Novas pesquisas decifram as transformações cerebrais que acontecem na adolescência, explicam comportamentos tÃpicos e sugerem como lidar com eles.
[Mônica Tarantino, Monique Oliveira e Luciani Gomes; Isto É; 21 out 11] O que faz uma garota de 14 anos passar o dia inteiro emudecida, trancada no quarto? Ou ir do riso à fúria em menos de um segundo? Pode ser realmente difÃcil entender a cabeça de um adolescente. Para ajudar nesta tarefa, a ciência está empreendendo um esforço fantástico. Nos Estados Unidos, ele está sendo capitaneado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMH). O órgão – um dos mais respeitados do mundo – está patrocinando uma linha de estudos focada na busca de informações para compreender o que está por trás das oscilações de humor e comportamentos de risco que marcam a adolescência. E as informações trazidas pelos estudos realizados até agora estão construindo uma nova visão da metamorfose sofrida pelos jovens. “O cérebro do adolescente não é um rascunho de um cérebro adulto. Ele foi primorosamente forjado por nossa história evolutiva para ter caracterÃsticas diferenciadas do cérebro de crianças e de adultosâ€, disse à ISTOÉ o neurocientista americano Jay Giedd, pesquisador do NIMH e um pioneiro na investigação do cérebro adolescente.
Giedd e seus colegas estão redefinindo os conceitos da medicina sobre essa fase da vida. Para eles, os tropeços da adolescência são sinais de que o cérebro jovem está procurando se adaptar ao ambiente. Nos primeiros 13 anos de pesquisa, os cientistas estudaram mudanças cerebrais ocorridas do nascimento até a velhice, na saúde e na doença. Descobriram que a adolescência é marcada por um aumento das conexões entre diferentes partes do cérebro. É um processo de integração que continuará por toda a vida, melhorando o trabalho conjunto entre as partes.
As pesquisas revelaram ainda que, nessa etapa, dá-se o fortalecimento e amadurecimento de algumas redes de neurônios (as células nervosas que trocam informações entre si) e o abandono de outras, menos usadas. Os estudos mostraram também que a onda de maturidade se inicia nas partes mais profundas e antigas, próximas do tronco cerebral, como os centros da linguagem, e naquelas ligadas ao processamento de emoções como o medo. Depois, essa onda vai subindo rumo à s áreas mais recentes do cérebro, ligadas ao pensamento complexo e à tomada de decisões. Entre elas estão o córtex pré-frontal, o sulco temporal superior e o córtex parietal superior, envolvidos na integração de informações enviadas por outras estruturas do órgão. Essa evolução explica, em parte, por que nesse perÃodo da vida a impulsividade e os sentimentos mais viscerais são manifestados com tanta facilidade, sem passar pelo filtro da razão.
Na tentativa de elucidar por que os jovens atravessam o perÃodo de crescimento como se estivessem em uma montanha-russa, um dos aspectos mais estudados é a tendência de se expor a riscos. No começo da empreitada cientÃfica para decifrar os segredos do cérebro adolescente, acreditava-se que a falta de noção do perigo iminente estivesse associada à falta de amadurecimento do córtex pré-frontal, área ligada à avaliação dos riscos que só atinge o desenvolvimento pleno por volta dos 20 anos. O avanço das pesquisas, porém, está demonstrando que por volta dos 15 anos os jovens conseguem perceber o risco da mesma forma e com a mesma precisão que um adulto.
Se sabem o que está aconÂtecendo, por que os jovens se colocam em situações ameaçadoras? Embora as habilidades básicas necessárias para perceber os riscos estejam ativas, a capacidade de regular o comportamento de forma consistente com essas percepções não está totalmente madura. “Na adolescência, os indivÃduos dão mais atenção para as recompensas em potencial vindas de uma escolha arriscada do que para os custos dessa decisãoâ€, disse à ISTOÉ Laurence Steinberg, professor de psicologia da Universidade Temple, especializado em desenvolvimento adolescente e autor de “Os Dez PrincÃpios Básicos para Educar seus Filhosâ€. Steinberg é um dos mais destacados estudiosos da adolescência na atualidade.
A afirmação do pesquisador está sustentada em exames de imagem que assinalam, no cérebro adolescente, uma intensa atividade em áreas ligadas à recompensa. Por recompensa, entenda-se a sensação prazerosa que invade o corpo e a mente após uma vitória, como ganhar no jogo ou ser reconhecido como o melhor pelo grupo. Esse processo coincide com alterações das quantidades de dopamina, um neurotransmissor (substância que faz a troca de mensagens entre os neurônios) muito importante na experiência do prazer ou recompensa. “Isso parece afetar o processo de antecipação do prêmio, de tal forma que os adolescentes se sentem mais animados do que os adultos quando percebem a possibilidade do ganhoâ€, diz o psicólogo americano.
Ele também foi buscar na teoria da evolução a justificativa para o mecanismo cerebral que premia os jovens com sensações agradáveis por se arriscarem. “No passado, levavam vantagem sobre outros da espécie aqueles que se deslocavam e assumiam riscos em busca de um lugar com mais alimentoâ€, pontua. “A busca por novidade e fortes emoções representaria, à luz da teoria da evolução, um sinal da capacidade de adaptação dos seres humanos a novos ambientes.†Nosso cérebro teria aprendido esse caminho e estaria reproduzindo-o até hoje. Descobertas ainda mais recentes mostram que a recompensa mexe profundamente com o cérebro. “Todas as áreas do cérebro são afetadas quando uma atitude é recompensada ou penalizada socialmenteâ€, disse à ISTOÉ Timothy Vickery, um dos autores de um trabalho recente publicado na revista “Neuronâ€.
