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Os dez mandamentos do populismo ~ Enrique Krauze

O populismo na América Latina adotou um amálgama desconcertante de posições ideológicas. Esquerdas e direitas poderiam reivindicar a paternidade do populismo, todas ao conjuro da palavra mágica “povo”. Populista quintessencial foi o general Juan Domingo Perón, que havia atestado diretamente a ascensão do fascismo italiano e admirava Mussolini a ponto de querer “erigir-lhe um monumento em cada esquina”.

Populista pós-moderno é Hugo Chávez, que venera Fidel Castro a ponto de tentar converter a Venezuela numa colônia experimental do “novo socialismo”. Os extremos se tocam, são cara e coroa de um mesmo fenômeno político cuja caracterização não se deve tentar, contudo, pela via de seu conteúdo ideológico, mas sim de seu funcionamento. Proponho dez traços.

1 – O populismo exalta o líder carismático. Não há populismo sem a figura do homem providencial que resolverá os problemas do povo. “A entrega ao carisma do profeta, do caudilho na guerra ou do grande demagogo – recorda Max Weber – não ocorre porque a mande o costume ou a norma legal, mas porque os homens crêem nele.”

2 – O populista não só usa e abusa da palavra: ele se apropria dela. A palavra é o veículo específico de seu carisma. O populista se sente o intérprete supremo da verdade geral e também a agência de notícias do povo. Fala com o povo de modo constante, incita suas paixões, “ilumina o caminho”, e faz isso sem restrições nem intermediários. Weber assinala que o caudilhismo político surge primeiro nas cidades-Estado do Mediterrâneo na figura do “demagogo”. Aristóteles sustenta que a demagogia é a causa principal das “revoluções nas democracias”, e percebe uma convergência entre o poder militar e o poder da retórica que parece uma prefiguração de Perón e Chávez: “Nos tempos antigos, quando o demagogo era também general, a democracia se transformava em tirania.” Mais tarde desenvolveu-se a habilidade retórica e chegou a hora dos demagogos puros: “Agora os que dirigem o povo são os que sabem falar.” Há 25 séculos essa distorção da verdade pública se desenvolvia na Ágora real; no século 20 ela o fez na Ágora virtual das ondas sonoras e visuais: de Mussolini (e Goebbels), Perón aprendeu a importância política do rádio para hipnotizar as massas. E Chávez superou o mentor Fidel ao usar até o paroxismo a oratória televisiva.

3 – O populismo fabrica a verdade. Os populistas levam às últimas conseqüências o provérbio latino: “Vox populi, vox Dei.” Mas como Deus não se manifesta todos os dias e o povo não tem uma única voz, o governo “popular” interpreta a voz do povo, eleva essa versão à condição de verdade oficial, e sonha com decretar a verdade única. Os populistas abominam a liberdade de expressão. Confundem a crítica com inimizade militante, por isso buscam desprestigiá-la, controlá-la, silenciá-la. Na Argentina peronista, os jornais oficiais – incluindo um órgão nazista – contavam com generosos privilégios, mas a imprensa livre esteve a um passo de desaparecer. A situação venezuelana, com a “lei da mordaça” pendendo como uma espada sobre a liberdade de expressão, aponta no mesmo sentido; terminará por esmagá-la.

4 – O populista usa de modo discricionário os recursos públicos. Não tem paciência com as sutilezas da economia e das finanças. O erário é seu patrimônio privado, que ele pode usar para enriquecer-se ou para embarcar em projetos que considere importantes ou gloriosos sem levar em conta os custos. O populista tem uma concepção mágica da economia: para ele, todo gasto é investimento. A ignorância ou incompreensão dos governos populistas em matéria econômica se traduziu em desastres descomunais dos quais os países levam décadas para se recuperar.

5 – O populista divide diretamente a riqueza. O que não é criticável em si (sobretudo em países pobres, onde há argumentos extremamente sérios para dividir, de fato, uma parte da receita, à margem das dispendiosas burocracias estatais e prevenindo efeitos inflacionários), mas o populista não divide de graça: focaliza sua ajuda e a cobra em obediência. “Vocês têm o dever de pedir!”, exclamava Evita a seus beneficiários. Criou-se assim uma idéia fictícia da realidade econômica e entronizou-se uma mentalidade assistencialista. No fim, quem pagava a conta? Não a própria Evita (que cobrou seus serviços com juros e resguardou na Suíça suas contas multimilionárias), mas sim as reservas acumuladas em décadas, os próprios operários com suas doações “voluntárias” e, sobretudo, a posteridade endividada, devorada pela inflação. Quanto à Venezuela, até as estatísticas oficiais admitem que a pobreza aumentou, mas a improdutividade do assistencialismo só será sentida no futuro, quando os preços dispararem e o regime levar às últimas conseqüências seu propósito ditatorial.

6 – O populista alimenta o ódio de classes. “As revoluções nas democracias são causadas sobretudo pela intemperança dos demagogos”, explica Aristóteles. O conteúdo dessa intemperança foi o ódio contra os ricos: “Algumas vezes por sua política de denúncias… e outras atacando-os como classe, (os demagogos) incitam contra eles o povo.” Os populistas latino-americanos correspondem à definição clássica, com uma nuance: fustigam “os ricos”, mas atraem os “empresários patrióticos” que apóiam o seu regime. O populista não busca, necessariamente, abolir o mercado: sujeita seus agentes e os manipula a seu favor.

7 – O populista mobiliza permanentemente os grupos sociais. O populismo apela, organiza, inflama as massas. A praça pública é o teatro onde comparece “Sua Majestade, o Povo” para demonstrar sua força e escutar as inventivas contra “os maus” de dentro e de fora. “O povo”, claro, não é a soma de vontades individuais expressas em um voto e representadas por um Parlamento; nem sequer a encarnação da “vontade geral” de Rousseau, mas uma massa seletiva e vociferante que caracterizou outro clássico, Marx – não Karl, mas Groucho: “O poder para os que gritam ‘O poder para o povo!'”

8 – O populismo fustiga sistematicamente o “inimigo externo”. Imune à crítica e alérgico à autocrítica, precisando apontar bodes expiatórios para os fracassos, o regime populista (mais nacionalista que patriótico) precisa desviar a atenção interna para o adversário de fora. A Argentina peronista reavivou as velhas (e explicáveis) paixões antiamericanas que ferviam na América Latina desde a guerra de 1898, mas Fidel converteu essa paixão na essência de seu triste regime, definido pelo que odeia, não pelo que ama, aspira ou consegue. E Chávez levou sua retórica antiamericana a expressões de baixeza que até seu mentor Fidel (talvez) consideraria de mau gosto. Ao mesmo tempo, faz representar nas ruas de Caracas simulacros de defesa contra uma invasão que só existe em sua imaginação, mas em que um setor importante da população venezuelana (contrária, em geral, ao modelo cubano) acaba acreditando.

9 – O populismo despreza a ordem legal. Há na cultura política ibero-americana um apego atávico à “lei natural” e uma desconfiança das leis feitas pelo homem. Por isso, uma vez no poder (como Chávez), o caudilho tende a se apoderar do Congresso e induzir a “justiça direta” (“popular”, “bolivariana”), arremedo de uma Fuenteovejuna -a obra teatral de Lope de Vega sobre abuso de poder e justiça – que, para os efeitos práticos, é a justiça que o próprio líder decreta. Hoje, o Congresso e o Judiciário são um apêndice de Chávez, como na Argentina o eram de Perón e Evita, que suprimiram a imunidade parlamentar e depuraram, segundo a sua conveniência, o Poder Judiciário.

