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Em meio à violência, refugiados africanos tentam nova vida no Brasil

african refugeeCongoleses, senegaleses e guineenses fogem de guerras e conflitos nos seus países. Até encontrarem o apoio de organizações filantrópicas, passam fome, frio e ficam expostos a abusos nas ruas de São Paulo.

Maria (*) fecha os olhos e canta para lembrar de seu país. Ela está na recepção de uma instituição católica em São Paulo, aguardando cobertor e cesta básica, mas sente-se ao lado do marido e dos filhos em Bukavu, sua cidade-natal.

[Karina Gomes, DW, 10 jan 2013] A guerra a fez fugir da República Democrática do Congo para o Brasil. Sozinha e sem notícias da família, ela aguarda ser reconhecida como refugiada no país, assim como outros 5 mil solicitantes de 70 nacionalidades.

Ela não sabe onde está o marido nem os dois filhos, um de 2 e outro de 8 anos. “Eu fui para o trabalho e o meu marido ficou em nossa casa, no Congo. Começou a guerra e eu fugi por uma estrada. Meu marido e meus filhos fugiram em outra direção. Eu não sei se estão vivos. Não tenho qualquer informação.”

Amigos de Maria a ajudaram a tirar o visto brasileiro e pagaram a passagem de avião. Ao chegar ao país, no início de 2013, a congolesa perambulou pelas ruas de São Paulo durante oito dias. “Fazia muito frio e eu não tinha mais nada. Eu pedia aqui e ali para me arranjarem qualquer coisa para comer”, relembra.

Um africano que a viu tremendo de frio na rua lhe ofereceu ajuda e a levou até o Centro de Acolhida para Refugiados, na Praça da Sé, no centro da capital paulista. O local é gerenciado pela Cáritas Arquidiocesana de São Paulo. O escritório parceiro do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) encaminha os pedidos de refúgio ao Comitê Nacional de Refugiados, providencia documentação na Polícia Federal do Brasil e direciona os estrangeiros a abrigos.

“A maioria dos africanos vêm sem norte, por isso nós damos um primeiro apoio. São poucos os abrigos disponibilizados por organizações não governamentais. Temos a possibilidade apenas de encaminhá-los para a rede pública de albergues, que não é adequada para estrangeiros. Eles ficam numa condição muito vulnerável”, afirma Maria do Céu, que há seis anos atende estrangeiros na Cáritas.

Falsa rede de proteção

Madeleine, de Kinshasa, a capital da República Democrática do Congo, também aguarda ser reconhecida como refugiada no Brasil. O pai da jovem de 18 anos era secretário de um deputado da oposição. Em 2012, quando o presidente da República Democrática do Congo, Joseph Kabila, recebeu informações de que o parlamentar conspirava contra o governo, todas as pessoas ligadas a ele foram perseguidas.

“Eu estava na escola. Meu pai, minha mãe e meus irmãos tiveram de fugir. Uma amiga da minha mãe me buscou e me levou para a casa dela. Ela me acolheu por dois meses e, depois, para minha segurança, mandou-me para o Brasil”, conta.

Ao chegar ao aeroporto de Guarulhos, ainda sem saber português, Madeleine pediu ajuda a um nigeriano, que a levou para a casa onde ele morava. Após seis dias trancada no local, a jovem foi estuprada. “Lá na casa dele aconteceu uma coisa ruim, e ele me expulsou da casa. Fiquei andando na rua e daí encontrei outro africano. Foi ele que me levou até a Cáritas.”

Segundo Carmen Victor, do Instituto do Desenvolvimento da Diáspora Africana no Brasil, a falta de amparo institucional faz com que as africanas caiam numa falsa rede de proteção. “São mulheres cuja vida é atrelada à figura masculina do pai, do irmão ou do marido. No Brasil, elas terminam sendo usadas por imigrantes africanos para vários fins. Muitas são obrigadas a transportar drogas e a prestar favores sexuais. Encontra-se de tudo, desde o apoio verdadeiro ao total abandono”, relata.

“Não há como voltar”

Francisca também foi vítima de perseguição política em Kinshasa, no Congo. O pai trabalhava para um coronel que se opôs à reeleição do presidente Kabila. Os dois tiveram que fugir. Ela parou de estudar e foi morar na casa de um amigo do pai.

A mãe e os dois irmãos permaneceram na casa da família. Policiais foram lá e perguntaram pelo pai de Francisca. Os pequenos começaram a chorar. “Eles sequestraram minha mãe e meus dois irmãos. Foram embora com eles e queimaram a casa. Não sobrou nada”, relata.

