[Adital, 25 abr 11] O que caracteriza os tempos pós-modernos em que vivemos, segundo Lyotard, é a falta de resposta para a questão do sentido da existência. Por enquanto, estamos na zona nebulosa da terceira margem do rio.
A modernidade agoniza, solapada por esse buraco aberto no centro do coração pela cultura da abundância. Nunca a felicidade foi tão insistentemente ofertada. Está ao alcance da mão, ali na prateleira, na loja da esquina, publicitada em todo tipo de mercadoria.
No entanto, a alma se dilacera, seja pela frustração de não dispor de meios para alcançá-la; seja por angariar os produtos do fascinante mundo do consumismo e descobrir que, ainda assim, o espÃrito não se sacia…
A publicidade repete incessantemente que todos temos a obrigação de ser feliz, de vencer, de nos destacarmos do comum dos mortais. Sobre esses recai o sentimento de culpa por seu fracasso. Resta-lhes, porém, uma esperança, apregoam os que deslocam a mensagem evangélica da Terra para o Céu: o caráter miraculoso da fé. Jesus é a solução de todos os problemas. Inútil procurá-la nos sindicatos, nos partidos, na mobilização da sociedade.
Vivemos num universo fragmentado por múltiplas vozes, frente a um horizonte desprovido de absolutos, com a nossa própria imagem mil vezes distorcida no jogo de espelhos. Engolida pelo vácuo pós-moderno, a religião tende a reduzir-se à esfera do privado; olvida sua função social; ampara-se no mágico; desencanta-se na autoajuda imediata.
Nesse mundo secularizado, a religião perde espaço público, devido à racionalidade tecnocientÃfica, ao pluralismo de cosmovisões, à racionalidade econômica. Sobretudo, deixa de ser a única provedora de sentido. Seu lugar é ocupado pelo oráculo poderoso da mÃdia; os dogmas inquestionáveis do mercado; o amplo leque de propostas esotéricas.
A crise da modernidade favorece uma espiritualidade adaptada à s necessidades psicossociais de evasão, da falta de sentido, de fuga da realidade conflitiva. Espiritualidade impregnada de orientalismo, de tradições religiosas egocêntricas, ou seja, centradas no eu, e não no outro, capazes de livrar o indivÃduo da conflitividade e da responsabilidade sociais.
Agora, manipula-se o sagrado, submetendo-o aos caprichos humanos. O sobrenatural se curva à s necessidades naturais. A solução dos problemas da Terra reside no Céu. De lá derivam a prosperidade, a cura, o alÃvio. As dificuldades pessoais e sociais devem ser enfrentadas, não pela polÃtica, mas pela autoajuda, a meditação, a prática de ritos, as técnicas psicoespirituais.
Reduzem-se, assim, a dimensão social do Evangelho e a opção pelos pobres. O sagrado passa ser ferramenta de poder, para controle de corações e mentes, e também do espaço polÃtico. O Bem identifica-se com a minha crença religiosa. Bin Laden exige que o Ocidente se converta à sua fé, não ao bem, à justiça, ao amor.
Essa religião, mais voltada à sua dilatação patrimonial que ao aprimoramento do processo civilizatório, evita criticar o poder polÃtico para, assim, obter dele benefÃcios: concessão de rádio e TV etc. Ajusta a sua mensagem a cada grupos social que se pretende alcançar.
Sua ideologia consiste em negar toda ideologia. Assim, ela sacraliza e fortalece o sistema cujo valor supremo, o capital, se sobrepõe aos direitos humanos. Como observava Comblin, as forças que hoje dominam são infinitamente superiores às das ditaduras militares.
Aos pobres, excluÃdos deste mundo, resta se entregarem à s promessas de que serão incluÃdos, cobertos de bênçãos, no outro mundo que se descortina com a morte. Frente a essa “teologia†fica a impressão de que a encarnação de Deus em Jesus foi um equÃvoco. E que o próprio Deus mostra-se incapaz de evitar que sua Criação seja dominada pelas forças do mal.
Felizmente, nas Comunidades Eclesiais de Base, nas pastorais sociais, nos grupos de leitura popular da BÃblia, fortalece-se a espiritualidade de inserção evangélica. A que nos induz a ser fermento na massa e crê na palavra de Jesus, de que ele veio “para que todos tenham vida e vida em abundância†(João 10, 10).
Fomos criados para ser felizes neste mundo. Se há dor e injustiça, não são castigos divinos, resultam de obra do ser humano e por ele devem ser erradicadas. Como diz Guimarães Rosa, “o que Deus quer ver é a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre e amar, no meio da tristeza. Todo caminho da gente é resvaloso. Mas cair não prejudica demais. A gente levanta, a gente sobe, a gente voltaâ€.
belo texto