O Estado as ignora na falta de postos de saúde, de médicos, de vagas nas escolas e de professores capacitados e bem remunerados; na falta de praças e quadras, na falta de propostas culturais, enfim, elas são ignoradas na falta de polÃticas públicas que as protejam.
O mercado não as ignora, pelo contrário, as explora.
Aproveita sua ingenuidade, sua não-resistência aos complexos mecanismos de manipulação marqueteira e sua incomparável capacidade de convencimento dos mais velhos.
O mercado as forma, conforma, transforma e deforma em ávidos consumidores, clientes acrÃticos e fiéis dos supérfluos, das marcas, das novidades de cada estação.
A famÃlia, na maioria das vezes, não lhes ignora nem explora.
A famÃlia simplesmente as abandona.
Não se ofenda e nem se engane. São pessoas corretas, pais e mães responsáveis, preocupados com o futuro, comprometidos a proporcionar-lhes educação, saúde e claro, um lazer de vez em quando.
Para a grande massa da população brasileira, proporcionar estes “privilégios†significa que ambos, pai e mãe, trabalhem fora em jornadas de trabalho que chegam a 14 horas por dia.
Com grande sentimento de culpa, é verdade, seus pequenos são deixados aos cuidados ininterruptos e corruptos das sofisticadas e multicoloridas telas das “babás eletrônicas†– entenda-se Tvs, DVDs, Videogames e computadores.
A máquina religiosa não lhes dá muito valor também.
Sem recursos, sem poder de barganha, sem prestÃgio e incapazes de consumir seus “produtos gospelâ€, elas de forma geral são levadas à flanelógrafo e cachorro-quente.
Sim, estou me referindo à s crianças tupiniquins deste inÃcio de século, grupo que sozinho perfaz nada mais nada menos do que dezenas de milhões de brasileirinhos.
Se o Estado as ignora, o mercado as explora e as famÃlias lhes abandonam, o que dizer da igreja?
Como a Igreja trata os pequeninos?
Para não incorrer em injustiça e julgamentos generalizados, proponho uma resposta local, de cada igreja, à pergunta.
Sabemos que milhões destes pequenos jazem à beira do caminho.
O que estamos fazendo?
Temos sido nós bons samaritanos ou nosso comportamento sacerdotal e levÃtico nos condena?
Com a ajuda da rede de apoio “mãos dadas†(www.maosdadas.org) listo abaixo alvos imediatos daqueles que, sendo pequenos, devem ser alvo prioritário da ação e missão de nossas igrejas locais:
As crianças pobres de até 6 anos de idade – os seis primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento saudável de uma pessoa. Contudo, de todas as crianças brasileiras, justamente estas são as mais vulneráveis. Sua situação de miséria lhe nega as condições mÃnimas de sobrevivência, como: alimentação, água potável, esgoto e serviços básicos de saúde. Se conseguirem ultrapassar estes anos, sofrerão pelo resto de sua vida os efeitos da desnutrição. Forçadas a mendigar para compor o orçamento da famÃlia, elas são privadas do direito à escola, do ambiente natural de socialização e da educação que poderia lhe proporcionar as condições de mudança, de libertação. Assim, são predestinadas à miséria ou ao crime. Triste retrato de um Brasil em preto e branco.
As crianças indÃgenas – o Brasil tem 254 etnias indÃgenas, totalizando 320 mil pessoas. Destas, metade são crianças. Elas sofrem com a mortalidade infantil, desnutrição e o infanticÃdio, que ainda é praticado em muitas aldeias.
As crianças sem registro – segundo o IBGE, mais de 20% das crianças completam seu primeiro ano sem terem sido registradas. Desta forma elas não existem perante o Estado e estão completamente fora de polÃticas básicas de saúde. A grande maioria vive em lugares isolados no interior do Brasil.
As crianças vÃtimas do aborto – o Ministério da Saúde estima que pelo menos 1 milhão de abortos ilegais sejam feitos todo ano no Brasil. A estas é negado o direito básico à vida.
As crianças vÃtimas do crime organizado – reféns de um poder paralelo, com leis próprias e poucas escolhas, devido à sua inimputabilidade são exploradas pelo tráfico como “mulasâ€, transportando e comercializando drogas e armas. São treinadas como soldados numa guerra sem vitoriosos, tratadas como peças de fácil e barata reposição, onde a morte é certa e precoce, seja pelas mãos da polÃcia, que lhes enxerga como culpadas e não como vÃtimas, seja pelas mãos trêmulas de um outro menor, por uma bala perdida ou pela overdose. Crianças e jovens do sexo masculino foram vÃtimas de 77% dos homicÃdios intencionais registrados no Estado do Rio de janeiro em 2006.
As crianças vÃtimas do trabalho escravo e da exploração sexual – seja no campo, seja na cidade, a criança é a vÃtima em potencial do trabalho escravo. Nos grandes centros, se é menino, lava carros, carrega sacolas, engraxa sapatos, mendiga ou rouba na rua, obrigado a entregar o lucro ao adulto que o explora. Se menina, trabalha ocultamente nas “casas de famÃliaâ€, sem remuneração, sem descanso, sem lazer, sem a quem reclamar. No sertão, corta cana, corta lenha ou amassa barro. Meninas de 10 anos são vendidas por um parente próximo para as redes de exploração sexual e pornografia infantil. Algumas acabam enclausuradas, presas à vida pelo tênue fio da manutenção da lei do silêncio, sub-vivendo em bordéis freqüentados e devidamente acobertados pelas “autoridadesâ€. Quando velhas e usadas (entenda-se com 18 anos) são embarcadas para a Europa, alimentando as redes internacionais de prostituição.
E o que dizer das crianças que vivem nas comunidades quilombolas?
As portadoras de deficiências fÃsicas e mentais?
As que sofrem de enfermidades graves como o câncer?
Será que nós as enxergamos?
Será que, como igreja, nós nos importamos com seu abandono, sua solidão, com sua dor, sua exclusão, com sua exploração?
Jesus repreende seus discÃpulos quando estes impediam que crianças se aproximassem dele para receberem oração (Mt 19.14).
Qual tem sido nossa atitude – passiva ou ativa – de levar as crianças até o Senhor Jesus?
Hoje, quando comemoramos o “dia da criançaâ€, é um bom momento para refletirmos e orarmos por elas e por nós.
Que o Senhor nos abençoe e nos ensine a amar nossas crianças.