Meses depois, o amigo do pai de Francisca enviou a jovem ao Brasil por temer represálias. Ela chegou ao país em janeiro de 2013. Sem falar português, passou dois dias dormindo no aeroporto de Guarulhos. Lá encontrou um grupo de moças que falava francês. Todas eram prostitutas.

“Quando eu cheguei à casa delas, falaram que eu poderia ficar, mas deveria trabalhar para me manter. Uma noite, elas me levaram até o ponto onde trabalhavam. Eu não queria fazer aquilo. Naquela noite, eu falei que não estava me sentindo bem, e elas entenderam”, conta.

No dia seguinte, ao não aceitar novamente, Francisca foi ameaçada. “Aquelas que falavam francês disseram: ‘Tem que chamar uns cinco homens para violar essa menina’. Eu me assustei. E, quando elas estavam distraídas, eu saí da casa e fugi.”

Francisca andou sem rumo pelas ruas de São Paulo. Ainda naquele dia, escutou um rapaz falando lingala, o idioma de Kinshasa. Ela pediu ajuda e foi levada até a Cáritas.

Hoje a congolesa vive num abrigo para menores de idade. Ela faz um curso de português e conseguiu emprego numa empresa de telemarketing. “Não tem como voltar porque há muito tempo as coisas não mudam. Quando eu nasci, já era assim. Eu cresci, e é a mesma coisa. Tenho estresse, dor no coração porque não sei onde está minha família, não sei o que aconteceu com eles.”

A jovem também relembra casos de violência em seu país. “Quando o governo manda, o rebelde – não sei como posso chamar aquelas pessoas – quando eles encontram um menino e uma menina da minha idade, o pai e a mãe em uma casa, eles mandam o rapaz se deitar com a mãe e o pai, com a garota. Obrigam! Se você não faz, eles te matam”, conta Francisca.

Ela se recorda de um vizinho que foi obrigado a fazer sexo com a própria mãe, uma senhora de idade. “Com aquela vergonha, ele não conseguiu mais viver em paz e se matou.”

Apesar dos traumas, Francisca pretende estudar para poder ajudar os congoleses. Ela quer ser médica, mas sem a documentação necessária não consegue se matricular na universidade. “Já faz tempo que estou pedindo os documentos para o governo aqui no Brasil, mas não consigo. Quando eu era criança, eu falava que, quando eu tivesse 25 anos, seria uma grande médica. Essa incerteza me incomoda muito”, diz.

À procura de uma nova vida

Na Zona Leste de São Paulo, muitos homens africanos e moradores de rua brasileiros aguardam uma vaga no abrigo Arsenal da Esperança. No ano passado, a presença de estrangeiros aumentou.

Pedro Baptista, da Guiné-Bissau, chegou em março. Havia seis meses que estava sem receber o salário como professor dos ensinos fundamental e médio na capital guineense. O golpe de Estado em abril de 2012 motivou o sindicalista a sair do país. “Deixei a minha esposa grávida, ela já deu à luz e nem tenho dinheiro para mandar para ela. O país está em constante instabilidade. Então isso obrigou-me a procurar refúgio no Brasil. Vim cá procurar melhor condição de vida”, conta.

Formado em química e biologia, Pedro Baptista se tornou orientador comunitário do Arsenal da Esperança. Ele aguarda ser reconhecido como refugiado no Brasil, apesar de não ter sofrido uma ameaça direta. Em 2013, o governo brasileiro concedeu refúgio para apenas um africano da Guiné-Bissau.

“Os governantes do Brasil bem sabem que a Guiné-Bissau tem problemas. A CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] não reconheceu o governo que está no poder neste momento. Imagine um país com 40 anos de independência não ter nenhum governo que tenha terminado seu mandato e ser palco de sucessíveis golpes. É lamentável, mesmo.”

Segundo o italiano Simone Bernardi, coordenador do Arsenal da Esperança, a maioria dos estrangeiros da casa que querem ser reconhecidos como refugiados no Brasil não foi vítima de perseguição. “São jovens que, muitas vezes, aparentam ser um pouco a elite do país de onde vieram. Têm o perfil de quem completou os estudos e quer procurar um futuro melhor”, explica.

Pedro Baptista pretende fazer uma especialização no Brasil e mandar ajuda para seu país. “A minha vida está em causa, porque eu sou o filho mais velho. Meus irmãos estão esperando alguma coisa de mim. E não só eles, também o povo da Guiné-Bissau.”