10 – O populismo mina, domina e, em último recurso, domestica ou cancela as instituições da democracia liberal. Ele abomina os limites a seu poder, considera-os aristocráticos, oligárquicos, contrários à “vontade popular”. No limite de sua carreira, Evita buscou sua candidatura à vice-presidência. Perón se negou a apoiá-la. Se houvesse sobrevivido, seria impensável imaginá-la tramando a derrubada do marido? Não por acaso, em seus tempos aziagos de atriz radiofônica, representara Catarina, a Grande. Quanto a Chávez, ele declarou que seu horizonte mínimo é o ano 2020.

Por que renasce de tempos em tempos a erva daninha do populismo na América Latina? As razões são diversas e complexas, mas aponto duas. Em primeiro lugar, porque suas raízes se fundem em uma noção mais antiga de “soberania popular” que os neo-escolásticos do século 16 e 17 propagaram nos domínios espanhóis, que teve uma influência decisiva nas guerras de independência de Buenos Aires ao México. O populismo tem, além disso, uma natureza perversamente “moderada” ou “provisória”: não termina sendo plenamente ditatorial nem totalitário; por isso alimenta sem cessar a enganosa ilusão de um futuro melhor, mascara os desastres que provoca, posterga o exame objetivo de seus atos, amansa a crítica, adultera a verdade, adormece, corrompe e degrada o espírito público. Desde os gregos até o século 21, passando pelo aterrador século 20, a lição é clara: o efeito inevitável da demagogia é subverter a democracia.

Enrique Krauze é historiador mexicano

Fonte: Estado de SP, 15 abr 2006

Apesar de progresso, Brasil permanece um dos mais desiguais do mundo, diz ONU

Apesar dos progressos sociais registrados no início da década passada, o Brasil continua entre os países mais desiguais do mundo, segundo atesta um relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que será divulgado nesta sexta-feira.

O índice de Gini – medição do grau de desigualdade a partir da renda per capita – para o Brasil ficou em torno de 0,56 por volta de 2006 – quanto mais próximo de um, maior a desigualdade.

Isto apesar de o país ter elevado consideravelmente o seu índice de desenvolvimento humano – de 0,71 em 1990 para 0,81 em 2007 – e ter entrado no grupo dos países com alto índice neste quesito.

O cálculo do indicador de desigualdade varia de acordo com o autor e as fontes e a base de dados utilizados, mas em geral o Brasil só fica em melhor posição do que o Haiti e a Bolívia na América Latina – o continente mais desigual do planeta, segundo o Pnud.

No mundo, a base de dados do Pnud mostra que o país é o décimo no ranking da desigualdade.

Mas os dados levam em conta apenas 126 dos 195 países membros da ONU, e em alguns casos, especialmente na África subsaariana, a comparação é prejudicada por uma defasagem de quase 20 anos de diferença.

Na seleção de países mencionada no relatório do Pnud, os piores indicadores pela medição de Gini são Bolívia, Camarões e Madagascar (0,6) e Haiti, África do Sul e Tailândia (0,59). O Equador aparece empatado com o Brasil com um indicador de 0,56.

Colômbia, Jamaica, Paraguai e Honduras se alternam na mesma faixa do Brasil segundo as diferentes medições.

Desigualdade e mobilidade

O relatório foca no problema da desigualdade na América Latina, o continente mais desigual do mundo, segundo o Pnud. Dos 15 países onde a diferença entre ricos e pobres é maior, dez são latino-americanos.

Em média, os índices Gini para a região são 18% mais altos que os da África Subsaariana, 36% mais altos que os dos países do leste asiático e 65% mais altos que os dos países ricos.

O documento traça uma relação entre a desigualdade e baixa mobilidade social, caracterizada pelo círculo de aprisionamento social definido pela situação familiar de cada indivíduo.

No Brasil e no Peru, por exemplo, o nível de renda dos pais influencia a faixa de renda dos filhos em 58% e 60%, respectivamente.

No Chile esse nível de pré-determinação é mais baixo, 52% – semelhante ao da Inglaterra (50%).

Já nos países nórdicos, assim como no Canadá, a influência da situação familiar sobre os indivíduos é de 19%.

Alemanha, França e Estados Unidos (32%, 41% e 47%, respectivamente) se incluem a meio do caminho.

A mobilidade educacional e o acesso à educação superior foram os elementos mais importantes na determinação da mobilidade socioeconômica entre gerações.

Relatório do Pnud

No campo educacional, os níveis de educação dos pais influenciam o dos filhos em 55% no Brasil e em 53% na Argentina. No Paraguai essa correlação é de 37%, com Uruguai e Panamá registrando 41%.

A influência da educação dos pais no sucesso educacional dos filhos é pelo menos duas vezes maior na América Latina que nos EUA, onde a correlação é 21%.

“Estudos realizados em países com altos níveis de renda mostram que a mobilidade educacional e o acesso à educação superior foram os elementos mais importantes na determinação da mobilidade socioeconômica entre gerações”, afirma o relatório.

Para o Pnud, a saída para resolver o problema da desigualdade na América Latina passa por melhorar o acesso das populações aos serviços básicos – inclusive o acesso à educação superior de qualidade.

O relatório diz que programas sociais como o Bolsa Família, Bolsa Escola e iniciativas semelhantes na Colômbia, Equador, Honduras, México e Nicarágua representaram “um importante esforço para melhorar a incidência do gasto social” na América Latina, sem que isso tenha significado uma deterioração fiscal das contas públicas.

“No que diz respeito à distribuição (de renda), as políticas orientadas para o combate à pobreza e à proteção da população vulnerável promoveram, na prática, uma incidência mais progressiva do gasto social, que por sua vez resultou em uma melhor distribuição da renda.”

Fonte: BBC Brasil, 23 jul 2010

Peru supera Colômbia e é maior produtor em toneladas de folha de coca

Um estudo das Nações Unidas divulgado nesta terça-feira em Viena afirma que o Peru passou a ser o maior produtor mundial de folha de coca, superando a Colômbia pela primeira vez em dez anos.

De Bogotá, na Colômbia, o coordenador técnico do estudo, Leonardo Correa, disse à BBC Brasil que em 2009 o Peru foi responsável por 45% da produção da folha de coca da região andina, e a Colômbia, por 39%.

“O Peru produziu 119 mil toneladas e a Colômbia 103 mil toneladas. Em termos de área cultivada, a Colômbia continua a ser líder, mas em toneladas volta a ser o Peru”, afirmou Correa, do Sistema Integrado de Monitoramento de Cultivos Ilícitos da ONU.

O especialista observou ainda que o Peru registrou o quarto ano seguido de expansão de área cultivada, e a Colômbia, o segundo.

“Ainda falta muito para a Colômbia, mas o país tem registrado avanços neste setor. No caso do Peru, a tendência é contrária”, disse.

Queda no cultivo

De acordo com o levantamento da ONU, o cultivo na Colômbia diminuiu 16%, no ano passado, chegando a 68 mil hectares, uma queda de quase 60% em relação há dez anos.

No Peru a produção aumentou pelo quarto ano consecutivo, passando de 56.100 hectares, em 2008, para 59.900, em 2009.

“As notícias sobre o Peru são preocupantes”, disse em Viena o diretor-executivo do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC), Antonio Maria Costa.

Costa sugeriu que o governo peruano implemente medidas, “em todas as frentes” para reverter esta expansão da produção da folha de coca.

O diretor-executivo do escritório da ONU atribuiu ao “enorme” investimento em “recursos humanos e financeiros” os resultados positivos registrados na Colômbia.

A ONU informou ainda que a produção da folha de coca caiu 5% na região andina, em 2009 comparando a 2008. A redução foi de 167 mil hectares em 2008, para 158 mil hectares em 2009.

O resultado ocorreu devido à queda de 16% deste cultivo na Colômbia e apesar da forte alta nesta produção no Peru e leve expansão, de 1%, na Bolívia – terceiro produtor mundial – com 30.900 mil hectares cultivados.

De acordo com a ONU, a rentabilidade das folhas de coca caiu 10% na Bolívia em 2009 frente a 2008, passando de US$ 293 milhões para US$ 265 milhões.

