[DW, 5 jul 11] A pobreza faz parte de todas as sociedades, mas a maneira como os pobres são tratados mudou ao longo dos tempos. Esse é o ponto central de duas exposições em Trier, na Alemanha.
A questão da pobreza é tão polêmica hoje quanto há milhares de anos, mas o que mudou foi o ponto de vista sobre o assunto. Numa grande exposição, o Museu da Cidade de Trier (Stadtmuseum Simeonstift Trier) e o Museu Estadual Renano de Trier (Rheinische Landesmuseum Trier) mostram como o tratamento dado à pobreza se modificou ao longo dos últimos 3.000 anos na Europa.
Pobres como caricaturas
O Rheinische Landesmuseum se dedica ao tema da pobreza na Antiguidade. Achados arqueológicos da Grécia e do Egito e do Império Romano documentam que, na época, a pobreza era considerada algo abominável e culpa própria, e era também motivo de escárnio.
Segundo o guia da exposição, Frank Unruh, os “pobres eram representados como anões engraçados, que brincavam com macacos do mesmo tamanho que eles; ou eram mostrados como pessoas com deficiências fÃsicas que não correspondiam ao ideal saudável e, portanto, acabavam nas ruas”.
Cidadãos ricos encomendavam tais figuras em bronze para tê-las como objetos de decoração em seu entorno. “A esse respeito, é difÃcil imaginar uma sociedade ainda mais repugnante”, resumiu o arqueólogo.
O destaque da seção “Pobreza no Mundo Antigo” é todavia uma escultura em tamanho real que mostra uma idosa embriagada. Ela abraça uma jarra de vinho – uma cena de uma antiga festa que celebrava a bebida e era patrocinada pelos soberanos que, pelo prazer da “caridade”, também permitiam a participação de pobres em tal festival. A figura em tamanho natural consterna o observador, pois o foco ali não está nos pobres e na sua situação de vida, mas no tratamento impiedoso que recebido pela cultura ocidental.
A imagem da pobreza
Perspectivas na arte e na sociedade – assim se intitula a exposição. Ela se baseia num amplo projeto de pesquisa interdisciplinar da Universidade de Trier sobre o tema alienação e pobreza.
Desde 2002, cientistas das áreas de História, História da Arte, Direito e Sociologia ocupam-se com questões em torno do tratamento e da solidariedade com os pobres atualmente. Migração, globalização e o questionamento das redes sociais se tornaram um campo central da discussão pública.
Pobreza na arte
A principal parte da exposição está no Museu da Cidade de Trier. Ali estão expostos 160 objetos desde a Idade Média, passando pelo perÃodo barroco até os dias de hoje: são pinturas, esculturas, trabalhos fotográficos e instalações sobre o tema pobreza provenientes de mais de 40 museus europeus, incluindo obras de Pieter Brueghel, Max Liebermann, Karl Hofer e Pablo Picasso.
A arte contemporânea está representada por Karin Powser, Christoph Schlingensief e Albrecht Wild. A exposição não segue uma cronologia, mas está dividida em cinco “perspectivas”, em diferentes formas de ver o tema da “pobreza”. Estas são a “Documentação”, o “Apelo”, e as seções “Ideal”, “Estigma” e “Reforma”.
Cada perspectiva é associada a uma cor de parede diferente, o que facilita a orientação e a classificação temática das obras de arte. Os objetos mostram o longo caminho percorrido desde o desprezo pelos pobres até o reconhecimento de sua dignidade e seu direito de participar do convÃvio social.
A arte como apelo
Desde a propagação do cristianismo, os pobres são considerados como parte da sociedade. A compaixão se tornou um dever. Obras como as pinturas em grande formato de Hans e Paul Vredeman de Vries Justiça e injustiça, de 1594/95, o retábulo Compartilhamento do manto, de 1502, ou a obra de Pieter Brueghel Os sete atos de misericórdia ilustram o dever de cuidar dos pobres.
No século 20, a responsabilidade pelos pobres passou a ocupar o primeiro plano. “Aqui estão principalmente trabalhos da década de 1920, como, por exemplo, de Max Beckmann, Käthe Kollwitz e Ernst Barlach”, explicou Sonja Missfeldt, curadora da exposição no Museu da Cidade de Trier.
Segundo Missfeldt, “todos esses artistas se ocuparam bastante, de forma social e crÃtica, com o tema da pobreza. Eles questionaram a suposta década de ouro dos anos de 1920 e mostraram que nem tudo transcorria bem naquela época”. Entre as obras expostas, estão a litografia A fome, de Max Beckmann, a escultura O grupo de famintos, de Ernst Barlach ou também cartazes com pedidos de doações.
Estranhos e pobreza
A noção de que a pobreza é culpa própria e que estranhos e necessitados devem ser tratados com suspeita está tão atual quanto nunca. A seção “Estigma” aborda tais exclusões. Ali se veem caricaturas que mostram a estigmatização de determinadas parcelas da população, mas também de comunidades religiosas. “Uma placa de alerta para ciganos” do século 17 servia para impedir que ciganos ultrapassassem as fronteiras de uma cidade onde não eram bem-vindos. Para Sonja Missfeldt, “o caráter estranho sempre significou um grande risco de pobreza”.
Todo o segundo andar da exposição é dedicado ao tema da “redução da pobreza”. As seções “Estigma” e “Reforma” se entrelaçam. As obras Mesa de Caridade, do século 16 ou o Pátio do orfanato em Amsterdã, de Max Liebermann – todos esses objetos documentam tentativas de combater a pobreza e a indigência.
No final da mostra, uma escultura provoca irritação. Apoiada quase na quina da parede da sala, encontra-se uma escultura de Albrecht Wild, em tamanho natural e bastante realista – um mendigo sentado e alguns trocados espalhados pelo chão.
Trata-se de esmolas jogadas por visitantes da exposição para o suposto mendigo. Sonja Missfeldt tira uma primeira conclusão: “Em si, as reações são muito positivas. Nós temos muitos visitantes e o tema desperta, aparentemente, grande interesse.”
Autora: Gudrun Stegen (ca)
Revisão: Nádia Pontes