Quarto maior exportador, Brasil não informa os paÃses que compram seus armamentos.
[Natália Guerra, R7, 23 set 12] O Brasil é hoje o quarto maior exportador de armas leves do mundo e o maior da América do Sul, com vendas que superam meio bilhão de reais por ano. Apesar de ser uma potência mundial nesse comércio, o PaÃs é duramente criticado por especialistas nacionais e internacionais por esconder os dados das exportações.
Segundo estudos e fontes ouvidas pelo R7, pouco se conhece sobre os paÃses que compram nossas armas e não é possÃvel saber se critérios relacionados aos direitos humanos, tão caros ao Brasil, são respeitados.
Com quase 314 milhões de dólares (cerca de R$ 636 milhões) em exportações em 2010, segundo levantamento da Iniciativa Norueguesa em Transferência de Armas Leves (NISAT, na sigla em inglês), o Brasil ficou atrás apenas de Estados Unidos, Itália e Alemanha. Outro relatório, elaborado pelo Small Arms Survey, coloca o Brasil na 5ª posição.
Mas entre esses grandes exportadores de armas leves, o Brasil é o menos transparente. De acordo com relatório publicado em 2010 pelo Small Arms Survey, o nÃvel brasileiro de transparência é de apenas 9. Bem abaixo do nÃvel máximo (25) e da média mundial, de 11,47.
A classificação do Brasil fica abaixo de México, Israel e Ãndia e é muito próxima daquela do Paquistão (8,5) — estes três últimos paÃses são os únicos a nunca terem assinado o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP).
Ainda segundo o estudo, o Brasil perde muitos pontos na avaliação porque não publica nenhum relatório de exportação de armas leves e não informa dados sobre licenças concedidas.
Para o coordenador da área de controle de armas do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, é necessário questionar para onde estão indo as armas brasileiras.
— Para quem a gente está exportando? Para quais órgãos? Para que essas armas vão servir?
Na opinião de Júlio Cesar Purcena, um dos pesquisadores do livro Brasil: as Armas e as VÃtimas, o Brasil não é transparente, sobretudo em relação à s exportações de revólveres, pistolas e munições. Ele destaca, no entanto, que esse não é um problema exclusivamente brasileiro.
— Em geral, os paÃses são pouco transparentes nesse assunto. Exemplo disso é a Ãustria, que não declara suas exportações de munições. O México e a Bélgica também não. Os paÃses, de uma maneira geral, tendem a subnotificar essas exportações.
Brasil publica informações erradas sobre vendas
Segundo o instituto independente NISAT, nos últimos dez anos, o Brasil vendeu armas para paÃses no topo da lista de violadores de direitos humanos, como Argélia, Iêmen, Indonésia, Paquistão e República Democrática do Congo (veja mais no infográfico abaixo).
Langeani lembra que, em episódios recentes, como durante a queda do ditador Muammar Gadaffi, na LÃbia, foram encontradas armas brasileiras.
— A gente não sabe se o Brasil vendeu diretamente para LÃbia, se vendeu para outro paÃs e esse outro paÃs passou para a LÃbia… Quando tem esse tipo de denúncia de armas brasileiras na mão de ditadores, o Brasil fica numa posição bastante difÃcil de explicar.
O PaÃs fica numa posição ainda mais delicada porque divulga informações erradas sobre suas exportações, como explica o livro Brasil: as Armas e as VÃtimas.
Segundo o estudo, embora exporte uma grande quantidade de armas curtas para os EUA, por exemplo, o Brasil constantemente não registra essas vendas. Enquanto isso, os dados norte-americanos mostram claramente a importação de revólveres e pistolas brasileiros.
A reportagem confirmou a falta de transparência com relação aos paÃses que compram as armas daqui. Embora tenha a responsabilidade de autorizar as exportações, o Itamaraty não forneceu a lista dos importadores, apesar dos pedidos do R7.
O Ministério da Defesa, por sua vez, indicou que “não efetua esse controle, e sim a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados, do Comando do Exércitoâ€.
Questionado pelo R7, o Exército forneceu o número de armas exportadas, mas não a lista de compradores. Foram 4,5 milhões de armas brasileiras vendidas para outros paÃses nos últimos dez anos.
Brasil não faz questão de mudar estratégia
Tornar o mercado mundial de armas mais claro não parece fazer parte dos planos brasileiros. Em carta assinada pelo embaixador Antônio Guerreiro, representante do Brasil na Conferência do Tratado de Comércio de Armas (ATT, na sigla em inglês), em 2 de julho de 2012, o governo afirma que “obrigações relacionadas a comunicação e transparência devem ser tratadas com a necessária cautela e bom senso. Muitos Estados dependem de armas convencionais para a sua defesa nacional. […] Ao mesmo tempo, não seria justo colocar Estados importadores sob escrutÃnio permanente, enquanto Estados produtores não precisam informar sobre armas adquiridas no mercado internoâ€.
O pesquisador Júlio Cesar Purcena não vê razão nos argumentos de defesa nacional e proteção à indústria brasileira.
—Em relação à defesa, eu acho lamentável que seja esse o argumento, porque o Brasil não vai construir uma defesa capaz de impedir qualquer ataque com base em revólveres e pistolas. […] Eu não consigo ver nisso uma questão de defesa, nem tampouco uma estratégia empresarial. É uma perda de tempo.
De acordo com nota divulgada pelo Sou da Paz no dia 30 de agosto, que avalia a posição do Brasil nas negociações do Tratado de Comércio de Armas, o Brasil “não parecia fazer a mÃnima questão de incluir critérios relacionados aos direitos humanos no tratado, de forma a impedir a transferência de armas à queles que os violam sistematicamenteâ€.
— Os representantes do Brasil não deixaram dúvidas sobre suas preocupações relacionadas à defesa nacional (absolutamente legÃtimas, mas não únicas) e à exportação de armas (e ao segredo dessas informações), áreas nas quais o Brasil por vezes se animou a participar do debate.