“Aqui não é minha terra”

Os mais de 4.500 refugiados reconhecidos pelo governo brasileiro enfrentaram uma longa jornada para escapar das mais variadas perseguições políticas, religiosas e étnicas. Omar está no Brasil há sete anos e já tem residência permanente. Ele é agente de saúde pública em São Paulo. Por motivos de segurança, não relata por que teve de deixar a República Democrática do Congo.

“Eu sempre falo isso. Aqui não é a minha terra. A minha terra é a minha terra. A minha terra é incomparável e vai permanecer comigo. Mas estou aqui. Estou batalhando para ter a minha vida. Se hoje não, amanhã, se não amanhã, depois de amanhã, eu voltarei”, diz Omar.

Para isso, ele defende que os governantes africanos precisam se preocupar mais com as necessidades da população do que com o poder. “Os políticos devem purificar a consciência e aprender o que é o amor. Sabe amor? Eles não têm.”

Mãe dos africanos

A jornalista Diop desembarcou no Porto de Santos, no litoral de São Paulo, há 11 anos. Alvo de ameaças por seu trabalho numa rádio popular na região conflituosa de Casamança, no sul do Senegal, foi obrigada a fugir.

“Há muitos problemas no Senegal. É a guerra fria que as pessoas não reconhecem. Estou contente com o povo brasileiro, que é muito gentil. Sinto-me como se estivesse em casa. Eu sei que tive mais oportunidades do que muitos africanos que foram para a Europa”, diz.

Diop vende roupas, tecidos de capulana, colares e estatuetas do Senegal na Praça da República, no centro de São Paulo. Duas brasileiras a ajudam no pequeno comércio. Para ela, todo africano ou brasileiro que precisa de ajuda é como um novo filho.

“Hoje eu trato dos africanos que chegam. Sou como uma mãe. Eu sou uma escrava de Deus e de todos que precisam de ajuda. Tenho dois quartos, uma sala, cozinha e banheiro. Tenho colchões para as pessoas dormirem. Se há alguém com problemas, eu dou-lhe comida e mantimentos. A pessoa não paga eletricidade, água nem o quarto. Não paga nada. É tudo feito por mim e pelo meu marido”, conta.

Diop diz que, apesar da perseguição que sofreu, ama o Senegal. E é grata à acolhida que recebeu no Brasil. “Cada país representa uma mãe. Nunca uma pessoa pode falar que não gosta da própria mãe. Eu gosto muito do meu país, mas aqui no Brasil tenho coisas que não tenho lá. Eu tenho liberdade. Eu amo muito o Brasil.”

(*) Nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados.

Angola fecha mesquitas e é acusada de interditar islamismo

isla em angolaAngola foi acusada de interditar o islã, depois de fechar a maioria das mesquitas do país, em meio a relatos sobre violência e intimidação contra mulheres que usam o véu. A Comunidade Islâmica de Angola (ICA) alega que oito mesquitas foram destruídas nos últimos dois anos e que qualquer pessoa que pratique o islã corre o risco de ser considerada culpada de desobedecer ao código penal angolano.

[David Smith, GUARDIAN, Folha SP, 29 nov 2013. Tradução Clara Allain] Ativistas dos direitos humanos condenam a repressão ampla. “Pelo que ouvi, Angola é o primeiro país do mundo a ter decidido interditar o islã”, disse Elias Isaac, diretor nacional da Iniciativa Sociedade Aberta da África Meridional (Osisa). “Isto é loucura. O governo não tolera qualquer diferença.”

As autoridades de Angola, país de maioria católica situado no sul da África, insistem que os relatos publicados na mídia mundial sobre uma suposta interdição do islã são exagerados e que não estão sendo visados locais de culto religioso.

O Reino Unido acaba de nomear Angola um de seus cinco “parceiros de prosperidade de alto nível” na África, e os dois países mantêm um relacionamento comercial crescente.

O presidente angolano, José Eduardo dos Santos, está no poder há 34 anos, sendo o segundo entre os chefes de Estado africanos no poder há mais tempo. Ele é acusado há anos de corrupção e violações dos direitos humanos.

As organizações religiosas em Angola precisam pedir reconhecimento legal, e o país hoje autoriza 83 delas, todas as quais cristãs. No mês passado o Ministério da Justiça rejeitou os pedidos de 194 organizações, incluindo uma da comunidade islâmica.

Pela lei angolana, para conseguir reconhecimento legal um grupo religioso precisa ter mais de 100 mil membros e estar presente em pelo menos 12 das 18 províncias. O status legal lhe dá o direito de construir escolas e locais de culto. Existem apenas estimados 90 mil muçulmanos entre os 18 milhões de habitantes de Angola.

David Já, presidente da Comunidade Islâmica de Angola, disse na quinta-feira: “Podemos afirmar que o islã foi interditado em Angola. É preciso ter 100 mil fiéis para ser reconhecido como religião. De outro modo, não se pode orar oficialmente.”

De acordo com a ICA, existem 78 mesquitas no país, e todas foram fechadas exceto as da capital, Luanda, porque são oficialmente não licenciadas. “As mesquitas de Luanda estavam previstas para ser fechadas ontem, mas, diante do furor internacional provocado pelos relatos de que Angola teria interditado o islã, o governo decidiu não fechá-las”, disse Já.

“Assim, no momento as mesquitas de Luanda estão abertas, e as pessoas estão indo a elas para fazer suas orações.”

Já disse que o governo começou a fechar mesquitas em 2010, incluindo uma na província de Huambo que foi queimada, “um dia depois de as autoridades nos avisarem que não deveríamos ter construído a mesquita naquele local e que ela deveria ser erguida em outro lugar. O governo se justificou dizendo que era uma invasão da cultura angolana e uma ameaça aos valores cristãos.”

De acordo com Já, outra mesquita foi destruída este mês em Luanda e 120 exemplares do Alcorão foram queimados. Ele disse ainda que os muçulmanos receberam ordens de desmontar as mesquitas eles mesmos.

“Mandam uma ordem legal de destruirmos o prédio e nos dão prazo de 73 horas para fazê-lo. Se não o fazemos, o próprio governo faz.”

As mulheres que usam o véu islâmico tradicional também estariam sendo visadas. “Do jeito como andam as coisas, a maioria das muçulmanas tem medo de usar o véu. Uma mulher foi agredida num hospital em Luanda por estar de véu, e, em outra ocasião, uma jovem muçulmana foi espancada e a mandaram deixar o país porque estava usando véu.”

“Mais recentemente, meninas foram proibidas de usar o véu em escolas católicas. Quando fomos lá tirar satisfações com as freiras, elas simplesmente disseram que não podiam permitir o véu. Embora não haja uma lei explícita, escrita, que proíba o uso do véu em Angola, o governo proibiu a prática da fé e as mulheres têm medo de anunciar sua fé, nesse sentido.”

As queixas do ICA foram confirmadas por Rafael Marques de Morais, ativista político e jornalista investigativo destacado no país. “Eu já vi a ordem que diz que os próprios muçulmanos devem destruir as mesquitas e levar os escombros embora, senão serão cobrados pelo custo da demolição.”

Ele sugeriu que o governo estaria procurando um modo conveniente de desviar a atenção da crescente hostilidade pública em relação a trabalhadores chineses e portugueses em Angola.

“O governo precisa desviar a atenção. Quer encontrar um bode expiatório para as pressões econômicas, dizendo que o islã não tem relação com os valores e a cultura angolanos.”

“O governo acha que uma lei abrangente contra o islã vai lhe angariar a simpatia tanto dos angolanos quanto dos setores da comunidade internacional que equacionam o islã com terrorismo.”

Indagado sobre a possibilidade de protestos dos muçulmanos, Marques respondeu: “Se os muçulmanos tentarem manifestar alguma ira, serão deportados no dia seguinte”.

Mas o governo angolano nega que faça qualquer tentativa de interditar o islã. “Não existe guerra em Angola contra o islã ou qualquer outra religião”, disse Manuel Fernando, diretor de assuntos religiosos do Ministério da Cultura. “Não existe posição oficial que busque a destruição ou o fechamento de locais de culto, sejam eles quais forem.”

Uma declaração da embaixada angolana nos EUA diz o mesmo: “A República de Angola é um país que não interfere na religião. Temos muitas religiões lá. É liberdade de religião. Temos católicos, protestantes, batistas, muçulmanos e evangélicos.”

Congo: A maior guerra do mundo

congo_warChacinas, estupros de mulheres e sequestros de crianças são armas de guerra no país. É o mais sangrento conflito desde a 2ª Guerra.

Dessa vez, nem esperaram o disfarce da noite. Atacaram às claras, surpreendendo os aldeões na lavoura. Eram 11 horas, calcula Geni Mungo olhando para o céu – o relógio natural de Lwibo, vilarejo na Província de Kivu do Norte, na fronteira oriental da República Democrática do Congo. Ela os viu chegar de longe, pelo mato. Correu para casa para avisar os três filhos sobre o ataque, mas, ao saírem, os rebeldes estavam muito perto.

[Adriana Carranca, enviada especial do Estadão, Lwibo, Rep. Democrática do Congo, 20 out 2013] Alcançaram primeiro seu marido, abatido como um bicho. Ela titubeou, mas sabia que não poderia salvá-lo. Seguiu em direção ao rio. Moradores tentavam escapar, imaginando poder atravessar para o outro lado e sumir na mata. Alcançaram a ponte frágil de madeira. Armados com facões, os rebeldes cortaram as cordas.

Geni viu os corpos das duas filhas serem arrastados pela correnteza de outubro, mês das chuvas. Forjou com o caçula um esconderijo sob folhas de bananeira e ali ficaram até cessarem os gritos. Voltou à vila e encontrou a cabeça do marido, como as de outros homens da aldeia, secando ao sol em estacas – a marca do grupo liderado por um homem chamado Sheka.

O bando saqueou e botou fogo nas palhoças. Fugiu levando 45 crianças que estavam na pequena escola da vila no momento do ataque. Os meninos são feitos soldados. As meninas, escravas sexuais.

Dois dias após o ataque, quando o Estado visitou o local, os gritos de um professor de 25 anos, chamando cada aluno pelo nome, ainda ecoavam na mata – em vão. Ele tinha esperança de que as crianças, de 6 a 12 anos, assustadas, estivessem escondidas. O professor e todos à sua volta sabiam que isso era improvável. Geni buscava o corpo do marido – queria enterrá-lo inteiro – e os das filhas.

congo mapAssim se vive no Congo (antigo Zaire), buscando os desaparecidos e recolhendo corpos no rastro de ataques que ocorrem com frequência assustadora.

Em quase duas décadas, os confrontos no leste do país deixaram cerca de 6 milhões de mortos. É o maior e mais sangrento conflito desde a 2.ª Guerra, produziu mais vítimas do que todos os combates recentes somados. É o holocausto africano. Mas pouco se ouve falar sobre ele porque ocorre na floresta densa de um continente esquecido, a África, não mata brancos, não ameaça o Ocidente. Pelo menos, até agora.

O Congo é a maior e mais cara missão da ONU. E o retrato mais visível de seu fracasso.

“Muzungu! Muzungu!”, gritam as crianças ao ver uma equipe da organização Médicos sem Fronteira (MSF), que chega para atender feridos. Não há. Nesse tipo de ataque, os rebeldes não deixam vivos para trás – matam os que podem alcançar. A ajuda humanitária trata outros fantasmas que assombram o Congo: malária, sarampo, cólera, desnutrição, infecções, traumas. Muzungu quer dizer branco – a MSF é uma dos raras entidades que chegam à região remota, com acesso dificultado por estradas esburacadas, enlameadas e dominadas por grupos armados.

Lwibo fica em uma área limítrofe entre territórios controlados pela Aliança de Patriotas por um Congo Livre e Soberano (APCLS), formado por homens da etnia hunde, e as Forças Democráticas para a Liberação de Ruanda (FDLR), de hutus (veja mapa na página A15). Numa espécie de vácuo, o vilarejo fica exposto a ataques de forasteiros como Sheka, de outra região – o que faz com que a população prefira estar sob a mão pesada de um grupo rebelde de sua etnia, que lhes cobra impostos em troca de proteção.

As chacinas de homens, os estupros de mulheres e os sequestros de crianças tornaram-se armas de guerra no Congo. Servem para humilhar o oponente e mandar-lhe um recado: não mexa com a minha área ou vou invadir seu território e massacrar seu povo.

Cobiça. É uma guerra travestida de conflito étnico, mas que esconde interesses mundanos: os trilhões de dólares enterrados no solo vermelho do leste do Congo. O maior país da África subsaariana é também o mais rico em recursos naturais, confiscados desde a colonização belga. Hoje, essa riqueza financia as milícias sem que o povo veja um tostão. Ao contrário disso, são explorados no trabalho pesado das minas.

Ouro, diamantes, coltan – minério que contém tântalo, usado em aparelhos de celular e tablets – são contrabandeados para países vizinhos como Ruanda, Uganda e Burundi. Calcula-se que apenas 10% das minas do Congo sejam exploradas legalmente.

O comandante Sheka era responsável por um dos centros de negociações de minérios da estrada entre Lobuto e Walikali, onde estão pequenas aldeias satélites das minas escondidas na floresta. Um dia, ele matou o patrão, roubou seu dinheiro e iniciou seu próprio grupo Mai-Mai – nome dado às gangues locais, com interesse puramente econômico.

Em uma pista improvisada de pouso na altura de Kilambo, pequenos aviões aterrissam e decolam com frequência. “Trazem equipamentos para mineração e voltam levando sacos de minerais”, disse ao Estado o especialista de uma organização internacional, há sete anos no Congo. “O destino oficial é Goma, mas extraoficialmente… Como explicar que Ruanda e Uganda se tornaram exportadores de minérios? Onde estão suas minas? Vendem para mercados como a China e, de lá, para EUA e Europa, que lavam as mãos sobre a procedência.”

O governo congolês é visto como fraco e corrupto. Enquanto a reportagem conversava com moradores de Lwibo, jovens do FDLR passavam caminhando tranquilamente com velhas Kalashnikov; um deles trazia um porco no laço e uma AK-47 personalizada – o cabo de madeira pintado de branco e o metal de um dourado reluzente, possivelmente ouro.

À luz do dia, controlam vilarejos e estradas. Vigiam seus impérios miseráveis do alto de pequenos montes – milicianos desleixados e maltrapilhos, armados com fuzis de assalto, o cinturão de balas à tiracolo, óculos escuros com o aro irremediavelmente dourado e um cigarro de bangi (a maconha congolesa). Pela estatura, alguns aparentam ter 11 ou 12 anos, mas num país como o Congo não é possível saber a idade – a desnutrição impede o crescimento, enquanto a guerra endurece o semblante e envelhece seus rostos, enrugados e com marcas de navalha. São crianças velhas.

Entre Lwibo e Masisi, havia pelo menos três postos de checagem: cabanas de madeira e cancelas de bambu, onde os rebeldes cobram pedágio de camponeses que passam com banana, mandioca, amendoim para vender no vilarejo mais próximo – tomam-lhes algo como 10% da colheita. “Todos os grupos armados sobrevivem da exploração das minas. É uma questão-chave desse conflito. Os impostos são um complemento”, disse o especialista.

O Estado viu minas de coltan – pequenas Serras Peladas negras – e, à noite, caminhões sendo abastecidos com o material sob a vigilância dos rebeldes. Um bando armado estava a 500 metros da base da Missão da ONU em Nyabuondo. Dois jovens se aproximam do carro da MSF, que transportava uma grávida em trabalho de parto. Só se vê o brilho do cano de seus fuzis e o branco dos olhos. Querem revistar o carro. “MSF!”, avisa o motorista. A organização, neutra, não permite que homens armados entrem no carro e trafega sem seguranças. “Sigara! Um cigarro!”, eles pedem. E somem na escuridão.

Lampedusa, Eritreia e o silêncio do Ocidente

Would-be immigrants stand on the deck of a Coast Guard rescue vessel as they arrive in the harbour of the southern Italian island of Lampedusa

O mecanismo é, infelizmente, muito conhecido: os refletores acendem intermitentemente quando se trata dos diretos humanos em determinados países. Todavia, é melhor que se mantenham apagados e não chamem atenção quando os líderes são sócios comerciais ou aliados estratégicos.  Às vezes, é impossível não chamar atenção e, então, surge a indignação frente ao “Satanás” de plantão, que deve ser derrotado com uma guerra. A história contemporânea está repleta de exemplos: os aliados de ontem se convertem, não se sabe como, em adversários irredutíveis, como aconteceu com Saddam, Gaddafi e, agora, com Assad. Entre os que gozam de “um pouco da sombra” e do silêncio dos governos democráticos ocidentais está, por exemplo, o ditador eritreu Isaías Afewerki. Além disto, por detrás da fuga de migrantes da Europa, incluídos os que perderam a vida em Lampedusa, na semana passada, estão as terríveis condições de vida do povo eritreu. A maioria dos migrantes que perdeu a vida tentando chegar à costa siciliana provinha, justamente, da Eritreia.

[Andrea Tornielli, Vatican Insider, 8 out 2013; tradução do Cepat, publicado no IHU, 12 out 2013] O sítio web “Il Sismografo”, do qual se ocupam alguns jornalistas da Rádio Vaticana, como Luis Badilla, lembra – com um pouco de saudável realismo – o que está ocorrendo, isto é, a justa indignação frente ao enésimo massacre mediterrâneo, mas, ao mesmo tempo, diante de um silêncio ensurdecedor sobre as responsabilidades daqueles que matam de fome os povos de onde provêm estes migrantes.

“Nestes dias, em muitos lugares institucionais da Europa – escreveu Badilla – recorda-se das vítimas com ‘um minuto de silêncio’ (… talvez fosse apropriado somá-lo a muitos anos de silêncio). Seguirão falando sobre eles e isto é algo positivo, justo e necessário. Mas pouquíssimos até agora, ou melhor, quase ninguém, lembrou com a força e valentia que por detrás da palavra “Lampedusa” se esconde outra: “Eritreia”, um campo de concentração ao ar livre que existe há décadas… O ditador desta pequena nação do nordeste africano, Isaías Afewerki, encontra-se há 40 anos no poder (no qual se mantém através de todos os meios possíveis, principalmente através daqueles condenados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem): primeiro como líder absoluto e implacável da Frente de Libertação da Eritreia e depois, desde 1993, como chefe de Estado e de governo”.

“Mais de 5 milhões de eritreus são seus reféns – continua Badilla – e, muitas vezes, são também aqueles que conseguiram fugir e viver em outros países, mas para proteger seus familiares que ficaram em Eritreia devem pagar uma quantia aos agentes consulares de Afewerki. No entanto, este senhor (e seus colaboradores) é amigo de todos os governos democráticos mais importantes: Estado Unidos, Europa Ocidental e Centro Oriental, da África e Ásia. De acordo com as mesquinhas conveniências geopolíticas que encontram nele um aliado momentâneo. Todos calam. Nenhum dos governos do mundo condenaram o governo de Afewerki, após os trágicos acontecimentos de Lampedusa, como, ao contrário, fizeram com os governos de outros ditadores do passado, como Mubarak, Gaddafi ou Bel Alí, em circunstâncias semelhantes. Da capital eritreia, Asmara, não pronunciou nem sequer uma palavra de dor ou de pêsames pela morte de mais de 300 filhos desta terra, que buscavam um pouco de pão, teto e alfabetização, que, junto com a liberdade, Afewerki, nega sistematicamente desde 1993. Enquanto isso, representantes de Asmara, nestes dias após a tragédia de Lampedusa, são recebidos pelos municípios e distritos, italianos e europeus, como “hóspedes de honra”.

A Anistia Internacional descrevia, cinco anos atrás, a situação do país: “O governo proibiu os jornais independentes, os partidos de oposição, as organizações religiosas não registradas e, na verdade, qualquer atividade da sociedade civil. Cerca de 1.200 pessoas, que haviam feito pedidos de asilo para o Egito e para outros países, foram presos ao chegar a Eritreia. Da mesma forma, milhares, entre prisioneiros de consciência e presos políticos, têm permanecido durante anos encarcerados. As condições das prisões são péssimas. Os considerados dissidentes, desertores ou os que se negam a prestar o serviço militar obrigatório (ou outros que se atreveram a criticar o governo) têm sido submetidos, juntamente com suas famílias, a castigos e humilhações. O governo reagiu peremptoriamente contra qualquer crítica em matéria de direitos humanos”.

Uma “vergonha da vergonha” é a situação dos cristãos, que sofrem primeiro por serem eritreus e depois pela sua fé. A Santa Sé, para tentar proteger as populações, privilegia o caminho da prudência nas declarações públicas (com o mesmo realismo que se usava nos tempos do nazismo e dos regimes comunistas; atitude que, por vezes, tem sido considerada controversa). A tragédia de Lampedusa poderia converter-se em uma oportunidade para começar a abrir os olhos frente a esta realidade esquecida.

A caravana da cocaína no Sahel ~ by Anne Frintz

No meio do caminho entre a América Latina e a Europa, o oeste da África se tornou um centro comercial do tráfico de cocaína. Em todo itinerário que percorre, o dinheiro do comércio de drogas permite comprar numerosos intermediários, especialmente políticos, e contribuiu para a desintegração dos Estados.

[Anne Frintz*, Le Monde Diplomatique, 1 mar 13] Em novembro de 2009, um Boeing 727 vindo da Venezuela pousava em Tarkint, localidade perto de Gao, no nordeste do Mali. Ele transportava entre 5 e 9 toneladas de cocaína, que nunca foram encontradas. Depois de descarregada, a aeronave falhou na decolagem e pegou fogo. O inquérito revelou que entre os envolvidos estavam uma família libanesa e um empresário mauritano que fizeram fortuna com o comércio de diamantes angolanos. Continue lendo

Milícias usam violência sexual como arma de guerra no Congo

Nos cinco minutos que você levará para terminar de ler esta reportagem, pelo menos três mulheres terão sido estupradas na República Democrática do Congo. A cada hora, 48 mulheres são violentadas no país, segundo um estudo publicado no American Journal of Public Health. Organizações de proteção aos direitos humanos também registram um número impressionante de vítimas masculinas.

[BBC Brasil, 24 ago 12] No total, 22% dos homens e 30% das mulheres do Congo já foram vítimas de violência sexual em ataques relacionados ao conflito, segundo números de 2010. Tais estatísticas levaram a enviada da ONU ao país, Margot Wallström, a classificar o país como a “capital mundial do estupro” em um apelo para que o Conselho de Segurança tomasse uma atitude para interromper a barbárie.

