EstatÃsticas indicam: violência recuou sensivelmente em SP e RJ, mas espalhou-se pelo interior. Novos padrões de consumo, mineração sem-lei e grilagem de terras, na fronteira agrÃcola, são algumas das explicações.
[EcoDebate, 13 fev 12] Entre 2004 e 2007 morreram mais pessoas assassinadas no Brasil do que nos conflitos envolvendo israelenses e palestinos e mesmo na guerra do Iraque. Foram 538.324 homicÃdios em dez anos (2000 a 2010). Só no ano passado, foram 50 mil pessoas assassinadas em nosso paÃs, mais de 130 por dia.
Estes números foram apresentados, em dezembro do ano passado, no “Mapa da violência 2012: os novos padrões da violência homicida no Brasil“. Utilizando a taxa de homicÃdios por 100 mil habitantes como parâmetro para medir a violência e com base nas estatÃsticas de mortalidade registradas pela rede de saúde no paÃs, o estudo mostra a evolução do número de assassinatos na última década.
De acordo com o mapa, a taxa média brasileira — 26 homicÃdios por 100 mil habitantes — permaneceu estável nos últimos dez anos. Mas esta “estabilidade†oculta transformações profundas que ocorreram na distribuição das mortes violentas pelo paÃs neste perÃodo. De forma geral, houve um movimento de forte diminuição nas taxas de homicÃdio nas regiões metropolitanas — principalmente São Paulo e Rio de Janeiro — e grande aumento no interior e nas regiões Norte e Nordeste.
Dos noticiários ao cinema, das polÃticas públicas à s ações de ONGs, a década foi marcada pela imagem da violência. O tema em si e o debate em torno do seu enfrentamento tornaram-se uma espécie de obsessão na cultura e polÃtica brasileiras. Entretanto, enquanto o debate público sobre a violência no paÃs identificava as periferias e favelas metropolitanas como lócusdo crime, a violência foi se disseminando pelo paÃs.
A queda das taxas de homicÃdio em São Paulo e no Rio de Janeiro merece ser celebrada, mas sua interiorização e disseminação pelo paÃs são preocupantes. Hoje, Alagoas, Pará, Bahia, Maranhão e ParaÃba são os Estados que apresentam maiores Ãndices de homicÃdios per capita, com crescimento superior a 300%.
Quem mora em Salvador ou São Luis com certeza sentiu na pele essa mudança. O fato é que o crescimento econômico nestas cidades foi acompanhado pela emergência de um fenômeno antes marginal ou desconhecido: uma cultura da violência muito semelhante à quela repetida obssessivamente na última década nos filmes, noticiários e debates públicos. A disseminação do crack, a homogeneização dos padrões de consumo e o desmantelamento das redes tradicionais de contenção social como famÃlias extensas, sem dúvida, contribuÃram para intensificar o fenômeno.
Marabá, no Pará, terceira cidade com maior Ãndice de homicÃdios, combina os novos fenômenos da década com o já velho e persistente fenômeno da pistolagem, dos conflitos armados nas regiões que fazem parte frente de expansão mineradora e agroindustrial do paÃs. Questões fundiárias — principalmente — que há décadas matam centenas de pessoas na região, agora aparecem nas estatÃsticas nacionais.
Cidades de fronteira (como Guaira no Paraná, quarta no ranking) ou de grande explosão do turismo (como Porto Seguro, quinta pior cidade em termos de homicÃdios) compõem o quadro das situações mais agudas. Entretanto estas são situações extremas, de um quadro que de forma geral revela um novo fenômeno — a disseminação da violência pelo interior do paÃs – para o qual não temos ainda um novo retrato e  muito menos formulamos instrumentos para enfrentá-lo.
Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.