A imagem de homens e mulheres africanos em embarcações superlotadas, que vagam pelo mar e tentam alcançar um continente diferente, não faz parte da história dos fugitivos que chegam ao Brasil. A cena dramática, tão comum nos paÃses banhados pelo Mediterrâneo, está distante do imaginário brasileiro.
Os africanos que buscam um recomeço no Brasil chegam por vias convencionais, em voos comerciais, entre outros passageiros, como foi o caso de Maria. E são os africanos os primeiros da lista no número total de 4.240 refugiados no Brasil: correspondem a 64,8% do total.
Opção para refugiados
O Brasil tem hoje uma população estimada em 192 milhões de habitantes – pouco mais de 4 mil são refugiados legais. “Essa proporção obedece a disposição geográfica brasileira. É difÃcil entrar aqui ilegalmente, tanto pelo mar quanto pela fronteira seca”, pontua Renato Zerbini, à frente da Comissão Nacional para Refugiados, Conare.
Por outro lado, o Brasil passou a receber mais africanos ao longo dos anos: “As fronteiras na Europa se fecharam. É quase impossÃvel para os africanos desembarcarem lá…  E há paÃses que concedem cotas para refugiados, como a Itália. No Brasil não temos isso”, analisa o especialista.
Atualmente, refugiados de 75 diferentes nacionalidades vivem como cidadãos brasileiros: a maior parte vem de Angola. A lista aponta em segundo lugar refugiados da Colômbia, seguidos por nativos da República Democrática do Congo e Libéria. “Alguns deles escolhem viver no Brasil. Os jovens, por exemplo, são influenciados pelo futebol, ou pela música. Porque essa é a imagem brasileira refletida na Ãfrica”, declara Renato Zerbini.
O caminho para a legalidade
Segundo as leis brasileiras, um estrangeiro que entra no paÃs com documento falso não fica impedido de pedir refugio. O Comitê Nacional para Refugiados, criado em 1997, estabelece que qualquer pessoa que esteja fora do paÃs de nacionalidade e que tenha um fundado temor de perseguição pode se refugiar no Brasil. “Muitos fogem sem documentos, cruzam territórios, não sabem nem para onde estão indo”, revela Zerbini.
Quando identificados, os fugitivos do paÃs de origem prestam informações para a PolÃcia Federal do Brasil. Oficiais da Conare entrevistam o solicitante, que também é acompanhado pelo Acnur, agência das Nações Unidas para refugiados.
Até que o caso seja decidido, o candidato ao refúgio recebe um auxÃlio financeiro que pode chegar a um salário mÃnimo. Normalmente, os fugitivos ficam em albergues públicos e recebem ajuda da Cáritas, organização da igreja católica.
O julgamento de cada caso dura em média seis meses e a aceitação do pedido de refúgio varia de 35% a 55% no Brasil. “É uma média generosa comparada com outros paÃses, que é de aproximadamente 30%”, compara Zerbini.
Amparado nas diretrizes das Nações Unidas, o Brasil não aceita aqueles que tenham cometido crimes contra a paz ou contra a humanidade, crime de guerra ou hediondo, que tenha participado de atos terroristas ou esteja envolvido com tráfico de drogas.
Na avaliação do órgão das Nações Unidas para refugiados no Brasil, a lei brasileira reflete bem a Convenção da ONU de 1951 que cuida do assunto. É, inclusive, considerada mais ampla que a própria convenção e se destaca por considerar a violação dos direitos humanos um fator que exclui os direito ao refúgio.
Histórias dramáticas em território brasileiro
Os arquivos do Conare também armazenam histórias dramáticas. Dentre elas, a de dois cubanos que, a bordo de um pequeno barco, chegaram em Santos – na costa sul do estado de São Paulo – pensando que estavam desembarcando em Miami, nos Estados Unidos.
Há também casos de africanos que chegam aos portos brasileiros na ilegalidade: alguns são descobertos em alto-mar. Há dois anos, pescadores de Natal, no nordeste brasileiro, resgataram em alto-mar refugiados amarrados a tambores. Eram três fugitivos que viajavam da Ãfrica para o Brasil no porão de um navio e, quando descobertos, foram arremessados ao mar pelos marinheiros.
“Quando o navio aporta, as empresas são responsáveis pelos estrangeiros que estão a bordo. E quando tripulantes ilegais são encontrados, os marinheiros se livram deles para não terem que prestar conta ao governo do local onde vão desembarcar”, conta Zerbini
Tentativa de reencontro
“Quando um refugiado se sente seguro, a primeira coisa que faz é tentar encontrar quem ficou para trás.” O relato de Alexandra AparÃcio é baseado na sua história de famÃlia e na experiência profissional: a mãe dela se refugiou no Brasil fugindo do comunismo na China, em 1954. Depois de crescer vendo a angústia dos avós em busca de informações de parentes, Alexandra decidiu trabalhar para um órgão que presta serviço aos refugiados.
A Refugee United (RU), foi fundada em 2005 na Dinamarca e tem escritórios nos Estados Unidos e Brasil. A organização procura unir familiares com a ajuda da internet: em São Paulo, há duas salas com computadores disponÃveis para refugiados fazerem buscas no site da RU.
Alexandra conta que ali surgem histórias emocionantes: Iona, da Etiópia, conseguiu encontrar a mulher por meio da RU. Ela estava na Inglaterra, depois de ter passado pelo Zimbábue e Botsuana. “Muitos que vêm aqui são africanos da Etiópia, Uganda, Guiné, Costa do Marfim”, conta Alexandra.
“Eles também vêm aqui para se sentirem acolhidos, para conversar, contar a história da mãe, pai, filhos que ficaram para trás”, conta Alexandra.
Segundo Renato Zerbini, os refugiados são bem acolhidos pelo povo brasileiro. “Eles chegam aqui achando que serão maltratados, afinal, é quase sempre assim nos paÃses europeus. Mas a maioria consegue se integrar bem, eles arrumam empregos, estudam e fazem a vida aqui”, finaliza.
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer