O cinema cristológico e as reescritas audiovisuais

[Publicado no IHU, 28 nov 2010]

Nos últimos anos, manifestou-se “um particular interesse pelo sagrado (os seus símbolos e as suas retóricas de narrações) nos dispositivos textuais do gênero, detendo-se com atenção específica na relação entre os textos bíblicos e as reescritas audiovisuais, ocupando-se também da relação entre o cinema e a história de Jesus“. É preciso “identificar uma abordagem específica que possa oferecer categorias de orientação interpretativa”.

A análise é do doutor em história do cinema Dario E. Viganò, professor de comunicação da Pontifícia Universidade Lateranense, onde preside o Instituto Redemptor Hominis. Nascido no Rio de Janeiro, é sacerdote ordenado pelo cardeal Carlo Maria Martini.

O artigo, intitulado originalmente “Il cinema cristologico e riscritture audiovisive: Il problema delle traduzioni intersemiotiche”, faz parte do livro “Il volto e gli sguardi” (Ed. EDB, 2010), organizado por Sandra Isetta, e foi publicado na revista Il Regno, nº 18, novembro de 2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Não fiques escondido na tua onipotência. Mostra-te! A sarça ardente o revela, mas também é o seu impenetrável esconderijo. E depois a encarnação – se protege da sua eternidade sob um amparo humano, desce ao mais tenro ventre, ao homem, no homem… sim, mas o filho do homem em que ele se deflagra o manifesta e o oculta.

Mario Luzi

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Objeto de análise

Os ensaios e os congressos mostraram nestes últimos anos um particular interesse pelo sagrado (os seus símbolos e as suas retóricas de narrações) nos dispositivos textuais do gênero [1], detendo-se com atenção específica na relação entre os textos bíblicos e as reescritas audiovisuais, ocupando-se também da relação entre o cinema e a história de Jesus [2].

À abundância de textos, congressos e seminários de estudos, corresponde uma multiplicidade de abordagens que às vezes dificilmente se integram em uma perspectiva compósita e unitária [3]. Além disso, é compreensível que uma abordagem histórica ao sagrado no cinema possa revelar alguns nós também linguísticos da história do cinema e, ao mesmo tempo, esteja pouco interessada em fazer com que surjam as coordenadas socioculturais que serviram de moldura produtiva para algumas das mais significativas obras cinematográficas sobre a vida de Jesus. Assim como uma análise atenta ao conteúdo, muitas vezes menos interessada nas construções textuais próprias de um aprofundamento mais especificamente semiológico.

Antes ainda de denunciar a abordagem da presente intervenção, é preciso indicar o interesse específico, ou seja, do que nos ocuparemos, sabendo que aquilo que é muito ignorado também é decisivamente muito interessante [4]. Não nos ocuparemos dos filmes que são história das histórias de Jesus. Não faltaram, de fato, na produção cinematográfica mundial, filmes que deram forma a relatos (romances) que se propunham narrar a história de Jesus. Dentre eles, pensamos, por exemplo, em “A última tentação de Cristo”, de Martin Scorsese (1988), cuja trama assume as medidas do romance “A última tentação”, do escritor grego Nikos Kazantzakis (1951).

Outras obras das quais não nos ocuparemos são aquelas que só tangencialmente, nem por isso não significativamente, tocam a história de Jesus. Um caso emblemático é “A doce vida”, de Federico Fellini (1960), extraordinário afresco sobre a decadência da vida contemporânea, que começa com a retomada de uma estátua de Cristo transportada de helicóptero, que parece acariciar as periferias romanas. Apesar de ser indubitável o interesse pelos discursos que podemos definir como secundários sobre Jesus, eles não entrarão em nossa análise.

Assim, também não serão de nosso interesse específico os filmes que podemos chamar de “parabólicos”, ou seja, textos cinematográficos que, nos episódios que relatam, têm como centro do discurso justamente a figura de Jesus, que aparece porém como “referência”, às vezes mais evidente, às vezes menos. Trata-se daqueles filmes cujos personagens se apresentam como figurae Christi, isto é, personagens que, em tempos e contextos diferentes dos vividos por Jesus, assumem traços da experiência de Cristo [5].