Em Lima, o chefe da entidade estatal Devida, de combate às drogas, Rómulo Pizarro, disse ao jornal El Comercio que existe “um sentimento de frustração” diante da expansão da área plantada com folhas de coca, apesar das medidas do governo.

Fonte: BBC, 22 jun 2010

Relatório da ONU vê ‘diversificação’ no mercado de drogas ilegais no mundo

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A produção e o consumo das principais drogas tradicionais estão em queda ou controlados no mundo, mas há sinais do aumento do uso de novas substâncias sintéticas, principalmente em países em desenvolvimento, segundo um relatório publicado nesta quarta-feira pela Organização das Nações Unidas.

Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas da UNODC (agência da ONU para drogas e crime), o cultivo de coca, matéria prima para a cocaína, caiu entre 12% e 18% entre 2007 e 2009.

No mesmo período, segundo o relatório, o cultivo da papoula, matéria prima do ópio e da heroína, teria caído 23%. A agência espera uma queda ainda mais acentuada neste ano, por conta de uma praga que ataca as plantações no Afeganistão, o maior produtor mundial.

O relatório não traz dados específicos sobre cultivo de maconha, mas a agência da ONU observa uma redução no consumo da droga nos seus principais mercados – América do Norte e Europa.

Ainda assim, a maconha se mantém como a droga ilegal mais consumida no mundo. O relatório estima que entre 130 milhões e 190 milhões de pessoas consumiram a droga no último ano.

Anfetaminas

Segundo a UNODC, porém, o uso de estimulantes do grupo anfetamínico (ATS, na sigla em inglês) está em alta no mundo e deve ultrapassar em breve o número combinado de usuários de heroína e cocaína.

O relatório também menciona o aumento no abuso de drogas legais.

A agência da ONU observa que o combate ao tráfico e ao consumo de drogas sintéticas, produzidas em laboratórios, é mais difícil do que o combate às drogas tradicionais, produzidas à base de plantas.

Muitas vezes essas drogas sintéticas não são proibidas pelas leis dos países ou são produzidas a partir de substâncias legais. Além disso, muitos laboratórios estão localizados próximos aos consumidores, evitando longas rotas de tráfico internacional, como acontece com as drogas tradicionais.

“Essas novas drogas provocam um duplo problema. Primeiro, elas são desenvolvidas a uma velocidade muito maior do que as normas regulatórias e a aplicação da lei consegue acompanhar. Em segundo, o marketing é muito perspicaz, já que elas são produzidas para atender a preferências específicas em cada situação”, afirma o diretor-executivo da UNODC, o italiano Antonio Maria Costa.

Segundo o relatório, o número de laboratórios clandestinos de drogas sintéticas detectados cresceu 20% em 2008, incluindo países onde nunca antes haviam sido detectados laboratórios do tipo – o Brasil é citado como um desses países.

Para Costa, os dados mostram a dificuldade no combate às drogas. “Não resolveremos o problema das drogas no mundo se simplesmente empurrarmos o abuso de cocaína e heroína para outras substâncias que provocam dependência. E há um número ilimitado delas, produzidos em laboratórios mafiosos a custos baixos”, disse.

Novos mercados

O relatório da UNODC também destaca um aumento no consumo de drogas em geral em países antes livres do problema.

Entre os movimentos detectados estão o aumento no consumo de heroína no leste da África, o aumento do consumo de cocaína na América do Sul e no oeste da África e o aumento da produção e do consumo de drogas sintéticas no Oriente Médio e no Sudeste Asiático.

“Não resolveremos o problema mundial das drogas transferindo o consumo do mundo desenvolvido para o mundo em desenvolvimento”, advertiu Costa.

“Os países mais pobres não estão em uma posição de absorver as consequências do aumento do consumo de drogas. O mundo em desenvolvimento enfrenta uma crise iminente que poderia escravizar milhões na miséria da dependência de drogas”, afirma.

O documento adverte ainda para a influência desestabilizadora do tráfico de drogas sobre países de trânsito no tráfico de drogas, principalmente a cocaína.

Segundo a agência da ONU, o poder econômico e a violência relacionados ao tráfico pode ameaçar a segurança e a soberania dos países. O relatório cita a preocupação com o aumento da violência no México, na América Central e no oeste da África em particular.

Apesar de a coca ser cultivada apenas em três países – Colômbia, Peru e Bolívia -, o relatório identifica uma crescente diversificação nas rotas de tráfico da cocaína.

Segundo o relatório, 51% das drogas apreendidas em carregamentos marítimos com direção à Europa entre 2006 e 2008 tinham origem na Venezuela. O Brasil era a origem de 10% dos carregamentos. A Colômbia, maior produtor mundial de coca até o ano passado, foi identificada como a origem de apenas 5% da droga apreendida.

Fonte:  BBC, 23 jun 2010

Genocídio Feminino?

Assassinatos de mulheres na América Central alcança níveis epidêmicos

O termo epidemia é definido pela incidência, em curto período de tempo, de um grande número de casos de uma doença. Na América Central, porém, o que vem apresentando níveis epidêmicos é o número de assassinatos indiscriminados de mulheres por seus parceiros, parentes ou desconhecidos – o feminicídio.

A morte intencional e violenta de mulheres rapidamente avança na região. Em poucos anos, o total de assassinatos de mulheres na América Central duplicou, passando de 1.006 em 2003 para dois mil em 2009. Oitenta por cento destes delitos foram classificados como feminicídios e a maioria das vítimas tinha entre 20 e 29 anos. Frente aos números, diversas organizações ligadas aos direitos das mulheres lançaram um apelo às instituições nacionais para que prontamente se manifestem sobre o assunto.

De acordo com a pesquisa “Não esquecemos, nem aceitamos: Genocídio de mulheres na América Central”, realizada pelo Commca (Conselho de Ministérios da Mulher Centro Americanas), em conjunto com o Cefemina (Centro Feminista de Informação e Ação) e o Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher), Guatemala, Honduras e El Salvador são os países com maior índice de feminicídio “ao registrarem até 18 mortes para cada 100 mil cidadãs”.

Segundo o estudo divulgado na semana passada, entre 2000 e 2007 os casos de genocídio feminino na Guatemala aumentaram 183%, em Honduras, 150% e em El Salvador, 111%. O aumento de crimes contra mulheres foi o dobro dos assassinatos de homens em todos esses países.

Apesar de ter um número menor de feminicídios, a pesquisa trouxe dados muito preocupantes também de outros países da região e Caribe. Na Nicarágua, Costa Rica, Panamá e Republica Dominicana a quantidade de assassinatos duplicou entre 2000 e 2007, assim como a relação vítimas/população feminina, que era de entre duas e quatro mortes para cada 100 mil cidadãs.

“É um crescimento muito preocupante, que deve nos alarmar. O fenômeno do genocídio feminino está alcançando a categoria de epidemia na Guatemala, El Salvador e Honduras. Nos demais países da região surgem sinais de que existem as mesmas condições para que esse nível seja alcançado”, relatou ao Opera Mundi a coordenadora da pesquisa e diretora do Cefemina, Ana Carcedo.

Segundo ela, “outros indicadores que comprovam a gravidade da situação são o crescimento muito mais rápido dos genocídios femininos do que dos homicídios de homens e uma evidente mudança de situação onde se consumam estes genocídios”.

Causas e cenários

A literatura especializada indica que existem três tipos de feminicídio: íntimo, não íntimo e por conexão. Íntimo são assassinatos cometidos por homens com quem a vítima tinha uma relação íntima, familiar ou de convivência próxima. O feminicídio não íntimo acontece quando o crime é cometido por homens com quem a vítima não tinha qualquer relação, frequentemente envolvendo ataque sexual.

