[Folha SP, 10 mai 11] Cada vez mais mulheres decidem não ter filhos. E não há Dia das Mães nem pressão familiar que as façam mudar de ideia.
Nos últimos 50 anos, a média de filhos por mulher no Brasil caiu de 6,1 para 1,9. Muitas só diminuÃram o número de herdeiros, mas uma grande parte decidiu voluntariamente ficar para tia.
Segundo o demógrafo José Eustáquio Alves, pesquisador da Escola Nacional de Ciências EstatÃsticas do IBGE, sempre houve uma porcentagem de mulheres sem filhos.
Eram as chamadas solteironas ou aquelas que tinham problemas para engravidar, em torno de 10% da população. “Hoje, estima-se que 14% não são mães.”
Esse crescimento aconteceu na última década, motivado por razões que vão muito além da popularização da pÃlula anticoncepcional.
As antropólogas Paula Pinto e Silva e MaÃra Bühler, da consultoria Pletora, pesquisaram esses motivos entre 120 mulheres de 25 a 35 anos.
De acordo com elas, a maternidade deixou de ser vista como uma obrigação. Passou a ser uma escolha.
“Tinha-se a ideia de que ser mãe era uma função biológica, um dever. Isso não deixava outra opção. Agora, as mulheres sabem que podem ter outros papeis sociais.”
Elas querem estudar, trabalhar, viajar, casar, ser tia ou madrasta. E muitas pensam que um filho pode atrapalhar os planos.
A ilustradora Ila Roberta de Oliveira, 29, nunca quis engravidar, muito menos agora que está juntando dinheiro para comprar um apartamento. “Uma criança atrapalharia a minha rotina.”
Ila está casada há dois anos e, apesar de ainda ser jovem, não acha que vai mudar de ideia.
“As pessoas sempre perguntam: quando vem o bebê? Ninguém quer saber como vai a carreira”, conta, sem assustar-se com a pressão.
“Gosto de crianças, mas, com o mundo do jeito que está, é difÃcil pensar nisso. Acho que fiquei tão responsável que não quero ser mãe.”
OU ISSO OU AQUILO
O desafio de conciliar uma carreira de sucesso com a maternidade não atrai mais as mulheres, diz Paula Silva.
Filhas da geração de mães multitarefas, jovens de 25 a 35 anos não querem ser heroÃnas. “Elas reconhecem que não precisam ser boas em tudo, então preferem optar.”
Para a psicóloga Ida Kublikowski, professora da PUC-SP, existe uma cobrança cada vez maior pela mãe e profissional perfeitas.
“Houve uma idealização da maternidade. É assustadora a quantidade de exames e de cuidados que cercam a gravidez.”
As exigências profissionais também aumentaram. “Muitas pessoas não conseguem lidar com as duas coisas e, quando lidam, acabam priorizando alguma delas.”
A socióloga Eliane Gonçalves, professora da Universidade Federal de Goiás, pesquisou mulheres sem filhos em seu doutorado. Segundo ela, a situação ainda está mal resolvida e vai ficar assim por um bom tempo.
“Mulheres que não têm filhos ainda são tachadas de egoÃstas e infantis, mas quem decide ficar em casa também é mal vista. Uma coisa é certa: a maioria das mulheres não quer parar de trabalhar, não quer perder a liberdade.”
Ter ou não ter filhos pode ser uma escolha. Mas não é uma decisão simples.
A publicitária Lúcia Leão, 40, não pensa em engravidar, mas não tem muita certeza disso. “Não estou convicta. A vida me levou a isso. Deixei o tempo passar e agora não cabe uma criança em casa.”
Para a psicanalista Luci Helena Baraldo Mansur, autora do livro “Sem Filhos: A Mulher Singular no Plural” (Casa do Psicólogo, 167 págs., R$ 30), a não maternidade requer muita reflexão.
“Mesmo quando é bem fundamentada, pode gerar frustações no futuro.”
A terapeuta familiar Flávia Stockler ressalta que a decisão tem prós e contras.
“A mulher perde a experiência única de ser mãe, mas pode exercer esse papel com sobrinhos, primos e até animais de estimação.”