Objeto da nossa atenção serão, portanto, os filmes que, sem mediações, tratam diretamente da história de Jesus, tendo presente a necessidade de tirar a ambiguidade entre os filmes que assumem o texto bíblico (evangélico) como fonte direta e os filmes que, pelo contrário, adotam e reelaboram a imagem difundida sobre Jesus a partir do imenso e indefinido material sobre Jesus.

A evidente amplitude e heterogeneidade da produção de filmes sobre Jesus levará a identificar uma abordagem específica que possa oferecer categorias de orientação interpretativa. É o momento mais propriamente semiológico que chegará, na última parte, à análise exemplar de alguns filmes – com um foco em “O Evangelho segundo São Mateus”, de Pier Paolo Pasolini (1964), e “Jesus de Nazaré”, de Franco Zeffirelli (1976) – que dê razão e ao mesmo tempo ponha à prova os elementos semióticos que tivermos identificado.

Indicados o objeto e a abordagem, para compreender o valor do material textual que assumiremos como campo de análise, é oportuno indicar, sobretudo, embora de forma sintética, os limites da abundante, variada e complexa história de reescritas audiovisuais dos eventos de Jesus.

A maior história de todos os tempos

O cinema, dispositivo de grande porte fabulatório, desde sempre e desde cedo, reelaborou e narrou “mitos”. Justamente essa vocação constitutiva do cinema tornou possível e fecundo, desde as origens, o encontro com a história bíblica: poucos meses depois da data que marca o início oficial e convencional do cinema, temos as primeiras Paixões. Se, em 1897, os irmãos Lumière enriqueceram o seu repertório inicial com “Vues représentant la vie et la passion de Jésus Christ”, obra que, embora referida explicitamente à sagrada representação mais conhecida e famosa da época, não tem uma verdadeira vocação documentarista, já que se trata da retomada de uma representação, o que serve de contrabalanço é “Le Christ marchant sur les eaux”, de Georges Méliès (1898), no qual o talento do diretor está na capacidade de desdobrar os componentes milagrosos do texto bíblico. As duas almas, que podemos talvez um pouco simplistamente atribuir à atitude referencial do cinema e à de reconstrução fantasiosa que atuam no próprio potencial técnico-fantástico de construção do mundo, serão polaridades que acompanharão toda a história do cinema.

Pasolini dirige sua mãe, Susana, em “Evangelho segundo São Mateus”

Os primeiros longas-metragens são “A vida e a paixão de Jesus Cristo”, de Ferdinand Zecca (1902-1907), ao qual se segue o famosíssimo “Christus” (1916), de Giulio Antamoro: dois precursores das sucessivas produções colossais hollywoodianas. Foi justamente Hollywood que se apropriou continuadamente da figura de Cristo em chave espetacular: lembremos obras como a hagiográfica e violenta “O Rei dos reis”, de Cecil B. DeMille (1927), a magniloquente “O manto sagrado”, de Henry Koster (1953), que marca a estreia do formato cinemascope, ou “A maior história de todos os tempos”, de George Stevens (1965), poderoso afresco popular, muitas vezes porém inclinado a se envolver em uma fraca iconografia de santinhos.
Ainda em Hollywood, chegam alguns antídotos à produção anestesiada e inócua: “O Rei dos reis” (1961), de Nicholas Ray, irresolvida leitura de chave política da vida de Cristo, a transposição cinematográfica do célebre musical de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, “Jesus Christ Superstar” (1973), de Norman Jewison, que acolhe os fermentos anticonformistas e pacifistas da cultura hippie. E ainda “A vida de Brian” (1979), de Terry Jones, um irreverente ataque às instituições, em que os Monty Python desafogam a sua própria ferocidade iconoclasta.

No âmbito italiano, a abordagem à vida de Jesus é marcada por diferentes diretores seguindo suas próprias inclinações poético-ideológicas. “O Messias” (1975), de Roberto Rossellini, constrói um filme declaradamente didático, em que a fidelidade literal aos Evangelhos se torna uma falimentar montagem de santinhos em uma moldura televisiva. Os mesmos limites dramatúrgicos são encontráveis também em “Jesus de Nazaré”, de Franco Zeffirelli, uma colagem cinematográfica – construída a partir de uma série de televisão –, em que se respira uma densa oleografia: um filme estetizante repleto de referências pictóricas e teatrais. Contra a visão de Pier Paolo Pasolini: já com “La ricotta”, episódio do filme coletivo “Ro.Go.Pa.G” (1963), o autor friulano marca sua própria distância do biopic [ou biographical motion picture, filme biográfico] hollywoodiano.