Já o feminicídio por conexão envolve mulheres assassinadas “na linha de fogo”, ou seja, quando um homem tenta matar uma mulher e outra é atingida. Este caso se relaciona a parentes, filhas ou outras pessoas que tentaram interferir ou que simplesmente foram envolvidas na ação. “No passado, a maior parte dos feminicídios era do tipo íntimo. Entretanto, hoje, as investigações mostraram o surgimento de contextos sociais e econômicos de desigualdade que facilitam os crimes”, contou Carcedo.

“Estamos falando”, continua ela, “da questão das mulheres, de redes de exploração sexual, a vingança do homem perpetrada nos corpos das mulheres, do crime organizado e das máfias, dos grupos armados que atuam coletivamente para matar mulheres”. Segundo a pesquisadora, as novas situações têm um peso significativo no aumento dos feminicídios.

Entre as principais causas dos genocídios femininos estão fatores sociológicos. Há “um desmanche muito forte das sociedades com base no impulso das políticas de desenvolvimento atuais, baseadas no neoliberalismo”. As políticas de governos da região “transformaram tudo em mercadoria, colocaram preço na vida, destruíram as redes sociais de apoio e transformaram rapidamente as relações entre gêneros, desfavorecendo as mulheres”, explicou.

Carcedo assinalou que há uma transformação das relações de poder na sociedade centro-americana: “Existe uma ofensiva sem precedentes, fundamentalista, que está colocando a mulher como um objeto dispensável. Quando alguém diz que as mulheres têm ganhado muitos direitos e que é preciso acabar com isso, que a vida de uma mulher vale menos do que a de um feto, que é preciso castigá-la, a mensagem é a de que essas vidas não valem nada. Isso contribui para um considerável aumento da misoginia”, avaliou a pesquisadora do Cefemina.

Para Mônica Zalaquett, diretora do Ceprev (Centro de Prevenção da Violência), os confrontos de gênero geraram um forte choque com a mentalidade existente “de crenças, culturas, estereótipos arraigados”, o que gera um paradigma. “Quando um homem perde poder, ele está deixando uma parte da sua própria identidade masculina, que está indissoluvelmente associado ao trabalho e ao papel de provedor. Este papel está se transferindo para as mulheres, que começam a ter mais protagonismo do que antes e isto também a sobrecarrega”, afirmou.

Zalaquett acredita que as mudanças não estão se refletindo dentro de casa. “Temos forçado mudanças nas relações de poder tradicionais, mas no âmbito familiar a mulher continua totalmente desprotegida, presa a uma terra de ninguém onde impera a impunidade e a ditadura familiar. É difícil que a mulher possa defender-se nessa situação. Temos masculinizado as mulheres sem feminilizar os homens”, analisou a especialista. Além da perda de poder do homem, outros importantes detonadores da violência são a crise econômica e o consequente desemprego.

“Atualmente existe um fenômeno de revanche do homem contra a mulher. Se trata de uma verdadeira crise do modelo machista tradicional e aparentemente ninguém se importa”, lamentou Zalaquett.

Histórias reais

A nicaraguense Silvia de Los Angeles Aguirre foi assassinada pelo marido em 2004. Ele a embebedou e, com a esposa desacordada, a cortou várias vezes, mutilando seu corpo (cabeça e perna esquerda). E quando Silvia ainda tinha sinais vitais, o marido fez um corte entre o tórax e o abdômen.

Conforme relatava a história da irmã, Sonia del Carmem disse que ela “era um ser humano e foi massacrada de forma desumana”. Silvia era mãe de duas crianças.

Em 2005, o assassino foi condenado a 30 anos de prisão. Em 2008, obteve uma redução da pena por bom comportamento e no ano passado pediu liberdade condicional. “Mas ainda não sabemos onde está a cabeça e a perna da minha irmã”, relatou Sonia em Manágua, durante a apresentação da pesquisa. “Nós a enterramos aos pedaços. Como puderam me dizer que ele havia mudado porque se converteu ao Evangelho e que por isso queriam lhe dar a liberdade condicional?”, perguntou, indignada.

O pedido foi recusado pela Justiça. “Estou aqui pela memória da minha irmã, para contar sua história e a luta que travamos para que seu assassino fosse condenado, para que episódios como este não voltem a acontecer.”

Cecília Torres Hernandez, ativista da RMCV (Rede de Mulheres contra a Violência), norte da Nicarágua, se tornou outra vítima de feminicídio em 2006. “Cecília era uma mulher humilde, muito firme e com uma grande convicção dos direitos das mulheres, do direito de viverem livres da violência. Segura de sua cidadania. Por isso lutou e deu sua vida”, relatou o Grupo Venancia, organização que luta pelos direitos das mulheres.

”Para Cecília, não bastava trabalhar para ajudar a família. Interessou-se pelos direitos das mulheres e participou de várias redes de apoio. Tornou-se promotora dos direitos humanos, parteira de sua comunidade e agente de saúde”, diz o relatório. Lutou durante anos para que o ex-companheiro da filha Noemi reconhecesse a paternidade da neta e pagasse pensão alimentícia. Levou o caso aos tribunais e, em 2006, obteve sentença favorável.

Em 3 de abril de 2007, Cecília estava em sua casa quando o ex-companheiro da filha passou o braço por cima de seus ombros e disse: “Cecília, vim acertar as contas com você”. O rapaz sacou um punhal da cintura e o cravou no estômago da mulher.

As crianças, que estavam na cozinha, correram para se esconder. A outra filha, Josefina, ao ver a mãe ferida, saiu para pedir ajuda. Jhonny a derrubou no chão e também lhe feriu com o punhal, no abdômen.

Ao ver o que acontecia, Cecília, sangrando, teve forças para pegar uma pedra e jogar contra o homem enfurecido que, apesar de não ter sido atingido, deixou Josefina fugir. Mas Cecília não teve escapatória. Jhonny a alcançou e acertou seis punhaladas, segundo relato do Grupo Venancia.

Fonte: Ópera Mundi, 29 maio 2010

La tuberculosis, más peligrosa que nunca

La tuberculosis acompaña al hombre desde hace milenios y es más resistente que nunca, advierte Mario Raviglioni, experto de la OMC. Brasil y Perú son los más afectados en América Latina.

Una tercera parte de la población mundial está infectada de tuberculosis, la enfermedad que más muertes ha causado en la historia de la humanidad y que la acompaña desde hace milenios.  Ahora alcanza niveles de resistencia sin precedentes.

Una nueva epidemia de tuberculosis resistente a múltiples fármacos causó 150.000 muertes en 2008 e infectó a casi 440.000 personas en todo el mundo, según un estudio publicado por la Organización Mundial de la Salud (OMS). Según la agencia de la ONU, la llamada MDR-TB se está propagando y exhorta a los países a instalar laboratorios para combatirla.

“Lo que me preocupa a mí, y a todos los que trabajamos en este campo, es que ahora se ven las tasas más altas de tuberculosis multirresistente jamás registradas en la historia del control de la tuberculosis”, afirma el doctor Mario Raviglione, director del programa de la OMS “Alto a la Tuberculosis”.

La temida multiresistencia

El experto señala que los niveles récord más altos se ven en la antigua Unión Soviética. “Hay una vulnerabilidad en regiones en el noroeste de Rusia, en donde se registra el 28 por ciento de los casos de multiresistencia. En términos de cifras, las regiones más afectadas son China y la India, que acaparan la mitad de los 440.000 casos registrados”.

El experto explica que la llamada MDR -TB no es una nueva cepa, sino que entre los cientos de miles de distintas bacterias de tuberculosis, cada una puede adquirir resistencia. “El problema es que cuando un paciente no es tratado de manera adecuada, entonces no hay una selección y todos los bacilos se convierten en multiresistentes. Si la multiresistencia a antibióticos aparece en las cepas más virulentas como la llamada W-Beijing, que se ha propagado en todo el mundo, entonces se convierte en una enfermedad muy agresiva y letal.

