Casar e se divorciar após os 50 é cada vez mais comum

[Dario de Negreiros e Helton S Gomes, Folha SP, 23 jan 12] “Eu tenho 44 anos de casado. Estou com a minha velhinha até hoje e não estou pensando em trocar, não.”

Frases como essa, do aposentado Silas Moret, 79, são hoje menos comuns do que no princípio da década. De acordo com dados do IBGE, entre os anos de 2000 e 2010 a média de divórcios entre pessoas acima de 50 anos cresceu 28%. Esse aumento é seis pontos percentuais maior do que o registrado entre os casais mais jovens (de 20 a 50 anos).

Fatores sociais também contam. Por volta dos 50 anos, é comum que o casal esteja vendo seus filhos saírem de casa e, ao mesmo tempo, seus pais adoecendo. A esses acontecimentos traumáticos, podemos acrescentar ainda eventuais aposentadorias de um ou de ambos os membros do casal. “De repente, marido e mulher se encontram novamente sozinhos em casa e se percebem como um casal desconhecido”, diz Gotter. Mudanças físicas podem ajudar a explicar esse fenômeno. Segundo Maria Elvira de Gotter, psicanalista especialista em gerontologia e em sexualidade, a quinta década de vida costuma ser “um momento de grande transformação na vida da mulher”.

Alterações hormonais podem causar não apenas os famosos calores noturnos, mas também provocar irritação, aumento de peso e até mesmo dores durante a relação sexual. Já os homens dessa idade, segundo Gotter, procuram o divã de uma especialista em sexualidade quase sempre com a mesma queixa: disfunção erétil. “É difícil para o homem. Há uma baixa de autoestima.”

RENASCIMENTO

O primeiro marido de Ivone Avelar, 66, não gostava de vê-la tocando acordeom, instrumento que aprendeu a tocar aos 10 anos de idade. “Ele tinha preconceito, dizia que sanfona ‘era coisa de nortista’.”

Hoje, vivendo há 16 anos com seu segundo companheiro, Ivone não só voltou a tocar como entrou para a Orquestra Sanfônica, grupo de São Paulo fundado e comandado pela musicista Renata Sbrighi. “Entrar para essa orquestra foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida”, comemora.

Para Mirian Goldenberg, antropóloga da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), na velhice as mulheres costumam dar mais valor à própria liberdade do que ao casamento ou à família. “Mulheres de 75 anos dizem para mim: ‘Eu não quero mais casar, só quero dar beijo na boca’.” Já os homens “têm uma viagem quase oposta”, afirma a antropóloga. “Segundo minha pesquisa, eles passam a valorizar muito mais a família.”

Isso não significa que as mulheres que têm filhos e netos não curtam ficar com eles. Mas elas querem isso e muito mais. “Não a coloque como a “vovozinha” de antigamente, que só vai cuidar do netinho”, diz. “Ela quer viajar, ir ao teatro, ao cinema, tomar um choppinho.”

Gotter afirma ainda que, quando a mulher é capaz de superar as mudanças e desafios dos 50 anos, ela pode chegar a uma das mais interessantes fases de sua vida. “Se ela atravessa bem esse período, depois é como se ela renascesse.” E não necessariamente isso significa buscar novos relacionamentos. “Ela também busca novos horizontes, fazendo novos cursos, novas amizades, conquistando novo status social.”

“O DESEJO NUNCA ACABA”

Ivone Avelar, 66, durante concerto da Orquestra Sanfônica, no Largo da Lapa (zona oeste de São Paulo).

Os dados do IBGE, que registram apenas os divórcios oficializados em cartório, podem esconder um número ainda maior de separações informais.

Bancário aposentado há 20 anos, V.B. (que não quis se identificar), 73, continua casado, no papel, com sua primeira esposa. Mas não se vê aliança em seu dedo. Apesar de ainda morar junto, o casal dorme em quartos separados e, em casa, a conversa “não passa do ‘Bom dia, boa tarde, boa noite'”. Ele diz viver há oito anos um bem sucedido relacionamento com outra mulher.

“Em uma de nossas discussões, falei para minha esposa que iria arranjar outra mulher. Ela disse: ‘Pode arranjar. Não trazendo aqui em casa, está bom'”, diz. E, rindo, conta sua conclusão: “Eu pensei: sinal verde!”.

Sua vida, diz o ex-bancário, é agora muito mais prazerosa. “Preencheu o vazio. Eu tenho com quem desabafar alguma coisa”, explica. Mas pondera: “Não chego a ser apaixonado”.

Apaixonados ou não, os novos velhos estão casando mais do que antigamente: entre 2000 e 2010, a média de casamentos entre as pessoas com mais de 50 anos aumentou 55%, contra um aumento de apenas 18% entre os mais jovens (entre 20 e 50 anos).

Quando o assunto é a vida sexual na velhice, os depoimentos são variados. “O casamento é assim: chega uma época em que vocês são amigos. Aquele fogo já era”, diz Silas Moret, que mesmo assim não pensa em “trocar sua velhinha”. Mais empolgado, V.B. diz que seu namoro é “normal”. “Você vai para o cinema, para o teatro, para a cama.”

O mais importante, para a psicanalista Maria Elvira de Gotter, é lembrar que não se pode reduzir a sexualidade ao ato sexual. “A relação sexual é só um componente da sexualidade, que é algo muito mais amplo: é o impulso de vida, é essa energia que te leva para frente”, explica. “O desejo nunca acaba.”

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