[Alana Rizzo, Correio Braziliense, 19 abr 11] Cerca de 30% dos assassinatos de brasileiros fora do paÃs estão relacionados ao tráfico de pessoas, orquestrado basicamente por organizações vinculadas à prostituição. Em vários casos, há a simulação de suicÃdio.
O convite chegou por uma amiga. Viver no exterior, ganhar em euros, mudar de vida… Quem sabe até se casar. Toparam Fátima, Socorro, Verônica, Iulsa e milhares de brasileiras recrutadas anualmente pelas máfias especializadas em tráfico de pessoas. Não há uma estimativa do número de mulheres levadas ao exterior para fins de exploração sexual. O que se sabe é que as organizações estão cada vez mais violentas. E fazendo cada vez mais vÃtimas.
Vinte brasileiras estão desaparecidas em paÃses europeus. A principal suspeita é de que tenham sido assassinadas pelos grupos organizados. O paradeiro delas é totalmente desconhecido há pelo menos quatro anos. Diversas tentativas de localização, inclusive das polÃcias brasileiras e internacionais, foram feitas sem sucesso.
Em média, 30% das mortes de brasileiros no exterior estão relacionadas ao tráfico de pessoas. A maioria das vÃtimas são mulheres que, fora do paÃs, trabalham como prostitutas. Têm entre 18 e 35 anos e não passaram do ensino fundamental. São de famÃlias de baixa renda e já desembarcam endividadas com os patrões. Precisam se submeter a uma rotina exaustiva de violência sexual e psicológica para pagar a viagem, a hospedagem e a alimentação.
“As investigações mostram que as quadrilhas estão se aprimorando. Algumas mulheres não aguentam a escravidão a que são submetidas. Tentam fugir e são mortas. Outras são assassinadas como uma espécie de queima de arquivo mesmo. Sabem como funcionam aquela rede e estão dispostas a denunciarâ€, explica o assessor de Relações Internacionais do estado de Goiás, Elie Chidiac, estado de origem das vÃtimas e da maioria das mulheres traficadas no paÃs.
Para despistar, as organizações criminosas tentam maquiar os crimes levantando hipóteses de suicÃdio e de assassinato cometido por companheiros das vÃtimas. Isso ocorreu no inÃcio do ano com Magda Silva, morta no interior de São Paulo, e com uma goiana encontrada sem vida em Portugal há duas semanas. A famÃlia, que preferiu não se identificar, não acredita que a mulher de 35 anos e mãe de dois filhos no Brasil tenha se enforcado.
No ano passado, quatro brasileiras foram mortas no exterior. Uma delas, Veronica Crosati, foi esfaqueada dentro de casa na Itália. A garota de programa já tinha procurado organizações não governamentais que prestam assistência à s mulheres vÃtimas da prostituição no exterior. Depois de anos de escravidão, queria denunciar seus algozes.
Monitoradas
No Brasil, os aliciadores, além de identificarem o potencial das mulheres, têm entre suas atribuições o monitoramento das garotas que retornam ao paÃs. LetÃcia Peres Mourão saiu de Goiás rumo à Espanha. Dividiu oito anos em pelo menos três cidades — Barcelona, Vilanova y La Geltrú e Tarragona. Ela denunciou o horror enfrentado nos bordéis e voltou ao Brasil em dezembro de 2008. Mudou-se para o Guará (DF), onde foi assassinada. Ficou comprovado nas investigações que o crime ocorreu a mando de uma organização criminosa dona de seis prostÃbulos na Espanha.
Apesar do número de brasileiras vivendo em outros paÃses, a Secretaria de PolÃticas para Mulheres não mantém canal de denúncia ou mesmo um programa de atendimento a esse público. Segundo o órgão, o Ministério das Relações Exteriores é responsável pelas brasileiras no exterior, inclusive pelos casos de morte ou desaparecimento. No ano passado, a PolÃcia Federal abriu 76 inquéritos para investigar o tráfico de pessoas no Brasil.