Jovens sacerdotes são convocados para atuar em paróquias na Europa, onde há escassez de mão de obra religiosa e o catolicismo está mergulhado em profunda crise.
[Rodrigo Cardoso, Isto É, 25 nov 11] Uma igreja sem padre, uma fé sem igreja. Entre os europeus esse cenário é mais do que possÃvel. A descristianização da Europa, que outrora foi responsável por levar o Evangelho à América Latina, atingiu um grau tão elevado que há uma corrente de teólogos que acredita que o catolicismo esteja dando adeus ao Velho Continente. Na Holanda, por exemplo, a diocese de Den Bosch, no sul do paÃs, estuda deixar na ativa apenas um quinto das atuais 250 paróquias. O destino da maioria delas poderá ser a transformação em museus e livrarias, o funcionamento esporádico com missa apenas uma vez por semana ou a demolição. “Não há padres, fiéis ou dinheiro suficientes para mantê-lasâ€, diz o frei Jan Bolten, um holandês que, por mais de 40 anos, foi missionário no Brasil e que há três foi escalado para retornar para a sua terra natal. “Os bispos daqui estão buscando padres no Exterior.†Um dos paÃses que têm exportado seus sacerdotes para o Velho Mundo é o Brasil, que outrora mandava seus jovens vocacionados para a Ãfrica e Ãsia.
Bolten e os freis João de Deus Campos, 42 anos, e Luciano Henrique Veras Tito, 33, desembarcaram no frio vilarejo de Handel, no municÃpio de Gemert, próximo da Alemanha, com a missão de não permitir que a chama da congregação dos carmelitas descalços se apagasse. Os três moram na paróquia Nossa Senhora da Assunção e formam uma atuante comunidade católica, algo que não existia quando a igreja era tocada por um holandês. Mineiro de São Lourenço, João de Deus era vigário paroquial em Caratinga (MG) antes de se mudar para a Europa. “Mas eu não celebro somente em Handelâ€, diz ele. “Já rezei missa em outras 20 igrejas holandesas.†A Holanda já foi a maior fornecedora de missionários católicos para o Brasil, meio século atrás. Entre os europeus, o envelhecimento do clero e a diminuição das vocações têm exposto a vida eclesial da região a uma enorme fragilidade, de acordo com o teólogo jesuÃta João Batista Libanio. “Arrisca-se de não se manter a fé cristã em paÃses europeus, outrora sementeiros de missionáriosâ€, diz ele. A ordenação de padres na Holanda é Ãnfima. Há 100 seminaristas, no total, sendo que vários são estrangeiros.
No Brasil, por outro lado, o novo Anuário Católico, que será distribuÃdo pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na segunda-feira 28, mostra um cenário diferente. Aqui, apesar de ainda haver pouco padre por habitante (um para cada 8.624), o número de paróquias e de sacerdotes está em crescimento. Segundo o Anuário, há 22% mais igrejas e 31,8% mais párocos do que em 2000. “O apelo para as vocações sacerdotais tem se intensificado nos últimos anos e vem sendo realizado pelas tevês católicas e as novas mÃdias, como sites e redes sociaisâ€, afirma a socióloga da religião SÃlvia Fernandes, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). “Por outro lado, a figura do padre está se modernizando e dialogando mais com a sociedade, o que pode também funcionar como um fator de atração para a juventude.â€
Padre da paróquia Divino EspÃrito Santo, em Arthur Alvim, zona leste de São Paulo, o paranaense Cláudio Francisco de Oliveira, 38 anos, passou quatro anos celebrando na igreja São José, em Madri, na Espanha, entre 2005 e 2009. Chegou à quele paÃs para cursar um doutorado, mas foi cooptado para celebrar na capital espanhola durante o perÃodo de estudos. “Os padres jovens são minoria e alguns celebram no esquema de rodÃzio. Um amigo de Bilbao, onde há uma residência sacerdotal com 400 padres aposentados, cuida de cinco paróquiasâ€, conta Oliveira, que também acumulava funções rezando cinco missas por semana em uma residência de idosas. O pároco paranaense relata que no PaÃs Basco há seminários sem nenhum aluno. “Lembro que as cidades de Bilbao, São Sebastião e Vitória uniram seus seminários e mesmo assim havia apenas seis estudantes no totalâ€, conta ele. A importação europeia de sacerdotes tem feito com que alguns bispos da América Latina e da Ãfrica sintam receio de enviar seus padres para estudar no Exterior por conta da possibilidade de não tê-los de volta. A preocupação chegou ao Vaticano, que, em uma carta assinada pelo papa Bento XVI, recomenda aos bispos da Ãfrica que orientem seus padres a retornar à terra natal após finalizar os estudos na Europa. Essa indicação foi seguida pelo padre Oliveira, que voltou ao Brasil, apesar de ter recebido uma proposta para seguir a vida eclesial na Espanha.