Condenado pelo Estado italiano por vilipêndio à religião, Pasolini retorna ao assunto no ano seguinte, assinando o mais belo filme retirado dos Evangelhos, ou seja, o “Evangelho segundo São Mateus”. Despojando Cristo das luvas de veludo com as quais os diretores anteriores o retrataram, Pasolini recupera o escândalo e a beleza da mensagem evangélica, contextualizando-a no Sul da Itália, entre os olhares transparentes de atores não profissionais.

Alternando diversas modalidades expressivas (câmera à mão livre e referências “altas” à pintura do século XIV), o cineasta consegue penetrar realisticamente na matéria tratada, detendo-se, como leigo, nos aspectos mais perturbadores e cruéis do sagrado: pense-se no encontro do Cristo com os leproso ou na crucificação (foto abaixo). Entrando como profano no sagrado, Pasolini, na realidade, viola conscientemente a tradição cinematográfica da vida de Cristo, limpando-a dos embelezamentos edificantes e purificando-a da iconografia devocionística [6].

A produção jamais deixou de dar forma ao relato da vida de Jesus visitando-o, até os nossos dias, às vezes com um andamento catequístico, outras vezes com modalidades transgressivas. Lembremos: “Cercasi Gesù” (1982), de Luigi Comencini, filme que se move instavelmente entre a crônica e a invenção; “L’inchiesta” (1986), de Damiano Damiani, inquietante filme rodado a partir do ponto de vista de um estranho à vida de Jesus, e “I magi randagi” (1996), de Sergio Citti (colaborador de Pier Paolo Pasolini).

Não faltam transcrições atormentadas no cinema contemporâneo: de Martin Scorsese, que, em 1988, com “A última tentação de Cristo”, realiza um Jesus atípico, distante tanto dos clichês devocionísticos quanto das inspirações revolucionárias, derramando sobre ele sua própria tradição religiosa ítalo-americana e a incessante interrogação sobre o destino, até “Jésus of Montréal” (1989), de Denys Arcand, em que a opção alegórica atua sobre a distinção entre realidade cotidiana contemporânea e relato evangélico (principalmente o Evangelho de Marcos). Ainda “I giardini dell’Eden”, de Alessandro D’Alatri (1998), reconstrução dos “anos obscuros” de Jesus (dos 12 aos 30 anos), em precário equilíbrio entre a ancoragem histórica e sopros imaginíficos, e “Totò che visse due volte”, de Daniele Ciprì e Franco Maresco (1998), em que o Salvador – reduzido a Totò – é inserido em um cenário pós-apocalíptico, em que o grotesco acolhe com angústia as formas de um delírio pervasivo.

Entre os últimos, em ordem cronológica: “A paixão de Cristo” (2003), de Mel Gibson [7], que narra a conclusão (as últimas 12 horas) da vida de Jesus, “Nativity” (2006), de Catherine Hardwicke e o documentário “Via della croce” (2009), de Serena Nono, em que os componentes da comunidade de S. Alvise, em Veneza, percorrem as suas privadas e pessoais viae crucis e relatam a sua visão dos eventos narrados pela Bíblia.

Em produção, estão “Mary Mother of Christ”, de James Foley, e “Let it be”, de Guido Chiesa, enquanto, em uma entrevista publicada depois da entrega do Prêmio Bresson, durante a 66ª Mostra Internacional de Cinema de Veneza, Dom Gianfranco Ravasi, destacando a sua relação privilegiada com a sétima arte, falou de um projeto que ele alimenta há muito tempo, junto aos amigos Ermanno Olmi e Claudio Magris: a realização de um filme sobre Jesus Cristo.

Do texto à contribuição interpretativa

O filme, como todo texto, se oferece a uma multiplicidade de abordagens analíticas que, com metodologias específicas, levam a percursos interpretativos também variados e diferentes entre si. Embora fazendo recurso a elementos derivados das disciplinas do texto, privilegiaremos uma abordagem semiológica, conscientes do fato de que o dispositivo textual em exame, atualizando suas próprias potencialidades comunicativas, pode não apenas veicular dados e informações, mas também pode – sempre exigindo a direta cooperação do espectador [8] – fazer convergir em dados e informações as mais variadas arquiteturas de sentido.

