A atual conjuntura econômica da Espanha – que amarga uma taxa de desemprego de 24,6% – está afetando a saúde mental dos espanhóis, segundo pesquisas no campo da depressão, do alcoolismo e de problemas sexuais.
[Liana Aguiar, BBC Brasil, 14 ago 2012] Após mais de quatro anos de crise, os problemas se acumulam e vêm sendo detectados por diferentes estudos. Uma pesquisa da Fundação Pfizer, por exemplo, revelou que, em 2010, 44% da população espanhola sofria mais com estresse e tensão do que nos dois anos anteriores. As incertezas em relação ao trabalho e aos rumos da economia representavam a principal fonte de problemas.
Um estudo que está sendo realizado pela Universidade Alcalá de Henares mostra que há mais casos de doenças mentais no paÃs e que o consumo de psicofármacos (remédios para distúrbios mentais) se elevou após o inÃcio da crise.
O percentual de espanhóis maiores de 16 anos que sofriam de depressão, ansiedade ou de outros problemas de saúde mental subiu de 13,7% em 2006 para 14,4% em 2009, segundo a médica epidemiológica Maria Auxiliadora MartÃn MartÃnez.
Ela fundamentou seu estudo numa comparação entre dados de pesquisas nacionais e europeias de saúde de 2006 e 2009, que evidenciam que os nÃveis socioeconômicos baixos e a perda de status socioeconômico se associam a piores auto-avaliações de saúde e altos Ãndices de morbidade psiquiátrica, além do aumento de demanda pelos serviços de saúde pública.
MartÃn também observa que nesse perÃodo houve aumento de 2,8% no consumo de tranquilizantes, entre a população maior de 16 anos. A elevação se deu principalmente em mulheres e na população maior de 45 anos.
“A percepção de insegurança e a antecipação pessimista do futuro produzem ansiedade e insônia, que podem acabar gerando sintomas depressivos e psicossomáticos”, diz a médica.
MartÃn explica que o aumento no número de tranquilizantes e antidepressivos vendidos com receita médica nos últimos anos e do número de pessoas que demandam atenção psicológica pode indicar uma relação entre crise e saúde mental.
Ela explica que, mais do que a perda de recursos econômicos, o que mais atinge a saúde emocional pode ser a percepção da perda de apoios externos, como os apoios familiares, trabalhistas ou sociais, incluindo os financeiros, para seguir adiante.
Resultados preliminares de um levantamento similar também indicam esse aumento. O estudo do Instituto para a Pesquisa em Atenção Primária (IDIAP Jordi Gol) e do Instituto Catalão de Saúde mostra que o consumo de fármacos antidepressivos cresceu em 2008, ano de inÃcio da crise econômica.
Apesar de ainda não divulgar números consolidados, o estudo indica que o aumento entre a população ativa se produziu, sobretudo, em 2010.
Desemprego e depressão
A espanhola Isabel Campoy Urutia, de 39 anos, diz que viu a vida desmoronar quando perdeu o emprego há dois anos. A difÃcil situação econômica que passou a enfrentar, somada a maus tratos do ex-companheiro, fez com que ela desenvolvesse um quadro de depressão.
Quando o dono do bar onde trabalhava fechou as portas por causa da crise, Campoy não teve direito ao seguro-desemprego, pois era autônoma. Ela afirma se sentir lesada pelo ex-patrão.
Com prestações da casa em que mora para pagar e um filho de 13 anos para criar, Campoy recebe alimentos de uma instituição de caridade, a Obra Social Santa Lluïsa de Marillac, que ajuda a famÃlias desamparadas do bairro da Barceloneta.
Ela se lembra com tristeza da primeira vez em que entrou na fila para receber a doação de alimentos. “Naquele momento, eu queria morrer, me sentia humilhada em pedir. Mas vi outras pessoas conhecidas do bairro que também estavam na mesma fila e na mesma situação que eu”, afirma.
Hoje ela faz um tratamento que inclui sessões de terapia e psiquiatria e usa sete tipos de medicamentos para controlar a depressão e a ansiedade.
Seu filho também sente os efeitos da difÃcil situação familiar. Segundo Campoy, ele desenvolveu um quadro de hiperatividade há dois anos.
A espanhola participa atualmente de um processo de seleção para trabalhar em um bar. Ela espera que seu problema de saúde não seja um empecilho no eventual novo emprego. “Se não conseguir esse trabalho, outra vez ficarei sem comer.”
Ela não tem grandes ambições. Não sonha mais em trabalhar como cabeleireira. “Só quero ter um trabalho e uma vida normal.”
Crise abre as portas para o alcoolismo
A falta de perspectivas de trabalho também estaria aumentando os casos de alcoolismo.
A Associação de Autoajuda e Informação sobre a SÃndrome de Dependência Alcoólica (ARCA), que atua na provÃncia de Cádiz, relata um aumento de 39% no número de pacientes no primeiro trimestre deste ano. Desses novos casos, 52% são pessoas desempregadas.
LetÃcia Fernández de Castro, assistente social da entidade, diz que suas consultas também dobraram com a crise.
“A pessoa não tem trabalho, tem ansiedade, se sente improdutiva, com uma sensação de fracasso e tem a bebida alcoólica à mão. A crise facilita a entrada no alcoolismo”, diz.
Impactos na função sexual do homem
Os transtornos psicológicos também afetam a vida sexual do homem. Embora prefira não divulgar os números, Francisco Sabell, urologista da Associação Espanhola de Urologia (AEU), explica que é notável o aumento de demanda de consulta por disfunção erétil, em 2011 e 2012.
“Não é porque o homem tenha perdido o medo ou o pudor em consultar o médico. Se em um lar há vários familiares desempregados e problemas econômicos, o estresse vai repercutir na dinâmica sexual do casal e na resposta erétil do homemâ€, afirma Sabell.
Na Espanha, a disfunção erétil afeta entre 25% e 30% da população masculina.
Desde o inÃcio da crise econômica no paÃs, a taxa de desemprego passou de 8,6% no quarto trimestre de 2007 para 24,63%, segundo os últimos dados do Instituto Nacional de EstatÃsticas (INE) de julho de 2012. O número de desempregados subiu de 1.927.600, em 2007, para 5.693.100, este ano.
No final de 2007, a taxa de crescimento econômico da Espanha era de 3,1%. Segundo os dados mais recentes, do primeiro trimestre de 2012, o crescimento econômico foi negativo, -0,4%.