A classe média foi a grande protagonista e força motriz das revoltas populares e ocupações que marcaram o ano de 2011. Esta é a opinião de Eric Hobsbawm, um dos mais importantes historiadores em atividade.
[Andrew Whitehead, BBC Brasil, 24 dez 11] Em entrevista à BBC, o historiador marxista nascido no Egito, mas radicado na Grã-Bretanha, afirma ainda que a classe operária e a esquerda tradicional – da qual ele ainda é um dos principais expoentes – estiveram à margem das grandes mobilizações populares que ocorreram ao longo deste ano.
”As mais eficazes mobilizações populares são aquelas que começam a partir da nova classe média modernizada e, particularmente, a partir de um enorme corpo estudantil. Elas são mais eficazes em paÃses em que, demograficamente, jovens homens e mulheres constituem uma parcela da população maior do que a que constituem na Europa”, diz, em referência especial à Primavera Ãrabe, um movimento que despertou seu fascÃnio.
”Foi uma alegria imensa descobrir que, mais uma vez, é possÃvel que pessoas possam ir à s ruas e protestar, derrubar governos”, afirma Hobsbawm, cujo tÃtulo do mais recente livro, Como Mudar o Mundo, reflete sua contÃnua paixão pela polÃtica e pelos ideais de transformação social que defendeu ao longo de toda a vida e que segue abraçando aos 94 anos de idade.
As ausências da esquerda tradicional e da classe operária nesses movimentos, segundo ele, se devem a fatores históricos inevitáveis.
”A esquerda tradicional foi moldada para uma sociedade que não existe mais ou que está saindo do mercado. Ela acreditava fortemente no trabalho operário em massa como o sendo o veÃculo do futuro. Mas nós fomos desindustrializados, portanto, isso não é mais possÃvel”, diz Hobsbawm.
Hobsbawm comenta que as diversas ocupações realizadas em diferentes cidades do mundo ao longo de 2011 não são movimentos de massa no sentido clássico.
”As ocupações na maior parte dos casos não foram protestos de massa, não foram os 99% (como os lÃderes dos movimentos de ocupação se autodenominam), mas foram os famosos ‘exércitos postiços’, formados por estudantes e integrantes da contracultura. Por vezes, eles encontraram ecos na opinião pública. Em se tratando das ocupações anti-Wall Street e anticapitalistas foi claramente esse o caso.”
À sombra das revoluções
Hobsbawm passou sua vida à sombra – ou ao brilho – das revoluções.
Ele nasceu apenas meses após a revolução de 1917 e foi comunista por quase toda a sua vida adulta, bem como um autor e pensador influente e inovador.
Ele tem sido um historiador de revoluções e, por vezes, um entusiasta de mudanças revolucionárias.
O historiador enxerga semelhanças entre 2011 e 1848, o chamado ”ano das revoluções”, na Europa, quando ocorreram uma série de insurreições na França, Alemanha, Itália e Ãustria e quando foi publicado um livro crucial na formação de Hobsbawm, O Manifesto Comunista, de Marx e Engels.
Hobsbawm afirma que as insurreições que sacudiram o mundo árabe e que promoveram a derrubada dos regimes da TunÃsia, Egito, LÃbia e Iêmen, ”me lembram 1848, uma outra revolução que foi tida como sendo auto-impulsionada, que começou em um paÃs (a França) e depois se espalhou pelo continente em um curto espaço de tempo”.
Para aqueles que um dia saudaram a insurreição egÃpcia, mas que se preocupam com os rumos tomados pela revolução no paÃs, Hobsbawm oferece algumas palavras de consolo.
”Dois anos depois de 1848, pareceu que alguma coisa havia falhado. No longo prazo, não falhou. Foi feito um número considerável de avanços progressistas. Por isso, foi um fracasso momentâneo, mas sucesso parcial de longo prazo – mas não mais em forma de revolução”.
Mas, com a possÃvel exceção da TunÃsia, o historiador não vê perspectivas de que os paÃses árabes adotem democracias liberais ao estilo das europeias.
”Estamos em meio a uma revolução, mas não se trata da mesma revolução. O que as une é um sentimento comum de descontentamento e a existência de forças comuns mobilizáveis – uma classe média modernizadora, particularmente, uma classe média jovem e estudantil e, é claro, a tecnologia, que hoje em dia torna muito mais fácil organizar protestos.”