Ravasi, ministro da Cultura do Vaticano, usa redes sociais, abriu um blog, fala com o administrador do Google e explica por que a Igreja deve ir para rede.
[Marco Ansaldo, La Repubblica, 14 dez 11/IHU 16 dez 11, tradução Moisés Sbardelotto] “O homem é o único animal capaz de corar. Mas também é o único que precisa disso (Mark Twain)”. “Cair não é perigoso, nem é desonroso. Mas não se levantar é as duas coisas (Konrad Adenauer)”. O comentário de um dos seus 4.419 seguidores: “Se todos seguissem @CardRavasi ninguém pediria que a Igreja pagasse o ICI [imposto municipal sobre os imóveis]”. Uma piada, obviamente, mas que dá conta da popularidade de um cardeal agora ativo também no Twitter.
Um cardeal que estreou na rede com um blog pessoal, que colabora com jornais “seculares” online, que vai à TV, que escreve todos os dias a coluna Mattinale do jornal dos bispos Avvenire, que participa em conferências que vão desde a mÃdia à música contemporânea, que organiza encontros inéditos noVaticano para blogueiros jovens. Ele defende que a Igreja está para trás, e que chegou a hora da Internet. Ele também viaja o mundo com a sua iniciativa do”Ãtrio dos Gentios”, que se abriu aos seculares e até mesmo aos ateus.
Quem está fazendo isso não é um herege revolucionário, mas sim o presidente do Conselho PontifÃcio para a Cultura do Vaticano, Sua Eminência ReverendÃssima o cardeal Gianfranco Ravasi. Papável, segundo muitos observadores. O cardeal midiático, de 69 anos, por outro lado, é um vulcão de projetos, e, ouvindo a sua secretária pessoal, ele já tem uma agenda cheia de compromissos para 2012. “Não há nada a fazer – abre os braços, sorrindo, Mons. Pasquale Iacobone, responsável peloDepartamento de Arte e Fé do PontifÃcio Conselho –, ele é um milanês”. E, nas palavras do principal colaborador do purpurado, lê-se: ele é um grande trabalhador, um obstinado, que não desiste nunca.
Com um forte senso de tradição, mas ao mesmo tempo um inovador. Presente hoje no fronte da comunicação como nenhum outro na hierarquia eclesiástica. Os seus tuÃtes vão de citações cultas (os Evangelhos, as cartas de São Paulo, os grandes escritores) a anúncios sobre os eventos que não se pode perder, até os seus encontros, da Cáritas ao CEO do Google.
Grande biblista, teólogo, hebraÃsta e arqueólogo: todas atividades que, nas sábias mãos de Ravasi, não ficam empoeiradas e inacessÃveis, mas adquirem sabor e vigor novos, transformadas em impulsos de ação e de reflexão. Seu Eminência escreve em um dos últimos posts do blog, intitulado Zitti! [Calados]: “É difÃcil viver com os homens, porque é muito difÃcil fazer com que fiquem em silêncio. Depois de uma viagem de trem de algumas horas é difÃcil não dar razão ao pessimismo que marca essa consideração de Nietzsche. (…) Às vezes, vem o desejo de que se cumpra o anúncio do livro do Apocalipse: ‘Fez-se silêncio no céu por cerca de meia hora’ (8, 1). É como se ressoasse sobre o planeta um poderoso ‘Calados!'”.
“Ainda há um longo caminho a ser feito – explica o cardeal –, mas agora é o momento de estar na Internet. Existe um espaço que deve ser preenchido, depois do divórcio entre a linguagem dos sacerdotes e a dos fiéis da Igreja. A Igreja tem à sua frente um problema duplo. De um lado, deve conseguir encontrar uma nova abordagem. De outro, fazer com que a nova linguagem não desgaste o conteúdo: há grandes muito valores que, se reduzidos em um formato muito frio, correm o risco de desaparecer. Eis o complicado desafio: a alma deve entrar em um pequeno formato – e Ravasi parece se referir aos SMS – mesmo sendo infinita”.
E os blogs, então, Eminência? Não há medo no Vaticano dessa onda? “Quem que segue esse fronte – responde o alto prelado, que em maio passado organizou um encontro para os blogueiros no auditório São Pio X – sabe que pode ser um campo muito perigoso, porque é fácil que uma frase, mesmo que mÃnima, possa ter a força de uma ofensa. Mas não podemos nos isentar. Devemos olhar para todo o complexo da informação. E então como podemos ignorar os blogueiros? Os blogs são sujeitos fundamentais da comunicação, mesmo que o seu modo de se relacionar seja diferente com relação a quem, como eu, ainda escreve cartas à mão”.
De fato, Ravasi é um homem capaz de conjugar instrumentos nascidos há pouco com meios amplamente consolidados. Sua Eminência insiste na necessidade de informação. “Este mundo, que à s vezes parece um emaranhado de absurdos, é, no entanto, o nosso mundo. E a leitura do jornal – continua, citando Hegel – é a oração da manhã do homem moderno. É preciso ler os jornais. E é um atitude esnobe aquela de quem diz que nunca lê os jornais, ou melhor, nem sequer os olha: uma atitude equivocada. O próprio fiel, de manhã, deve ter a BÃblia e o jornal, no qual verifica, mede, cruza a sua existência”.
O seu compromisso se estende assim dos tuÃtes aos blogs, a partir dos artigos para a Internet à s comunicações mais tradicionais. Como os programas religiosos no Canale 5, ou os livros (as suas reflexões no Avvenire foram recém-publicadas pela Ed. Mondadori com o tÃtulo Le parole del mattino), ou as conferências internacionais para o “Ãtrio dos Gentios”. Um projeto que remete ao espaço do antigo Templo de Jerusalém. Um lugar que se tornou academia de diálogo, com intelectuais de diferentes origens. E que, de Madri, Paris e Florença, está se espalhando para Bucareste,Tirana, Estocolmo, Chicago.
O cardeal Dionigi Tettamanzi, pouco antes de deixar para Angelo Scola a diocese de Milão, se dirigiu assim a uma catedral lotada: “Muitos dentre os presentes encontraram em ti um autêntico mestre da Palavra”. Não há dúvida de que, com sua prosa pacata, Ravasi tem a capacidade dos grandes divulgadores de tornar fácil e comestÃvel aquilo que é difÃcil e complexo. Ele representa o mais alto exemplo de uma reviravolta na Igreja, como destacou recentemente Eugenio Scalfari no jornal L’Espresso, “do diálogo através do qual se convence o interlocutor ou do qual se está convencido, sem preconceitos”.
Ravasi observa que, “nos últimos anos, houve uma mudança antropológica”. McLuhan, explica, “ensinou-nos que os meios de comunicação tornaram-se a nossa prótese. E essa atmosfera tão permeante atravessa a todos, até mesmo aqueles que se obstinam a não TV em casa ou o computador. A Igreja também está envolvida. Devemos adaptar o diálogo, atualizando-nos. Giovanni Battista Montini, o futuro Paulo VI, dizia em 1950 ao filósofo Jean Guitton: ‘É preciso ser antigo e moderno. De que serve dizer a verdade, se os nossos contemporâneos não nos entendem?”.