Distintas organizaciones temen que las cepas W-Beijing se puedan diseminar y hacerse resistentes a los tratamientos actuales, es por ello que investigadores de distintos países, entre ellos del Instituto Max Planck de Berlín, buscan investigar y prevenir su propagación.

Tan vieja como los faraones

El experto señala que la tuberculosis es una vieja enfermedad que estuvo Egipto en el tiempo de los faraones y también ha sido detectada en momias en el Perú. Este bacilo ha encontrado un equilibrio en los seres humanos favoreciendo la transmisión. Hay que pensar que 2.000 millones de personas, una tercera parte de la población mundial es transmisora de tuberculosis”, afirma.

América Latina representa entre un 5 a 6 por ciento de todos los casos registrados de tuberculosis en general. “Brasil es uno de los que forma parte de los 22 países más afectados del mundo y el que lidera la región, esto se debe a que es un gran país con una enorme población”, el experto añade que incluso cuando el índice per cápita en el país sudamericano es relativamente bajo, el número de casos es de cerca de 90.000 infecciones al año.

Después de Brasil, le sigue el Perú, uno de los países con la mayor incidencia, seguido de Colombia, Honduras y Haití. “En cuanto a la tuberculosis multiresistente Perú lidera el subcontinente, con 2.500 casos, seguido de Brasil.

Se espera pronto una vacuna

El experto afirma que la ciencia espera una vacuna que suceda a la llamada BCG, introducida en 1922 y casi con un siglo de antigüedad. “La vacuna no es suficientemente efectiva en adultos que son los principales transmisores del bacilo y aunque hay esfuerzos por crear una vacuna, no la tendremos antes del 2015”.

Las dificultades en crear una vacuna radica en el hecho de que el sistema de inmunidad humano reacciona de manera muy compleja a la tuberculosis. “Hay vacunas muy sencillas como la del tétano, la influenza o el polio. Pero en el caso de la tuberculosis el cuerpo humano trata de protegerse creando anticuerpos, pero nadie realmente ha entendido como funciona”.

Adicionalmente se trata de una enfermedad que ha sabido encontrar un equilibrio. “Favorece la transmisión pero no mata a todos los infectados, si lo hiciera se exterminaría a si misma. Compárelo con el virus del Ébola que mata a un 95 por ciento de las personas que se infectan”, apunta Raviglioni.

El experto apunta que la estrategia internacional contra la tuberculosis puesta en marcha por la OMS en la década de los 90 fue exitosa porque salvó a 9 millones de personas de una muerte segura. “En Perú vimos el caso más exitoso en el mundo”. El experto exhorta a los países a buscar una rápida detección, diagnóstico y tratamiento para evitar que siga la propagación.

El Día Mundial de la Tuberculosis fue proclamado por la ONU para alertar a la comunidad internacional sobre una enfermedad que sigue siendo letal y recuerda un 24 de marzo de 1882, cuando el microbiólogo alemán Robert Koch, publicara sus descubrimientos en torno a lo que sería llamado el “bacilo de Koch”.

Autora: Eva Usi

Editor: José Ospina Valencia

DW, 25 mar 2010

Guiana Francesa: onde o Brasil faz fronteira com a Europa

O Haiti se tornou independente da França em 1804; a Guiana, da Inglaterra, em 1966; o Suriname, da Holanda, em 1975. E a Guiana Francesa? É a fronteira da União Europeia com o Brasil.

Embora algumas ilhas do Caribe continuem sendo consideradas territórios europeus, como as francesas Martinica e Guadalupe; as holandesas Aruba, Bonaire e Curaçao; e as inglesas Caimã e Bermuda, após a independência de Belize, em 1981, a Guiana Francesa tornou-se o único país continental na América Latina totalmente ligado a um Estado europeu. Pouco é falado sobre a região definida como “colônia esquecida por muito tempo, subpovoada, desvalorizada e improdutiva” no ensaio A Guiana Francesa: um “caso continental”, escrito por Frank Schwarzbeck.

Insurreições e movimentos independentistas

Michael Zeuske, historiador da Universidade de Colônia, conta que “Caiena, na Guiana Francesa, sempre foi uma colônia extremamente marginal, habitada por povos indígenas em que as plantações escravagistas funcionavam muito mal”. Oficialmente francesa desde 1604, a cidade que é hoje capital da Guiana Francesa foi um ponto de apoio decisivo no lucrativo comércio da área do Caribe.

Após turbulentos anos de insurreições anticolonialistas e anti-escravistas, o Haiti conquistou sua independência em 1804. “Para não perder também as demais colônias, a França as declarou ‘não colônias’, nomeando-as territórios nacionais de ultramar. Dentre as medidas adotadas, os salários foram dobrados”, conta Zeuske.

Antes disso, em 1763, a metrópole havia tentado colonizar a região, povoando-a com cidadãos franceses. A tentativa foi um desastre, pois o clima da Guiana Francesa custou vida de milhares de pessoas, o que levou a região a ficar conhecida como “inferno verde”. Em 1851, foi estabelecida ali a colônia penal de Kourou, para onde seriam levados, por muitos anos, os prisioneiros sentenciados à “guilhotina seca”.

Pouco depois da Segunda Guerra Mundial, a Guiana Francesa passou a ser oficialmente um departamento da França. Com a mudança, seus habitantes adquiriram todos os direitos e obrigações dos demais cidadãos franceses.

União Europeia na selva

“Poucos europeus estão cientes de que a União Europeia tem uma fronteira com o Brasil”, observa Bert Hoffmann, do Instituto de Estudos Globais de Hamburgo. Para ele, tanto as colônias holandesas quanto as francesas na América Latina têm hoje bem-estar e estabilidade garantidos. “Visto que a Guiana Francesa e as ilhas de Martinique e Guadalupe são departamentos franceses, seus habitantes gozam do Estado social em pleno Caribe”, explica Hoffmann.

Foguetes Ariane

A construção de uma base espacial francesa no final da década de 1960 e sua utilização pela Agência Espacial Europeia para o lançamento dos foguetes Ariane também trouxe benefícios à região. “Alta tecnologia no meio da selva”, comenta Hoffmann.

Ainda que os nativos da Guiana Francesa sejam, formalmente, cidadãos franceses, existe um questionamento sobre a identidade desse povo, o qual se vê dividido entre duas realidades. Enquanto as demais ilhas da região têm uma identidade própria por pertencerem ao Caribe, a Guiana Francesa, localizada entre Suriname e Guiana, não se sente necessariamente francesa, ainda que seus habitantes carreguem um passaporte da União Europeia e, em suas escolas, se estude com os mesmos livros que na “Cidade Luz”.

Autora: Mirra Banchón (eh)

Revisão: Roselaine Wandscheer

Fonte: DW, 15 mar 2010

Médicos de Cuba no Haiti: a solidariedade silenciada

José Manzaneda, para Adital

Os aproximadamente 400 cooperantes da Brigada médica cubana no Haiti foram a mais importante assistência sanitária ao povo haitiano durante as primeiras 72 horas após o recente terremoto. Essa informação foi censurada pelos grandes meios de comunicação internacionais.

A ajuda de Cuba ao povo haitiano não começou por ocasião do terremoto. Cuba atua no Haiti desde 1998 desenvolvendo um Plano Integral de Saúde(1), através do qual já passaram mais de 6.000 cooperantes cubanos da saúde. Horas depois da catástrofe, no dia 13 de janeiro, somavam-se à brigada cubana 60 especialistas em catástrofes, componentes do Contingente “Henry Reeve”, que voaram de Cuba com medicamentos, soro, plasma e alimentos(2). Os médicos cubanos transformaram o local onde viviam em hospital de campanha, atendendo a milhares de pessoas por dia e realizando centenas de operações cirúrgicas em 5 pontos assistenciais de Porto Príncipe. Além disso, ao redor de 400 jovens do Haiti formados como médicos em Cuba se uniam como reforço à brigada cubana(3).

