[Texto de Neury José Botega, Folha SP, IHU, 6 dez 2010] Diariamente, 25 pessoas põem fim a suas vidas no Brasil. Foram 9.090 suicÃdios oficialmente registrados em 2008. Para cada óbito, no mÃnimo cinco ou seis pessoas próximas ao falecido foram profundamente afetadas. O impacto do suicÃdio na vida das pessoas e da nação é silenciado pela sociedade.
Nos meios de comunicação há orientação, discutÃvel quando adotada em termos absolutos, de não se noticiar suicÃdio. Silencioso, ele resta à margem das tragédias nacionais. Mas é possÃvel evitar uma parcela dessas mortes.
Numa escala mundial, nosso coeficiente de mortalidade por suicÃdio é relativamente baixo: 5,4 mortes em cada 100 mil habitantes, ao longo de um ano. Esse Ãndice cresceu 30% nos últimos 25 anos.
O coeficiente é uma média nacional e esconde importantes contrastes. Em algumas cidades, os Ãndices equiparam-se aos de paÃses do Leste Europeu. Ademais, como somos um paÃs populoso, atingimos o décimo lugar mundial em número total de suicÃdios, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
No espectro do comportamento autoagressivo, o suicÃdio é a ponta de um iceberg. Estima-se que o número de tentativas supere o de mortes em pelo menos dez vezes. Um inquérito populacional elaborado pela OMS e levado a cabo por pesquisadores da Unicamp apurou que, em cada cem habitantes da cidade de Campinas, 17 já haviam pensado seriamente em pôr fim à vida e três efetivamente tentaram o suicÃdio.
A causa de um suicÃdio é invariavelmente mais complexa do que um acontecimento recente que salta à vista e que é tomado como explicação rápida para o ocorrido.
A perda do emprego ou o rompimento de um relacionamento amoroso geralmente são os fatores precipitantes. Na maioria das vezes, pessoas que põem fim à vida sofrem de um transtorno mental subjacente (fator predisponente) que aumenta a vulnerabilidade para o suicÃdio. Depressão e dependência de álcool são os mais frequentes.
Recentemente, nossa sociedade vem-se abrindo para discutir o tema-tabu. O suicÃdio passou a ser enfrentado na arena da saúde pública. Um exemplo disso é a parceria firmada entre a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e a Rede Globo, a partir da qual inserções de 30 segundos entram na programação da televisão.
Há, hoje, considerável informação a respeito do que, em vários paÃses, deu certo em prevenção.
Exemplo recente foi um estudo realizado em serviços médicos de vários paÃses, entre os quais o Hospital de ClÃnicas da Unicamp, que acompanhou, desde o atendimento em um pronto-socorro, 1.867 pessoas que tentaram o suicÃdio.
Metade delas, após sorteio, foi acompanhada por meio de telefonemas periódicos. Após 18 meses, o número de suicÃdios nesse grupo foi, comparativamente, dez vezes menor. Com os telefonemas, a tentativa de suicÃdio deixou, assim, de ser um pedaço de história a ser esquecido ou silenciado.
Em agosto de 2006, o Ministério da Saúde publicou as diretrizes que orientariam um Plano Nacional de Prevenção do SuicÃdio. O plano ainda não saiu. É preciso transformar as diretrizes em ações assistenciais baseadas em evidências cientÃficas, as quais, por sua vez, poderão orientar novas polÃticas de prevenção e estratégias de atendimento.
Na área da saúde, isso constitui um desejado cÃrculo virtuoso entre polÃtica, assistência e pesquisa, que não é simples de ser alcançado.