Podemos, portanto, dizer que um filme, a partir do fato de ser concebido como um texto, ou seja, um todo coeso e completo, estende sua própria existência como abertura à abordagem interpretativa do espectador. Por isso, é necessária uma obra de reconhecimento e decomposição dos elementos textuais constitutivos capaz de compreender a estrutura interna e de ligar, intuir e correlacionar elementos externos ao próprio texto.

Assumindo como objeto de análise textos que se colocam em direta relação com outros textos e outros códigos, ou seja, os códigos audiovisuais do filme como reescrita dos códigos verbais do texto sagrado, a questão que se impõe desde já é a de esclarecer, dentro do possível, o conceito de tradução. Será preciso chegar ao século XX para se traçar as linhas do debate teórico sobre a categoria de “tradução”, que muitas vezes permaneceu marginal e extemporâneo, pouco orgânico, de qualquer forma. Falar de tradução significa interceptar a categoria de fidelidade, ou, melhor, as polarizações fiel/infiel, literal ou livre.

Se a tradução de um texto significa de algum modo um processo com o qual se prolonga a existência do próprio texto, “é decisivo conseguir compreender como esse texto pode e deve ser transformado de forma a ser duplamente fiel: seja à sua fonte, seja aos novos destinatários. (…) Toda tradução é boa se conseguir respeitar – juntas – essas duas fidelidades: ao momento originário, passado, e ao momento atual, presente, mas diferente do primeiro. O efeito positivo global de uma boa tradução pode ser descrita assim: ela consegue tornar, novamente, vivo e falante, para certas pessoas, diferentes dos primeiros leitores, um texto que, de outra forma, estaria destinado a permanecer mudo” [9].

O debate teórico, nada simples, encontra um posterior grau de criticidade quando se trata não de uma tradução dentro dos mesmos códigos, por exemplo a tradução da Bíblia, mas de uma passagem de um sistema de códigos a um outro sistema de códigos, como no caso justamente da passagem entre o texto bíblico e as reescritas audiovisuais. A esse propósito, deve ser especificado sobretudo que o termo/conceito a ser adotado nesses casos é o de transmutação ou tradução interssemiótica.

“Nós distinguimos – afirma Jakobson – três modos de interpretação de um signo linguístico, segundo seja traduzido em outros signos da própria língua, em uma outra língua ou em um sistema de símbolos não linguísticos. Essas três formas de tradução devem ser designadas de forma diferente:

  1. a tradução ‘endolinguística’, ou reformulação, consiste na interpretação dos signos linguísticos por meio de outros signos da mesma língua;
  2. a tradução ‘interlinguística’, ou tradução propriamente dita, consiste na interpretação dos signos linguísticos por meio de uma outra língua;
  3. a tradução ‘interssemiótica’, ou transmutação, consiste na interpretação dos signos linguísticos por meio de sistemas de signos não linguísticos” [10].

No caso de filmes que contam a história de Jesus a partir do texto escrito, falamos justamente de tradução interssemiótica, processo complexo que deve levar em conta a questão dos universos semânticos (semântica), dos projetos comunicativos (semiótica) e das instâncias fruitivas (pragmática).

Do ponto de vista semântico, existe, como vimos, uma infidelidade fisiológica: além das competências e dos saberes, todo tradutor é intérprete, permanecendo filho do seu próprio tempo. Além disso, a história do cinema cristológico dá forma às demandas e às tensões culturais e intelectuais dos vários momentos históricos nos quais uma obra ganha corpo.

Outra questão é a do projeto comunicativo que todo texto autoriza (questão semiótica). Todo texto contém as indicações para que o espectador possa cooperar, evitando maus entendidos: basta pensar na codificação das retóricas narrativas dos gêneros cinematográficos e como seria fora de lugar pôr-se diante de um thriller com uma atitude fruitiva idêntica ao de um filme-denúncia. As instâncias fruitivas, a atenção ao momento pragmático, chamam em causa as estratégias e o contexto de consumo.

Do ponto de vista da análise, é interessante pôr à prova o percurso feito, detendo-se nos inícios textuais, início de acesso, início emotivo e cognitivo capaz de orientar (e às vezes de desviar) o olhar do espectador, uma verdadeira interface entre um texto ainda não visto e o espectador.