Os grandes meios silenciaram tudo isso. O diário El País, em 15 de janeiro, publicava uma infografia sobre a “Ajuda financeira e equipamentos de assistência”, na qual Cuba nem sequer aparecia dentre os 23 Estados que havia colaborado(4). A cadeia estadunidense Fox News chegava a afirmar que Cuba é dos poucos países vizinhos do Caribe que não prestaram ajuda.

Vozes críticas dos próprios Estados Unidos denunciaram esse tratamento informativo, apesar de que sempre em limitados espaços de difusão.

Sarah Stevens, diretora do Center for Democracy in the Americas(5) dizia no blog The Huffington Post: Se Cuba está disposta a cooperar com os EUA deixando seu espaço aéreo liberado, não deveríamos cooperar com Cuba em iniciativas terrestres que atingem a ambas nações e os interesses comuns de ajudar ao povo haitiano?(6)

Laurence Korb, ex-subsecretário de Defesa e agora vinculado ao Center for American Progress(7), pedia ao governo de Obama “aproveitar a experiência de um vizinho como Cuba” que “tem alguns dos melhores corpos médicos do mundo” e com quem “temos muito o que aprender”(8).

Gary Maybarduk, ex-funcionário do Departamento de Estado propôs entregar às brigadas médicas equipamento duradouro médico com o uso de helicópteros militares dos EUA, para que possam deslocar-se para localidades pouco accessíveis do Haiti(9).

E Steve Clemons, da New America Foudation(10) e editor do blog político The Washington Note(11), afirmava que a colaboração médica entre Cuba e EUA no Haiti poderia gerar a confiança necessária para romper, inclusive, o estancamento que existe nas relações entre Estados Unidos e Cuba durante décadas(12)

Porém, a informação sobre o terremoto do Haiti, procedente de grandes agências de imprensa e de corporações midiáticas situadas nas grandes potências, parece mais a uma campanha de propaganda sobre os donativos dos países e cidadãos mais ricos do mundo. Apesar de que a vulnerabilidade diante da catástrofe por causa da miséria é repetida uma e outra vez pelos grandes meios, nenhum quis se debruçar para analisar o papel das economias da Europa ou dos EUA no empobrecimento do Haiti. O drama desse país está demonstrando uma vez mais a verdadeira natureza dos grandes meios de comunicação: ser o gabinete de imagem dos poderosos do mundo, convertidos em doadores salvadores do povo haitiano quando foram e são, sem paliativos, seus verdadeiros verdugos.

Quadro Informativo 1. Dados da cooperação de Cuba com o Haiti desde 1998:

– Desde dezembro de 1998, Cuba oferece cooperação médica ao povo haitiano através do Programa Integral de Saúde;

– Até hoje trabalharam no setor saúde no Haiti 6.094 colaboradores que realizaram mais de 14 milhões de consultas médicas, mais de 225.000 cirurgias, atendido a mais de 100.000 partos e salvado mais de 230.000 vidas

– Em 2004, após a passagem da tormenta tropical Jeanne pela cidade de Gonaives, Cuba ofereceu sua ajuda com uma brigada de 64 médicos e 12 toneladas de medicamentos.

– 5 Centros de Diagnóstico Integral, construídos por Cuba e pela Venezuela, prestavam serviços ao povo haitiano antes do terremoto.

– Desde 2004 é realizada a Operação Milagre no Haiti e até 31 de dezembro de 2009 haviam sido operados um total de 47.273 haitianos.

– Atualmente, estudam em Cuba um total de 660 jovens haitianos; destes, 541 serão diplomados como médicos.

– Em Cuba já foram formados 917 profissionais, dos quais 570 como médicos. Cuba coopera com o Haiti em setores tais como a agricultura, a energia, a pesca, em comunicações, além de saúde e educação.

– Como resultado da cooperação de Cuba na esfera da educação, foram alfabetizados 160.030 haitianos.

Quadro 2. Dados das atuações do Contingente Internacional de Médicos Cubanos Especializados em Situações de Desastres e Graves Epidemias, Brigada “Henry Reeve”, anteriores à cooperação no Haiti:

– Desde sua constituição, a Brigada Henry Reeve cumpriu missões em 7 países, com a presença de 4.156 colaboradores, dos quais 2.840 são médicos.

– Guatemala (Furacão Stan): 8 de outubro de 2005, 687 colaboradores; destes 600 médicos.

– Paquistão (Terremoto): 14 de outubro de 2005, 2 564 colaboradores; destes 1 463 médicos.

– Bolívia (inundações): 3 de fevereiro de 2006-22 de maio, 602 colaboradores; destes, 601 médicos.

– Indonésia (Terremoto): 16 de maio 2006, 135 colaboradores; destes, 78 médicos.

– Peru (Terremoto): 15 de agosto 2007-25 de março 2008, 79 colaboradores; destes, 41 médicos.

– México (inundações): 6 de novembro de 2007 – 26 de dezembro, 54 colaboradores; destes, 39 médicos.

– China (terremoto): 23 de maio 2008-9 de junho, 35 colaboradores; destes, 18 médicos.

– Foram salvas 4 619 pessoas.

– Foram atendidos em consultas médicas 3.083.158 pacientes.

– Operaram (cirurgia) a 18 898 pacientes.

– Foram instalados 36 hospitales de campanha completamente equipados, que foram doados por Cuba (32 ao Paquistão, 2 a Indonésia e 2 a Peru).

– Foram beneficiados com próteses de membros em Cuba 30 pacientes atingidos pelo terremoto do paquistão.

Notas:

(1) http://cubacoop.com
2) http://www.prensa-latina.cu/index.php?option=com_content&task=view&id=153705&Itemid=1
(3) http://www.ain.cu/2010/enero/19cv-cuba-haiti-terremoto.htm
(4) http://www.pascualserrano.net/noticias/el-pais-oculta-344-sanitarios-cubanos-en-haiti
(5) http://democracyinamericas.org
(6) http://www.huffingtonpost.com/sarah-stephens/to-increase-help-for-hait_b_425224.html
(7) http://www.americanprogress.org/
(8) http://www.csmonitor.com/USA/Military/2010/0114/Marines-to-aid-Haitian-earthquake-relief.-But-who-s-in-command
(9) http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/01/14/AR2010011404417_2.html
(10) http://www.newamerica.net/
(11) http://www.thewashingtonnote.com/
(12) http://www.thewashingtonnote.com/archives/2010/01/american_diplom/

El terremoto en Haití y los “señales de la venida del Señor”

Por Juan Stam, teólogo y biblista

Hace unos años, el día después del espantoso terremoto de México, escuché por casualidad la conversación entre dos señoras obviamente evangélicas. “Pues hermana, ¿cómo te pareció el terremoto en México ayer?” La respuesta me dejó atónito: “¡Qué maravilla! Me alegré mucho. ¡Cristo viene ya!”

Un día, cuando Jesús y sus discípulos estaban admirando el templo de Jerusalén, el Señor les anunció que no quedaría piedra sobre piedra de esa majestuosa arquitectura, porque Israel había rechazado a su Mesías. En eso le preguntaron, “¿Cuándo serán estas cosas? ¿Y qué señal habrá cuando todas estas cosas hayan de cumplirse?” Y Jesús respondió “Mirad que nadie os engañe” (Mr 13:2-5; Lc 21:6-8). Es claro que según Marcos y Lucas, todo el tema de la conversación era el futuro del templo, y que lo que le pedían a Jesús, según esos dos evangelios, era la señal de la futura destrucción de Jerusalén. El evangelio de Mateo reformula la misma pregunta: “¿Cuándo serán estas cosas [destrucción de Jerusalén], y qué señal habrá de tu venida y del fin del siglo?” (Mat 24:2-5). Esa diferencia es importante, pero en Mateo también el tema central es la destrucción de Jerusalén como anticipo de la venida de Cristo. Mi compatriota tica, cuando comentó el terremoto de México, sin duda estaba pensando en este pasaje de San Mateo, aunque olvidando su contexto histórico de un suceso que ocurrió unos cuarenta años después, hace casi diecinueve siglos.

