Desde 1998, ano de divulgação do primeiro, já foram elaborados uma dúzia de mapas da violência, praticamente um por ano. A metade deles, agrupados sob o subtÃtulo genérico Os jovens do Brasil, abordou as especificidades e a evolução da mortalidade violenta de nossa juventude, principal vÃtima desse drama brasileiro. Nesses trabalhos, a categoria de mortalidade violenta incluÃa não só os homicÃdios, mas também diversas outras violências letais, como suicÃdios e mortes em acidentes de transporte.
Outros mapas centraram suas baterias em temas mais especÃficos e delimitados. Dois deles trabalhando o panorama da violência nos municÃpios brasileiros. Outro tentou pesquisar os fatores determinantes das quedas sistemáticas da violência no estado de São Paulo. Outro ainda trabalhou uma perspectiva mais ampla, tomando como arcabouço a violência na América Latina e no mundo. Também tentamos elaborar, em mais um estudo, uma anatomia dos homicÃdios no Brasil.
Esse breve exame temporal nos leva, de forma quase inevitável, a nos perguntar: o que mudou nesse Ãnterim, desde a época da elaboração de nossos primeiros mapas, em fins do século passado, até nossos dias?
A primeira vista dirÃamos: pouca coisa mudou. Na virada do século tÃnhamos quase exatamente as mesmas taxas de homicÃdio que nos dias de hoje: pouco mais de 26 homicÃdios em 100 mil habitantes. Mas isso já é motivo de um sentimento ambivalente. Por um lado, otimismo: conseguiu-se estancar a pesada espiral de violência que vinha acontecendo no paÃs. Mas por outro lado, também pessimismo: nossas taxas ainda são muito elevadas e preocupantes, considerando a nossa própria realidade e a do mundo que nos rodeia, e não estamos conseguindo fazê-las cair. Mas essa estagnação, essa semelhança numérica entre as datas é só aparente. Muita coisa parece ter mudado apesar das taxas permanecerem praticamente iguais.
Estados que durante anos foram relativamente tranqüilos, alheios a essa fúria homicida, entram numa acelerada voragem de violência. Outros que tradicionalmente ocupavam posições de liderança no panorama nacional da violência veem seus Ãndices cair, e até de forma drástica em alguns casos.
A violência homicida, que era patrimônio indesejado dos grandes centros urbanos do paÃs, com seu crescimento maciço, caótico e anómico, desloca-se para áreas de menor densidade e peso demográfico.
Também se torna imprevisÃvel. Até poucos anos atrás, os percursos da violência eram bem previsÃveis. Colocávamos em mapas anteriores: um número determinado de mortes violentas acontece todos os anos, levemente maior ou menor que o número de mortes ocorridas no ano anterior. Sem muito esforço, a partir desses dados, poderÃamos prognosticar, com certa margem de erro, quantos jovens morrerão em nosso paÃs no próximo ano por causas violentas. E de fato, isso acontecia. Pela sua exposição na grande mÃdia esperava-se violência em Rio de Janeiro, São Paulo e BrasÃlia e pelas informações estatÃsticas da época, em Pernambuco, EspÃrito Santo, Minas Gerais. Mas poucos, ou ninguém, poderia antecipar poucos anos atrás que Alagoas ou Pará fossem ocupar um lugar de grande destaque no panorama da violência do nacional.
Vira uma realidade difusa. Se a velha violência tinha atores claros, com nome, sobrenome e até endereço, tanto das vÃtimas quanto dos algozes, nossa violência atual adquire um caráter totalmente difuso, nebuloso, tem a virtude da onipresença e da ubiquidade, embora não possa ser muito bem identificada. Como tão bem esclarecia Alba Zaluar ainda em 1997: 1 ela está em toda parte, ela não tem nem atores sociais permanentes reconhecÃveis nem ‘causas’ facilmente delimitáveis e inteligÃveis.
E esse fato foi recentemente corroborado pelo IPEA, que divulgou uma pesquisa realizada em 2010 numa amostra nacional, onde perguntava aos entrevistados sobre o grau de medo em relação a serem vÃtimas de assassinato, categorizando as respostas em muito medo, pouco medo e nenhum medo. O resultado é altamente preocupante, um sério toque de alerta: 79% da população têm muito medo de ser assassinada; 18,8% pouco medo e só 10,2% manifestou ter nenhum medo. Em outras palavras: só um em cada dez cidadãos não tem medo de ser assassinado. Oito em cada dez têm muito medo. E esse enorme temor é uma constante em todas as regiões do paÃs, e está em toda parte.
São precisamente essas mudanças acontecidas nesta última década, e suas possÃveis consequências, que nos levaram a elaborar o presente mapa. Nosso propósito é contribuir, de forma construtiva, para o enfrentamento da violência por parte da sociedade brasileira. Colocado de forma simples, pretendemos fornecer informação sobre as modalidades de evolução da mortalidade homicida no paÃs, em suas capitais, nas unidades federativas, nos conglomerados metropolitanos, nos municÃpios, Mas, estamos tratando com violência letal, isto é, violência em seu grau extremo, que representa a ponta visÃvel do iceberg da modernidade de nossas relações sociais. Não aludimos, ao menos em forma direta, a outras tantas preocupações concomitantes que não são apenas do Brasil, e sim de dimensão quase planetária. Assim, não se fala diretamente do alarmante incremento do consumo de drogas e do narcotráfico; não se fala das diversas formas emergentes de dominação e controle territorial que disputam com o Estado a legitimidade do uso da violência, seja resultante do tráfico, de milÃcias, de madeireiras ilegais ou interesses econômicos e polÃticos rondando grandes empreendimentos agrÃcolas no arco do desmatamento. Como assim também não se fala das áreas de biopirataria, ou dos municÃpios de fronteira com suas diversas rotas das atividades ilegais. Tampouco fazemos referência ao enorme peso de uma cultura da violência que resolve os conflitos pela via do extermÃnio do próximo, cultura que, pelos dados disponÃveis, está se espalhando no paÃs.
Em outras palavras, não pretendemos aqui realizar um diagnóstico das causas da violência no paÃs. Além de não ter essa pretensão, seria impossÃvel para nós abranger a realidade diversificada de 5.565 municÃpios, 27 Unidades Federadas, 27 Capitais e 33 Regiões Metropolitanas. De forma bem mais modesta, pretendemos fornecer informações em condições de subsidiar objetivamente esse diagnóstico.
Assim, esperamos que as informações aqui oferecidas possam servir de base para estudos mais aprofundados sobre o tema, para discussões locais e, fundamentalmente, para diagramar polÃticas e estratégias que permitam reverter o quadro observado. Se conseguirmos atingir esse modesto objetivo, teremos justificado o esforço realizado.
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