Em novo livro, ganhador do Nobel de Economia sustenta não haver acordo social possÃvel sobre ‘sociedade justa’
[Marcos FG da SILVA, FolhaSP, 22 out 11] Tendemos a achar que alguns conceitos são triviais. É o caso da palavra justiça. Não é porque temos uma noção de justiça que podemos dizer que existe uma teoria e uma visão unificadora da mesma. Talvez a melhor forma de entender o que ela poderia significar é buscando na vida econômica algum sentido mais universal. É o que faz o Nobel de Economia Amartya Sen em seu último livro, “A Ideia de Justiça”. Partindo de uma sÃntese entre filosofia polÃtica e economia, ele se coloca a missão de superar os debates sobre justiça no âmbito metafÃsico e ideal.
Não há arranjos institucionais universais que ajudem a resolver problemas envolvendo julgamentos de valor; teorias da justiça não são ordenáveis (inexiste a “melhor”, a “pior”), dado que elas pressupõem a priori noções incomensuráveis de moralidade. Assim pensa Sen. Concepções ideais do que constituiria uma sociedade justa não teriam utilidade prática para ajudar a sociedade, por meio do voto, a resolver problemas de polÃticas públicas. ErrarÃamos ao aceitar tacitamente uma noção de razão. E, mormente, a aceitação de uma visão unÃvoca de razão vem acompanhada de um tanto de utopias.
Esse parece ser o caso de Hobbes, Locke e Kant, que elaboraram noções de justiça em torno de algum tipo de contrato social abstrato.
Sen identifica dois problemas sérios com esses tipos de argumento: não há acordo social possÃvel sobre a natureza de uma “sociedade justa”. Adicionalmente, como é que nós realmente reconhecemos uma “sociedade justa”?
Grande parte da crÃtica de Sen é dirigida ao filósofo social-democrata John Rawls, cujo livro “Uma Teoria da Justiça” tornou-se uma referência no debate sobre justiça baseada em utopias abstratas.
Para Sen, tal querela deveria basear-se em construções de consenso em torno do que uma sociedade de carne e osso julga ser razoável.
É impossÃvel deixar de lado o papel, para Sen, do “espectador imparcial” da teoria dos sentimentos morais, de Adam Smith.
Ao contrário dos racionalistas citados, incluindo Rawls, Sen não crê que precisemos de uma concepção de um mundo ideal, só de uma ampla noção de moralidade.
Para entender melhor Sen, vale a pena destacar sua crÃtica à ideia de que seria possÃvel garantir liberdade para todos sem uma visão de mundo compartilhada que determine isso como desejável.
O chamado Paradoxo de Sen, teorema que lhe garantiu o Nobel, é um paradoxo lógico que parte de outros dois paradoxos, o do Nobel Kenneth Arrow e o do matemático Condorcet.
De acordo com a prova, é impossÃvel ao mesmo tempo ter um acordo social sobre o que é liberdade mÃnima e máxima eficiência econômica. Falando português: as escolhas que envolvem polÃticas públicas pressupõem a construção de consensos morais.
Pode-se criticar Sen por adotar um a priori ocidental, que a democracia e a razoabilidade são necessárias para a construção de consensos.
Mas ele tem o mérito de iniciar o debate dos economistas com os filósofos polÃticos e do direito. Grande livro.
MARCOS FERNANDES G. DA SILVA, economista da Fundação Getulio Vargas, é autor dos livros “Economia PolÃtica da Corrupção no Brasil” (2001) e Formação Econômica do Brasil” (2011).
A IDEIA DE JUSTIÇA
AUTOR Amartya Sen
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes
QUANTO R$ 59 (496 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo