Fonte: Correio Braziliense, por Renata Mariz
Desigualdade regional
No Nordeste, mais de 40% da população de 50 anos em diante é analfabeta. Veja os Ãndices mais recentes, referentes a 2008, de cada região brasileira:
Proporção de analfabetos na população com 50 anos ou mais, por região:
Nordeste 41,3%
Norte 28,7%
Centro-Oeste 21,8%
Sudeste 13,2%
Sul 12,8%
Brasil 21,5%
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica (IBGE)
Primeiro a negativa do pai, que temia ver as filhas escrevendo bilhetes aos homens da cidade. Depois, a baiana de Santa Rita de Cássia migrou para BrasÃlia e teve oito filhos. A luta diária para dar uma vida decente à prole adiou o sonho de saber juntar letras e reconhecê-las como palavras. “A coisa mais linda que eu achava era ver as pessoas lendo a BÃblia na hora da rezaâ€, conta Valdete de Sousa Leite. Hoje, aos 62 anos, ela frequenta uma turma de alfabetização e já consegue acompanhar as orações na igreja. A mulher pode se considerar uma vitoriosa, especialmente porque, no Brasil, quase um terço da população na faixa etária de Valdete — 60 anos ou mais — não sabe ler nem escrever. Enquanto o paÃs avança na educação infantil, com redução de 12,3% para 7,3% de crianças analfabetas entre 2000 e 2008, no mesmo perÃodo, o problema entre pessoas com idade superior a 15 anos diminuiu apenas três pontos percentuais — 12,9% para 9,9%. Dos 50 anos em diante, o Ãndice dos que não sabem sequer assinar o próprio nome é superior a 20%.
Um encontro encerrado na última sexta-feira sobre educação de adultos, hoje um dos maiores desafios do ensino no Brasil, reuniu mais de 40 ministros de Estado da área e delegações de 156 paÃses em Belém (PA). O documento final da conferência reafirmou o compromisso acordado em 2000, no Fórum Mundial de Educação, em Dakar, de reduzir o analfabetismo entre pessoas com idade superior a 15 anos em 50% até 2015. Isso significa, para o Brasil, cair dos atuais 9,9% para 6,75% — cerca de três pontos percentuais nos próximos seis anos. Tarefa difÃcil se o ritmo atual continuar, uma vez que esse mesmo Ãndice de redução (três pontos percentuais) foi obtido nos últimos oito anos (veja quadro). Para acelerar o processo, André Lázaro, secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (MEC), pretende fortalecer uma articulação com outras pastas.
“Acredito que atingiremos a meta na medida em que conseguirmos reunir as polÃticas públicas. Vamos nos articular com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, por exemplo, para que nos ajude a identificar o agricultor que precisa de alfabetização. O mesma acontecerá com o Ministério da Pescaâ€, afirma Lázaro. Outras pastas já trabalham com o MEC, diz o secretário, tais como a da Saúde e a do Desenvolvimento Social. Este ano, foram quase 5 milhões de matrÃculas na educação de jovens e adultos no paÃs.
O problema, entretanto, vai além de garantir a oferta de turmas: também engloba o combate a evasão, estimada em torno de 30% a 40%. “Tem que haver um trabalho de motivação, até para que o aluno não fique apenas na alfabetização, mas siga adianteâ€, destaca Salete Camba, diretora de relações institucionais do Instituto Paulo Freire. Segundo ela, a desistência entre a alfabetização e a continuidade da educação, entre jovens e adultos, chega a 60%. “As razões são diversas. Muitas vezes, a escola fica distante da casa do aluno, a metodologia não é atrativa, há falta de professores treinados, além de, claro, existirem os estudantes que só querem mesmo aprender o básico para poder pegar um ônibus e assinar documentosâ€, enumera Salete.
