É claro que nas lutas sociais estava também incluÃda a inserção nos partidos de esquerda e nas eleições. Porém, não havia muita clareza das diferenças dos funcionamentos e das lógicas entre o campo das comunidades eclesiais, das lutas dos movimentos sociais e da polÃtica. Isso já aparecia desde o inÃcio da década de 1980, na dificuldade de diálogo e de relacionamento entre os cristãos engajados na militância polÃtica e as suas comunidades eclesiais de origem. E muitas vezes os próprios militantes acabavam deixando a polÃtica (no sentido estrito) porque se desiludiam com as lutas internas no partido e com a própria dinâmica do mundo polÃtico. No fundo esperavam encontrar na polÃtica um espaço de construção do “bem comum”, mas só viam “a luta pelo poder”. Essa é uma das razões que levam os cristãos comprometidos com o Reino de Deus e lutam por uma sociedade mais humana e justa a se encaminharem mais para as lutas sociais e se afastarem da polÃtica.
O problema é que sem a ação do Estado (seja pela criação de novas leis ou de polÃticas econômicas e sociais) as reivindicações dos movimentos sociais não se tornam direitos garantidos para toda a sociedade, até mesmo para setores que, de tão fracos, não conseguem se articular em movimentos e nem se vêem como sujeitos portadores de direitos. Além disso, a luta contra o capitalismo neoliberal globalizado pressupõe ações do Estado para limitar e regular o mercado.Não podemos nos esquecer que a grande consigna do neoliberalismo é a redução do Estado ao mÃnimo, sem não falar nos radicais que exigem o fim do Estado, para que o mercado e a sociedade funcionem “livremente”. E para que o mercado funcionasse “livremente”, caberia ao Estado somente a função de garantir os contratos e a segurança, isto é, somente a função de gerenciamento; deixando para trás todas as discussões sobre a democracia e as formas institucionais de “negociação” dos interesses conflitantes no interior da sociedade.
A polÃtica como a construção do bem comum é uma visão boa e ampla da polÃtica, mas esta não é suficiente para criticar radicalmente, pela raiz, a proposta neoliberal. Pois também concebe o Estado como um simples gerenciador da economia e da sociedade. Ele não teria funções e lógicas especÃficas que mereceriam reflexões e ações especÃficas. Essa é, na minha opinião, uma das razões pela qual a teologia latinoamericana não produziu uma teologia do Estado. Nós temos muita teologia sobre a Igreja, mas quase nada sobre o Estado. Parece que depois da “derrubada” do capitalismo não haveria necessidade de se criar um novo tipo de Estado e um novo tipo de democracia, ou mesmo que no processo da luta não haveria necessidade de ir transformando o Estado. Bastaria um lÃder justo e honesto para administrar a nova sociedade. No fundo é a reprodução do mito do “rei justo”, “rei messias”, para os dias de hoje e da ilusão de que a utopia de uma nova sociedade sem conflitos entre interesses, porque uma sociedade sem nenhum tipo de escassez e sem pessoas com visões diferentes e conflitantes sobre o que é o melhor para a sociedade, sem pessoas que desejam o que é do próximo, (ver o décimo mandamento de Deus), é empiricamente possÃvel.
É interessante notar que encontramos também no marxismo essa visão negativa do Estado. Nos paÃses socialistas, a polÃtica também foi reduzida a mera administração enquanto se destruiria o próprio Estado no caminharia para uma sociedade sem Estado. Por isso, neles não havia ou não há democracia de pluripartidarismo. Pois quando se pensa que não há conflito de visões e de interesses, basta um só partido para administrar o paÃs.
Parece que muitos dos neoliberais, marxistas e cristãos da linha da libertação coincidem na sua visão negativa do Estado. Precisamos colocar urgentemente na pauta da discussão teológica e dos debates pastorais a questão da democracia (muito além da democracia burguesa) e do Estado, isto é, uma Teologia PolÃtica na perspectiva da libertação.