Creo que se malinterpreta muy seriamente este sermón de Jesús. Para comenzar, se habla de “las señales del fin del mundo”, cuando el texto habla de “la señal” (singular) de la destrucción de Jerusalén y, relacionada con ella, según Mateo, “de tu venida y del fin del siglo” (no “del mundo”). La pregunta es triple: la señal de la destrucción del templo, de la venida de Cristo y del fin del siglo. Como respuesta Jesús menciona muchos fenómenos, entre ellos guerras, hambrunas, terremotos, persecuciones y la predicación del evangelio (24:5-14).

Tres cosas me llaman la atención: (1) Jesús no dice que ninguno de estos fenómenos es señal de su venida, (2) Jesús dice precisamente lo contrario, que estas tragedias no son el fin del siglo (24:6,14, cf. 14.:8); (3) Jesús advierte que habrá falsos profetas y falsos “cristos” que vendrán a agitar al pueblo con especulaciones sobre su venida y dirán que está cerca (24:4-5; 11; 23-27 y paralelos en Marcos y Lucas; cf. 2 Tes 2:2-3). (4) En su respuesta, Jesús emplea la palabra “señal” por primera vez cuando advierte contra las falsas señales en 24:24 y después cuando anuncia “la señal del Hijo del hombre en el cielo” (24:30). En otras palabras: “Vendrán guerras y terremotos y otros fenómenos, pero ninguno de esos es la señal que me piden, y tengan cuidado con falsos maestros que harán señales falsas. La única señal del fin del siglo la seré yo mismo, cuando venga con las nubes”.

En ese tiempo, como hoy, era muy popular especular sobre “señales” sensacionales del fin del mundo: que el sol se levantaría a medianoche, que las mujeres engendrarían monstruos, que aparecerá una caballería armada en el cielo y mucho más. Jesús era muy enemigo de esas calenturas. “La generación mala y adúltera demanda señal; pero señal no le será dada, sino la señal del profeta Jonás”, la de Nínive y la señal de la reina de Sabá” (Mt 12:38-42; Mr 8:12 dice sólo “no se dará señal a esta generación”, punto). Ésas no eran las señales que buscaba esa generación adúltera. Jonás, Nínive y la reina de Sabá no tenían nada que ver con el fin del mundo; eran llamadas al arrepentimiento y el cambio de vida conforme al ejemplo de ellos. Es la única manera de entender la referencia a Nínive y Sabá. A diferencia de Marcos y Lucas, el relato de Mateo incluye una referencia a la resurrección de Jesús, pero eso tampoco tiene que ver con el fin del mundo.

La frase “las señales de los tiempos” aparece también en Mateo 16:1-3 y tampoco tiene nada que ver con la venida de Cristo. El pasaje paralelo en Lc 12:54-56 no tiene dicha frase, sino reza: “Cuando veis la nube que sale del poniente, luego decís, ‘Agua viene’; y así sucede. Y cuando sopla el viento del sur, decís, ‘Hará calor’; y lo hace. ¡Hipócritas! Sabeís distinguir el aspecto del cielo y de la tierra; ¿y cómo no distinguís este tiempo?” Jesús compara “las señales de los tiempos” con los métodos que empleaban los campesinos todos los días para anticipar los cambios en las condiciones climáticas. En otras palabras, Jesús les dice: “¡No sean tan perversos e irresponsables. Si quieren entender el tiempo en que viven, no esperen señales del cielo sino analizan bien las condiciones históricas para entender lo que está pasando y anticipar lo que está por pasar “.

¡Con esa actitud tan vehemente, Jesús jamás iba a responder a sus discípulos con una lista de “señales”. ¡Qué torpe la pregunta de los discípulos! (Cf. Hch 1:6. ¡Como nos parecemos a ellos!). Jesús les describe inevitables sucesos históricos, que siempre han ocurrido, pero les exhorta a no confundirlos con señales ni escuchar a la voz hipócrita y adúltera de los falsos maestros con sus falsas señales. Dios quiere hablarnos por las guerras y terremotos que ocurren, pero no para revelarnos “los tiempos o las sazones” que sólo a él corresponden (Hch 1:7; Mat 24:36).

Algunos apelan a ciertos pasajes en las epístolas que describen los vicios y abominaciones de “los postreros tiempos” (1 Tim 4:1-3; 2 Tim 3:1-5; 4:3; 2 Pedro 3.3) y concluyen que esos mismos pecados hoy son señales de la venida de Cristo. Sin embargo, los autores bíblicos nunca los llaman “señales” ni los tratan como tales. Esta enseñanza equivocada viene por no tomar en cuenta la perspectiva bíblica sobre el “ya” de la salvación y el “todavía” no como aspecto aún futuro. Para ellos, los “postreros tiempos” no estaban a dos mil años de tiempo sino que comenzaron con la resurrección de Cristo (ver 1 Jn 2:18, un texto realmente sorprendente: “muchos anticristos antes de 95 d.C., “el último tiempo” comenzó hace dos mil años!). Pablo enseña lo mismo en 1 Cor 10:11 (cf. 2 Tes 2:7) y Pedro en 1 P 1:20. Según el autor de Hebreos, Dios envió a Cristo “en estos postreros días” (Heb 1:2).

Es muy poco probable que Pablo hubiera estado pensando en condiciones morales y sociales del mundo dos mil años después de su época. Primera Timoteo es una “carta pastoral”, para sus lectores, y no un tratado de especulación profética. Todos los malos que describe corresponden perfectamente a su propia época, en tiempos de la decadencia del imperio romano. Es claro que Pablo aplica estas enseñanzas a su propia época (p.ej. 2 Tm 3:6-10); algunos de los pecados denunciados, que existían en tiempos de Pablo, ya no tienen ningún sentido (como prohibir matrimonio, 1Tim 4:3, o meterse en casas para engañar a mujercillas, 2 Tim 3:6). Eso indica que Pablo estaba hablando de su propia época.

Es claro que ni Mateo 24 ni estos pasajes de las epístolas tienen la menor intención de revelarnos “señales de la venida del Señor”. El Espíritu Santo inspiró muchas verdades futuras a los autores bíblicos, pero nunca, que yo sepa, “señales” de esta índole. “No os toca a vosotros”, dijo el Señor, “saber los tiempos o las sazones, que el Padre puso en su sola potestad” (Hech 1:7). En vez de especular sobre supuestas “señales”, dediquémonos a entender el tiempo que vivimos y servir al Señor y su reino en la coyuntura histórica que nos corresponde.

Juan Stam, Costa Rica, 25 de enero de 2010
Do Portal CREE

Os ‘Padres da Igreja Na América Latina’ segundo Concilium: Mestres na Fé, Profetas e Mártires

Por Claudia Fant, no Portal Adital

Não é nada exagerado comparar vários bispos latinoamericanos da geração do Concílio, de Medellín e de Puebla aos “Padres da Igreja” orientais e ocidentais do IV e V século. Esta comparação é assumida pela prestigiosa revista internacional de teologia Concilium (Editora Queriniana, Itália), que dedica o último número de 2009 ao tema dos “Padres da Igreja na América Latina”, com a convicção de que o ensinamento e o testemunho desses “mestres na fé” não pertençam a um período cronologicamente encerrado”, mas sejam “fontes de inspiração de novos caminhos de seguimento evangélico não somente na América Latina”. Estes novos Padres da Igreja se tornaram elementos fundamentais de referência “pelo ambiente de fé que criaram; pelos estilos e práticas que suscitaram; pela solidariedade que criaram; pelas heranças que deixaram para a sucessiva estação eclesial e teológica”.