Antônio Marcos de Sousa, 67 anos, ainda não se sente preparado para dar o próximo passo, mas nem pensa em sair da turma de alfabetização que frequenta. Há sete anos estudando, aprendeu a escrever e ler “um pouquinhoâ€. “Fora de época, é muito difÃcil, a cabeça da gente não está mais funcionando bem. Mas eu gosto demais daqui. Pensar que a vida inteira eu fui analfabeto e hoje eu tenho curiosidade de ler. Quando pego um papel de propaganda na rua, leio logo para saber o que éâ€, conta o piauiense de Teresina. Para Maria de Lourdes Pereira dos Santos, coordenadora do Centro de Educação e Cultura do Paranoá (Cedep), onde Antônio estuda, o mais importante é elevar a autoestima dos alunos. “Damos uma sacudida no camarada para ele perceber que consegueâ€, diz.
Sem financiamento
O Cedep, hoje com cerca de 100 adultos na alfabetização, é um exemplo de entidade que faz o papel de escola. Sem financiamento permanente do governo — só quando fecha projetos pontuais —, sobrevive com a ajuda de voluntários. “As educadoras são estudantes de pedagogia e vêm aqui para aprender tambémâ€, explica Maria de Lourdes. Para Salete Camba, do Instituto Paulo Freire, o problema da oferta de turmas para adultos nos colégios públicos está na falta de estrutura das redes de ensino estaduais e municipais, mas também em uma cultura que não enxerga tal modalidade como uma prioridade. Quase 10% dos municÃpios do paÃs não têm aulas para esse público. Em outros, a oferta é muito limitada.
Em nÃvel federal, entretanto, Salete destaca que houve um avanço, com a educação de jovens e adultos contemplada no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) — que paga valor mÃnimo de R$ 1.221,34 anuais por cada aluno na educação fundamental regular, e R$ 977,07 para os inseridos nas classes de jovens e adultos. “Ou seja, dinheiro existe. Basta o municÃpio ou o estado querer ofertarâ€, salienta Salete. André Lázaro, do MEC, esclarece que a diferença de 20% entre as duas modalidades se deve à taxa de desistência elevada dos alunos adultos. “É um fator estipulado no financiamento para compensar a evasão e distribuir melhor os recursosâ€, explica.
O número
20%
Ãndice de brasileiros acima dos 50 anos que não sabem ler nem escrever
O número
R$ 1.221,34
Valor anual pago pelo Fundeb por cada aluno matriculado na educação fundamental regular
O número
R$ 977,07
Valor anual pago pelo Fundeb por cada aluno matriculado nas modalidades para jovens e adultos
Redução gradual
Mais de 20% dos brasileiros com idade superior a 50 anos não sabem ler nem escrever. Quanto mais alta a faixa etária, pior a situação. Confira a evolução do combate ao analfabetismo ao longo dos últimos anos:
Variação da proporção de analfabetos entre 2000 e 2008, por faixa etária:
Entre 7 e 14 anos: 12,3% (2000)
7,3% (2008)
Variação:-5%
15 anos ou mais: 12,9% (2000) 9,9% (2008) Variação: -3%
30 anos ou mais: 19,1% (2000)
13,7% (2008)
Variação: -5,4%
50 anos ou mais: 28,4% (2000) 21,5% (2008)
Variação: -6,9%
60 anos ou mais: 34,2% (2000) 27,9% (2008)
Variação: -6,3%
Puxão de orelhas
Bem cotado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que chegou a considerá-lo um nome forte do PT para disputar o governo de São Paulo ou um mandato de deputado federal nas próximas eleições, o ministro da Educação, Fernando Haddad, levou um puxão de orelha do chefe há cerca de 15 dias. Numa reunião, Lula cobrou do ministro providências no que diz respeito ao analfabetismo entre adultos. O presidente quer ver os Ãndices despencarem até o fim de seu governo, sobretudo nas faixas etárias mais elevadas.
O tema, de fato, é preocupante, já que quase um terço da população com mais de 60 anos é formada por analfabetos. Entre pessoas com 50 anos ou mais, supera 20% a proporção dos que não sabem ler nem escrever. Os maiores esforços devem se concentrar nas regiões Norte e Nordeste, cujas taxas são vergonhosas: de 28,7% e 41,3%, respectivamente, na população acima dos 50 anos. Depois da bronca, o MEC vem tratando de reforçar as parcerias com outros ministérios a fim de cumprir a determinação presidencial. (RM)