Ainda repensando a missão ~ por Vinoth Ramachandra

Assim que eu coloquei meu post anterior, li por casualidade um artigo excelente de Karla Ann Koll no volume de abril da International Bulletin of Missionary Research. Koll é professora de teologia em Costa Rica e diz melhor que eu, anedoticamente e com sólida análise acadêmica, o que necessita ser dito sobre a questão “viagens missionárias de curto prazo”. Eu recomendo o artigo para ser estudado por toda organização evangélica rica.

Logo depois do desastre do Tsunami de 26 de dezembro de 2004 no Sri Lanka, Tailândia e Indonésia, centenas de ONGs estrangeiras surgiram repentinamente, duplicando e competindo desnecessariamente entre si. “Equipes missionárias” bem-intencionadas, com pouca experiência de reabilitação e ajuda, cometeram todos os erros clássicos da ajuda externa (materiais para construção de casas inapropriados, doação a pessoas erradas, e assim por diante). Alguns líderes cristãos locais se tornaram adeptos não apenas de dançar a música tocada pelos doadores estrangeiros mas de compor as músicas que eles gostam de ouvir. Dinheiro corrompe tanto quanto ajuda.

Havia, entretanto, o outro lado da história. Nós nos beneficiamos enormemente do serviço espontâneo e sacrificial de muitos (cristãos e não-cristãos) de nações ocidentais e também de outras nações asiáticas. Houve, com frequência, homens e mulheres com habilidades técnicas e aqueles que vieram pra servir ao lado de suas contrapartes locais. Muitos deles decidiram ficar por seis meses, senão por mais tempo. Alguns jovens sem capacidade técnica simplesmente chegaram e se ofereceram para fazer trabalhos domésticos ao lado de gente local preparada. A contribuição de todas essas pessoas à ajuda imediata assim como para a reabilitação de longo prazo de vidas e comunidades é incalculável. É uma pena que nós no Sudeste Asiático não pudemos agir reciprocamente quando o furacão Katrina atingiu Nova Orleans um ano depois. A despeito de toda a retórica hoje sobre “missão de todo lugar para qualquer lugar”, os controles de fronteiras determinam a direção atual do serviço cristão.

Minha preocupação principal no último post não era a duração de tais viagens. Não era como se eu estivesse recomendando “missão de longo prazo” oposta à “missão de curto prazo”. Era, antes, o modo como o conceito mesmo de missão tem sido reduzido em muitos círculos evangélicos a “ir às nações” ou o que nós fazemos com cristãos caridosos em sociedades que não a nossa. Daí as divisões desastrosas — tanto em igrejas quanto em seminários teológicos — entre “missão” e “ética”, o “pessoal” e o “político”, “proclamação” e “diálogo”. Ao contrário dos primeiros discípulos de Jesus, aqueles de nós que vivemos em grandes cidades encontramos pessoas de todas as culturas e afiliações religiosas cotidianamente. Nós podemos também fazer uma enorme diferença na vida das pessoas em outras partes do mundo mudando nossos padrões de consumo, falando em nome daqueles que são afetados pelos nossos estilos de vida e desafiando as políticas e práticas de nossos governos. Isto se aplica tanto a lugares como Índia e Singapura quanto aos Estados Unidos ou Inglaterra.

Para aqueles de nós que vivemos em situações de pobreza, violência e tirania, Jesus nos exortou a nos tornarmos como “grãos de mostarda” que “caem na terra e morrem” (João 12:24): em outras palavras, ficar ao invés de “partir”, compartilhando livremente a dor e a desesperança de outros como uma testemunha da extraordinária esperança do Evangelho (Há vezes, claro, quando nós precisamos fugir — e não se sentir culpado por isso — mas apenas se nós podemos fazer melhor estando fora, para aqueles que nós deixamos pra trás). As únicas “metodologias” da missão que frutifica que Jesus deu à sua igreja foram os princípios de morrer e amar (unidade); mas estas custosas práticas de discipulado que transformam vidas são as que nós continuamos a ignorar em nome de “missões”. Ironicamente, estamos agora numa situação global onde cristãos ricos fazem incursões de “curto prazo” em países pobres, enquanto cristãos pobres (e cristãos ricos de países pobres) fazem viagens de “longo prazo” aos países ricos. Eu me pergunto que Boas Novas está sendo comunicada ao mundo dessa maneira? Como demonstramos a encarnação de Deus em corpos humanos vulneráveis e frágeis, e num lugar e tempo particular, quando o culto do consumo globalizado nos empurra na direção contrária?

Publicado originalmente em http://vinothramachandra.wordpress.com/2010/05/21/more-on-re-thinking-mission/

Vinoth Ramachandra Dr Vinoth Ramachandra nasceu no Sri Lanka. É doutor em Engenharia Nuclear pela Universidade de Londres. Foi Secretário Regional da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE) para o Sul da Ásia. É atualmente Secretário para Diálogo e Engajamento Social da CIEE em nivel global. Participa há muitos anos do Movimento de Direitos Humanos de Sri Lanka, da Rede Miquéias e d’A Rocha (organização internacional de conservação ambiental). É autor de vários livros e ensaios, entre os quais Subverting Global Myths: Theology and the Public Issues that Shape Our World (2008). Os textos postados na revista podem ser encontrados na sua versão original em inglês no blog http://vinothramachandra.wordpress.com/.

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