No que se refere ao “Evangelho segundo São Mateus”, de Pasolini, o texto se oferece ao espectador, desde logo, com uma referência específica ao texto do qual a reescrita audiovisual teve início: o de Mateus. Em uma espécie de construção de atitude filológica, Pasolini especifica: “Texto de Mateus nas edições Pro Civitate christiana“. Na mesma legenda, além disso, é especificado: “A voz de Cristo é de Enrico Maria Salerno“. Trata-se de um início que indica uma perspectiva específica: a de uma reescrita a partir do texto/interpretação de Mateus sobre a vida de Jesus.

Diferente é a decisão de Zeffirelli que, já a partir do título “Jesus de Nazaré”, se coloca em uma perspectiva de releitura unitária das histórias/interpretações de Jesus, perdendo o proprium do texto sagrado que é representado justamente pela polifonia em torno à vida de Jesus (três Evangelhos sinóticos, João e os textos paulinos).

Dois títulos, duas atitudes diferentes, seja na construção da reescrita audiovisual, seja nas indicações fruitivas oferecidas ao espectador [11].

Portanto, e em conclusão, se um texto é representação da realidade, a tradução é interpretação de uma representação. A obra cinematográfica vive assim no dinamismo de um processo laborioso que oscila entre dois polos: o texto originário e os aspectos inéditos da reescrita.

Uma tradução interssemiótica será, portanto, parte do sistema a que pertence e, ao mesmo tempo, porém, representação mais ou menos parcial de uma outra identidade pertencente a um sistema diferente. Uma tradução é filha do seu tempo e também do original, que, às vezes, oferece trechos inéditos também sobre os próprios textos originários. A tradução fílmica torna-se, assim, um dinamismo de extensão e de modificação do original, que encontra uma conclusão provisória apenas com o nosso último olhar.

Às vezes, é possível que o texto da reescrita audiovisual não tenha a força da referência e viva a ingênua pretensão e ilusão de uma fidelidade absoluta. Nesse caso, não estamos diante de transposições ou traduções, mas de verdadeiras traições, prescindindo do êxito estético-formal do filme.

Portanto, “a fidelidade de superfície não é condição (nem suficiente, nem necessária) de uma fidelidade comunicativa de fundo: é possível, de fato, que uma impressão de fidelidade (devida, por exemplo, à manutenção do cruzamento narrativo e à oferta de lugares comuns e estereótipos correspondente à imagem consolidada do universo bíblico) se aparente a uma infidelidade profunda em nível do projeto comunicativo. Assim como é possível que uma liberdade em nível de superfície (por exemplo, construção de um novo cruzamento) se aproxime, ao contrário, de uma fidelidade de fundo em nível de projeto comunicativo [12].

Notas:

1. Cf. “Il cinema e la Bibbia. Atti del Convegno internazionale organizzato da Biblia” (30.10-1.11.1999), organizado por S. Socci, Brescia 2001. Veja-se além disso as atas do encontro realizado em Reggio Emilia em 2007 e organizado pela Associação Italiana de Estudos Semiótico – AISS em Reggio Emilia em 2007: “Destini del sacro. Discorso religioso e semiotica della cultura”, organizado por N. Dusi e G. Marrone, Roma, 2008.