Paralelamente à configuração cerebral, existem as contribuições do mundo contemporâneo para a tendência ao prazer imediato. “Talvez as dificuldades da vida futura e do mercado de trabalho, por exemplo, levem o jovem a uma situação de viver o prazer imediato. Daà a busca pela bebida, pela droga, pelo sexo e tudo o mais no sentido de se aproveitar a vidaâ€, diz o hebiatra (médico especializado em adolescentes) Paulo César Pinho Ribeiro, da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. De fato, por volta dos 15 anos, dá-se o pico da busca por emoções fortes. A psiquiatra Ana CecÃlia Marques, presidente da Associação Brasileira do Estudo de Ãlcool e Drogas, defende uma ação firme nesse momento. “Os pais devem assumir o seu papel e não deixar que os jovens fumem ou bebamâ€, diz.
O caminho para enfrentar essa questão é o diálogo. No Colégio Peretz, em São Paulo, a estratégia de conversar longamente sobre os riscos do consumo de álcool e drogas existe há dez anos. “A proposta é acompanhar os jovens e esclarecer as dúvidas que surgem durante esse perÃodoâ€, diz Evelina Holender, coordenadora do projeto.
A busca de emoções e o desejo de ser aceito e admirado pelos outros – duas caracterÃsticas do adolescente – podem se converter numa mistura explosiva. O psicólogo Steinberg demonstrou claramente esse mecanismo com o auxÃlio de um jogo de videogame cuja proposta era dirigir um carro pela cidade no menor tempo possÃvel. No percurso, os sinais mudavam de verde para amarelo quando o carrinho se aproximava. Se o competidor cruzasse o sinal antes de ele ficar vermelho, ganhava pontos. Se ficasse no meio da pista ou na faixa, perdiam-se muitos pontos. Ao disputarem os jogos a sós em uma sala, os jovens assumiram riscos na mesma proporção que os adultos. Mas com a presença de um ou mais amigos no ambiente houve mudança nos resultados. “Nessa circunstância, os adolescentes correram o dobro dos riscos dos adultosâ€, observou o pesquisador.
O papel do grupo na adolescência também está sendo examinado. “Por volta dos 15 anos, registra-se o pico de atividade dos neurônios-espelho, células ativadas pela observação do comportamento de outras pessoas e que levam à sua repetiçãoâ€, diz o neurologista Erasmo Barbante Casella, do Hospital Albert Einstein e do Instituto da Criança da Universidade de São Paulo. Esse é um dos motivos pelos quais os jovens adotam gestos e roupas similares. Além disso, há a grande necessidade de ser aceito pelos amigos e o peso terrÃvel da rejeição. “É uma fase na qual a identidade não está absolutamente constituÃda, e o grupo acaba sendo o meio para experimentar e também uma lente pela qual o adolescente lê o mundoâ€, diz a psicóloga Joana Novaes, da PUC-Rio de Janeiro. Estudos apontam que há também uma grande quantidade de oxitocina, hormônio relacionado à s ligações sociais e formação de vÃnculos, circulando no organismo, o que favoreceria a tendência de andar em turma.
Afora o prazer de correr perigo e dos altos e baixos humorais, a adolescência pode ser vista como uma fase de altÃssima resiliência, que é a capacidade de se adaptar e sobreviver à s dificuldades. Mas há desvantagens. O lado complicado é que o adolescente que passa por tantas transformações está mais vulnerável ao aparecimento de alterações como depressão, ansiedade e transtornos alimentares como a anorexia e a bulimia. Na semana passada, um estudo do NIMH feito com 10 mil jovens com idades entre 13 e 18 anos revelou que 12% apresentavam sintomas de fobia social, um transtorno de ansiedade que afasta os jovens do convÃvio. No estudo, 5% dos jovens confundiam os sintomas da alteração com timidez.
Ainda não se sabe qual é o impacto do grande volume de novas informações na conduta prática adotada por pais e profissionais ligados aos jovens, como professores e psicólogos. Mas já existem algumas mudanças em curso. Com base em algumas das descobertas, no Hospital Israelita Albert Einstein e no Instituto da Criança, por exemplo, Casella procura orientar os pais a prestar mais atenção à s companhias dos filhos. “Existe realmente uma tendência a copiar comportamentos. E os pais precisam interferir nissoâ€, diz o especialista.
É sabido também que o universo de possibilidades do cérebro adolescente será mais amplo se a criança tiver recebido suporte emocional e familiar, boa alimentação e acesso à educação. “Como na construção de uma casa, o resultado é melhor quando se tem bons alicerces. Por isso é importante estar atento ao desenvolvimento infantilâ€, disse à ISTOÉ o pediatra Jack SchoÂnoff, diretor do Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard (EUA). Quem passou por carências também tem uma espécie de segunda chance para acertar o passo do desenvolvimento na adolescência, embora com limitações. “Não é possÃvel voltar atrás, mas dar os estÃmulos adequados ao adolescente irá ajudá-lo a chegar mais perto do seu potencial máximoâ€, disse Schonoff. Na semana passada, o especialista veio ao Brasil para lançar uma parceria com a Fundação Maria CecÃlia Souto Vidigal, envolvida em iniciativas para o desenvolvimento integral da criança.