Entre as muitas personalidades de bispos que podemos considerar como “Padres” de uma nova Igreja latinoamericana, a escolha dos autores do citado texto de Concilium, Sílvia Scatena, Jon Sobrino e Luiz Carlos Susin – escolha nada fácil como eles mesmos admitem no editorial- caiu em cinco deles:
Helder Camara, cujo centenário de nascimento foi celebrado em 2009 e de cujo exemplo relata, no seu artigo, Luiz Carlos Luz Marques;
Leónidas Proaño, “bispo dos índios”, que, como lembra Giancarlo Collet, “no lugar do hábito eclesiástico vestia o poncho, o vestido dos pobres; e, desta forma, dava um sinal, mostrando com que pessoas ele se identificava;
Sérgio Méndes Arceo, bispo de Cuernavaca, de quem Alícia Puente Lutteroth lembra o caminho episcopal de “conversão permanente”, às fronteiras do pensamento e das práxis sócio religiosas” e sempre do lado dos excluídos (“Me dá medo -dizia- ser cachorro mudo, me toca profundamente a impotência, a frustração, a rebelião diante as estruturas injustas”);
Aloísio Lorscheider, secretário e depois presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e presidente do CELAM (Conselho Episcopal Latinoamericano) de ’76 a ’79, firme adversário da ditadura, mais de uma vez ameaçado de morte e chamado de “bispo vermelho” mas, na verdade, “homem do diálogo”, considerando o diálogo, frisa Tânia Maria Couto Maia, “o aspecto mais importante na construção da comunhão”; e, por último,
Oscar Arnulfo Romero, de quem Jon Sobrino lembra a contribuição à teologia (“ver Deus a partir do pobre e o pobre a partir de Deus”), à cristologia (olhar os lavradores e lavradoras perseguidos e assassinados como o Corpus Christi, e ao povo como “servo sofredor de Jahvé), à eclesiologia (“ser bispo como pastor, não como rei, e muito menos como mercenário”) e o seu jeito específico de traduzir na vida as famosas palavras de Pedro Casaldáliga: “Tudo é relativo menos Deus e a fome”.

Com Medellín ou contra Medellín

Muitos outros bispos, todavia, são lembrados no artigo introdutório de José Comblin, que destaca em todos eles as qualidades próprias dos Padres da Igreja: a “santidade explícita” (só para dar um exemplo, Helder Camara “vivia realmente pobre. Morava na sacristia de uma velha capela dos tempos da Colônia. Não tinha carro, não tinha empregada. Almoçava no bar da esquina, onde almoçam os operários que trabalham naquela área. Ele mesmo abria a porta e atendia a todos os mendigos que por ali passavam”); a fidelidade ao Evangelho com todo o rigor possível; a compreensão profunda aos sinais dos tempos; a veneração que gozavam por parte de todos que os conheceram; a perseguição por parte do poder civil e eclesiástico. “Muitas vezes”, escreve Comblin, “ouvi Dom Proaño, voltando da Conferência Episcopal onde tinha defendido a causa dos índios, dizer ‘Me deixaram sozinho’”.

A todos eles, continua Comblin, o Vaticano II ofereceu a oportunidade de se encontrar e de chegar a uma verdadeira sintonia ao redor da temática da pobreza da Igreja: o “Pacto das Catacumbas da Igreja servidora e pobre”, assinado em 16 de novembro de 1965, nas catacumbas de S. Domitila, por um grupo de 40 bispos (a quem depois se agregaram vários outros) constitui uma das expressões mais altas. “Aqui já se encontra -escreve Comblin- todo o espírito de Medellín. Como em Medellín, os bispos afirmam em primeiro lugar os compromissos que ‘eles mesmos’ irão assumir”.

E é Medellín (a segunda Conferência Geral do Espiscopado Latinoamericano e Caribenho, em 1968) que se constitui no verdadeiro “acontecimento fundador” da nova Igreja latino-americana, embora tenha suas origens, como explica José Oscar Beozzo, numa trajetória cujas raízes se encontram não só no Vaticano II (“quando se estabeleceu o vínculo entre colegialidade e magistério episcopal”), mas também na primeira evangelização no século XVI (“quando o anúncio do evangelho foi vinculado com o compromisso pela justiça”).

“Desde então -afirma Comblin- o mundo se divide em duas opções: com Medellín ou contra Medellín”. Embora, no final, parece que esta segunda opção prevaleceu: “Em Medellín -resume telegraficamente Jon Sobrino- a conversão eclesial aconteceu de maneira audaciosa. Em Puebla manteve-se suficientemente. Em Santo Domingo desapareceu. E em Aparecida só houve um pequeno freio ao retrocesso e se conseguiu alguma melhora”.

Continua Sobrino: “Na situação em que se encontra a Igreja, é importante voltar ao Vaticano II, e quem sabe com bons resultados. Frente à situação em que está o nosso mundo dos pobres, devemos voltar a João XXIII, Lercaro, Himmer e à Igreja dos pobres: só no Concílio encontramos tais sinais. Mas frente à situação de um mundo de vítimas, precisamos das referências de monsenhor Romero e da Igreja dos mártires”.

A patrística latinoamericana

Não existem, porém, somente os “Padres”: é preciso lembrar também as “Madres”, aquelas mulheres cristãs que tomaram sobre si, como fala o artigo de Ana Maria Bidegain e Maria Clara Bingemer, “a maior parte das tarefas no trabalho eclesial na América Latina”. E tanto mais é preciso lembrá-las em quanto a natureza mesma do pensamento teológico e do trabalho eclesial delas -“intersubjetivo, relacional, dialógico e comunitário”- favorece “uma certa tendência ao anonimato”, contribuindo (apesar da existência de grandes personalidades “com vozes claras, fortes e profundas”) à “grande disparidade entre o trabalho que desenvolveram e desenvolvem as mulheres na Igreja e a falta de reconhecimento dado a elas como construtoras da comunidade eclesial”.

Todavia, como esclarece o artigo, a contribuição das mulheres à teologia latinoamericana não é nada secundário: Se a Teologia da Libertação, como explicou Ivone Gebara, não chegou a provocar uma mudança de visão “da antropologia e da cosmologia patriarcais sobre as quais se baseia o cristianismo”, foi tarefa das teólogas colocar em discussão o conjunto da teologia dominante, patriarcal e machista. Recolocaram em discussão não só o modo de pensar, o dado da revelação e o texto das Escrituras, mas também o modo “de pensar o mundo, as relações das pessoas com a natureza e com a divindade”.

[Tradução: Lino Allegri]

* Agencia de Stampa (Agência de Imprensa)
Adista*

A história do Haiti é a história do racismo

close up shot of an Evil Skull...

Por Eduardo Galeano, para o portal Ecodebate

A democracia haitiana nasceu há um instante. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raoul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca ideia de querer um país menos injusto.

O voto e o veto

Para apagar as pegadas da participação estadunidense na ditadura sangrenta do general Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha eleito nem sequer com um voto.

Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe:

– Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido. Continue lendo

Gravidez de adolescentes cresce apenas na América Latina

da Efe, em Madri (Publicado na Folha SP)

A América Latina é a única região do mundo que registrou um aumento contínuo da gravidez adolescente desde 1980, diz um relatório divulgado nesta quinta-feira em Madri pela Organização Ibero-Americana de Juventude (OIJ).

Intitulado “Reprodução adolescente e desigualdades na América Latina e no Caribe: um chamado à reflexão e à ação”, o documento de 120 páginas é obra da OIJ e de dois organismos da ONU, a Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe (Cepal) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, na sigla em inglês).

O texto ressalta que “a América Latina é a única região do mundo na qual, nos últimos 30 anos, a taxa de maternidade adolescente cresce”, disse a secretária-geral adjunta da OIJ, Leire Iglesias.

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