2. No que se refere a ensaios de caráter histórico, dentre outros, destacamos: M. BONGIOANNI, “La figura di Cristo nel cinema dalle origini ad oggi”, Pozzo Gros Monti, Turim, 1978; L. CASTELLANI, “Temi e figure del film religioso”, Elledici, Leumann (TO), 1994; R. ROMEO, “Il Vangelo secondo il cinema. Il cinema cristologico dalle origini ai nostri giorni. Il cinema sindonologico”, E. Romeo, Siracusa, 1995; E.G. LAURA (org.), “Gesù nel cinema”, ACEC, Roma, 1997; A. CAPPABIANCA, “Il cinema e il sacro”, Le Mani, Gênova, 1998; N. SCAVO, “Un uomo chiamato Gesù. Il Vangelo secondo Pasolini, Scorsese, Zeffirelli”, in “Filmcronache” (2001) 12, 27-43; P. DALLA TORRE, C. SINISCALCHI (org), “Cristo nel cinema. Un canone cinematografico”, Ente dello Spettacolo, Roma, 2004; G. BERTAGNA, “Il volto di Gesù nel cinema”, Pardes, Bologna, 2005; D.E. VIGANÃ’, “Gesù e la macchina da presa. Dizionario ragionato del cinema cristologico”, Lateran University Press, Roma, 2005; V. MAROTTA, “Gesù nel cinema”, Ecumenica editrice, Bari, 2006. Entre os livros com abordagem analítica semiótica com particular atenção às condições de reescrita audiovisual do texto sagrado, veja-se: A. BOURLOT, D.E. VIGANÃ’, “Dal tradimento alla traduzione: le figure di Gesù nel cinema”, in “Ambrosius” (1997) 1, 66-72; A. BOURLOT, “Parola, immagine, simbolo. Ascolto e visione nella comunicazione biblica”, San Paolo, Cinisello Balsamo (MI), 1997; ID., “Immagini della Scrittura. Traduzioni della Bibbia fra cinema e televisione”, Queriniana, Bréscia, 2002; D. IANNOTTA, D.E. VIGANÃ’, “Essere. Parola. Immagine. Percorsi del cinema biblico”, Effatà, Cantalupa (TO), 2000.

3. No debate cultural, o interesse pelo texto sagrado como “grande códice” da nossa tradição cultural se liga à relevância do estudo da relação entre Bíblia e cinema na consciência de que, frequentemente e para muitas pessoas, as reescritas audiovisuais são justamente o primeiro e às vezes o único canal de conhecimento do texto bíblico.

4. Para tais repartições, veja-se A. BOURLOT, D.E. VIGANÃ’, “La più grande storia mai girata. Gesù nel cinema fra traduzioni, tradimenti e riscritture”, in “Attualità cinematografiche 1997”, editado por E. Alberione, D.E. Viganò, Milão, 1997, 143ss.

5. Nessa perspectiva, é interessante a contribuição nesse livro sobre o romance de Georges Bernanos (1936) e a sua transposição cinematográfica por obra de Robert Bresson (1951), de E. DAL COVOLO, “La solitudine dell’apostolo. Diario di un curato di campagna di Georges Bernanos”, 135-142. Veja-se, além disso: D.E. VIGANÃ’, G. SCARAFILE, “L’adesso del domani. Rifigurazioni della speranza nel cinema moderno e contemporaneo”, Effatà, Cantalupa (TO), 2007; D.E. VIGANÃ’ (org.), “Il cinema delle parabole”, vol. 1-2, Effatà, Cantalupa (TO), 1999-2000; D.E. VIGANÃ’, “Salvezza nel cinema: dinamiche e storie”, in “Servizio della Parola 410” (2009), 59-75.

6. São muitíssimas as referências bibliográficas a Pasolini e ao “Evangelho segundo São Mateus”. Destaco algumas das últimas obras particularmente significativas: T. SUBINI, “La necessità di morire. Il cinema di Pier Paolo Pasolini e il sacro”, Ente dello Spettacolo, Roma, 2007; A. CANADÈ (org.), “Corpus Pasolini”, Pellegrini, Cosenza, 2008.

7. Cf. AA.VV., “La Passione secondo Mel Gibson”, Ancora, Milano, 2004; D.E. VIGANÃ’, “Una devotio postmoderna? The Passion di Mel Gibson”, in “La Rivista del clero” (2004) 4.

8. Cf. F. CASETTI, “Dentro lo sguardo. Il film e il suo spettatore”, Bompiani, Milão, 1986, 17ss.

9. C. BUZZETTI, “Un episodio condizionato. Le condizioni del tradurre”, in C. BUZZETTI, C. GHIDELLI (org.), “La traduzione della Bibbia nella Chiesa italiana. Il Nuovo Testamento”, San Paolo, Cinisello Balsamo (MI), 1998, 195.

10. R. JAKOBSON, “Saggi di linguistica generale”, Feltrinelli, Milão, 2002, 57.

11. Para um aprofundamento e análise exaustiva dos filmes, veja-se o ótimo livro (já citado): BOURLOT, “Immagini della Scrittura. Traduzioni della Bibbia fra cinema e televisione”, 61ss.

12. A. BOURLOT, “La questione della traduzione”, in AA.VV., “Bibbia e cinema. Possibilità di una traduzione audiovisiva”, Centro ambrosiano, Milão, 1998, 22-23.



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