Mas se os números já são chocantes, os depoimentos reunidos pelo jornalista Will Storr em uma investigação exclusiva para a BBC são um grito de socorro que a comunidade internacional não deveria ser capaz de ignorar. Continue lendo

África vive situação paradoxal de crescimento econômico e de fome, afirma Pnud

“Em um mundo com excedente de alimentos, a fome e a má nutrição continuam onipresentes em um continente com grandes recursos agrícolas”

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) alertou hoje (15) para a situação paradoxal existente na África, pois parte do continente registra crescimento econômico superior à média mundial, mas também apresenta a maior insegurança alimentar do planeta.

[Renata Giraldi, Agência Brasil, 15 mai 12] A administradora do Pnud para a África, Helen Clark, disse que é fundamental implementar políticas mais inclusivas e focadas em segurança alimentar. Continue lendo

Sudán, entre el genocidio y la crisis humanitaria

Asma contó a la organización no gubernamental Enough que logró escapar con sus tres hijos a Etiopía el año pasado.

‘Excélsior’ atestiguó las consecuencias del éxodo masivo, la crisis alimentaria y el alto número de muertos en territorio sudanés por diversos conflictos.

[Excélsior, 17 abr 12] ADÍS ABEBA, ETIOPÍA – La cobertura de los medios internacionales ha sido muy intensa en Siria, donde los combates entre las fuerzas armadas del presidente Bashar al-Assad y los insurgentes del Ejército Libre de Siria han dejado arriba de 10 mil muertos y decenas de miles de desplazados internos y refugiados en campamentos de Líbano, Jordania y Turquía.

Sin embargo, a unos 2 mil 500 kilómetros al sur se vive un conflicto armado que no ha merecido el mismo espacio en medios pero que está teniendo consecuencias probablemente más graves desde el punto de vista humanitario: la lucha entre el régimen de Sudán y un grupo rebelde en la franja fronteriza entre ese país y la nueva República de Sudán del Sur. Continue lendo

Faixa que engloba oito países vira foco de crise de fome na África

Uma faixa de território conhecida como Sahel, que se estende por quase uma dezena de países abaixo do deserto do Saara, se tornou foco potencial de uma das mais graves crises de fome da atualidade, segundo a ONU, com o agravante de instabilidade política na região.

[BBC Brasil, 11 abr 12] O Sahel, que vai do oeste ao leste da África, passando por partes de países como Mali, Senegal, Níger, Chade, Mauritânia, Burkina Fasso, Gâmbia e Camarões, está vivendo os efeitos de uma temporada de chuvas especialmente fraca e irregular, que atrapalhou as colheitas e a alimentação do gado e fez subir o preço dos alimentos, informou o Programa Mundial de Alimentos (WFP), da ONU.

“Isso é uma receita para o desastre numa parte do mundo em que a maioria das pessoas vive do que consegue plantar”, disse o WFP, estimando que de 10 milhões a 15 milhões de pessoas (a soma das populações das cidades de São Paulo, Recife e Brasília, segundo números do IBGE) possam ser afetadas pela falta aguda de alimentos. Continue lendo

Mais antiga fogueira feita pelo homem tem 1 milhão de anos

O mais antigo uso do fogo pela humanidade bateu um novo recorde: 1 milhão de anos atrás. A prova disso foram restos de ossos e plantas queimados achados em uma caverna na África do Sul.

[Ricardo Bonalume Neto, FSP, 3 abr 12] Provar o uso de fogo em data tão antiga é delicado. O fogo poderia ter tido origem natural ou poderia ter sido deixado no local pelo vento ou pela água em data posterior.

Para tentar evitar esses possíveis erros, os autores do estudo usaram técnicas de microestratigrafia. Na geologia, a estratigrafia trata do estudo das camadas de rochas depositadas ao longo dos anos. Na sua versão “micro”, as formas (micromorfologia) e a composição química (“microespectroscopia”) do material são analisadas em grande detalhe. Continue lendo

Menina Somali em Dadaab [Imagem do Dia]

A Somali refugee girl sits perched on a tree in Ifo camp, Dadaab in Kenya / Copyright: Brendan Bannon

 

Até quando, Senhor, clamarei por socorro, sem que tu ouças?

Até quando gritarei a ti: “Violência!” se que tragas salvação?

Ficarei no meu posto de sentinela e tomarei posição…

Aguardarei para ver o que o Senhor me dirá e que resposta terei à minha queixa.

palavras de um antigo profeta hebreu

Habacuque