Presença das novelas da Globo nos paÃses africanos de lÃngua portuguesa é só o lado visÃvel de um fenômeno que tem também aspectos econômicos e polÃticos: o crescente interesse do Brasil pelas ex-colônias de Portugal.
Quem anda pelas ruas de Maputo, capital de Moçambique, pode facilmente ouvir jovens usando gÃrias tiradas de novelas da Globo, como “Eu sou chique, bem!” e “Tá podendo!”.
Nas bancas de jornais de Luanda, capital de Angola, revistas especializadas em televisão estampam atrizes brasileiras na capa, como TaÃs Araújo e Juliana Paes.
Também em Luanda é fácil encontrar franquias de redes populares no Brasil, como Bob’s, Mundo Verde e O Boticário. Isso sem falar nos templos da Igreja Universal do Reino de Deus, presente em todos os paÃses africanos de lÃngua portuguesa.
As novelas da Globo, as lanchonetes do Bob’s e os templos da igreja de Edir Macedo são apenas a face visÃvel de um fenômeno relativamente recente: a crescente presença brasileira nas antigas colônias portuguesas na Ãfrica. Além do visÃvel aspecto cultural, essa presença possui um viés econômico e outro polÃtico.
Relações econômicas priorizam Angola e Moçambique
O lado econômico é especialmente forte na relação com Angola – cuja independência, em 1975, o Brasil foi o primeiro paÃs a reconhecer. Apenas quatro anos depois, a Petrobras chegava ao paÃs africano, hoje o terceiro maior produtor de petróleo da Ãfrica.
Mas, segundo o site da petrolÃfera, foi só recentemente – a partir de novembro de 2006 – que a empresa passou a atuar de forma mais agressiva em Angola, como operadora em três blocos de exploração de petróleo.
Também forte em Angola é a Construtora Norberto Odebrecht, que está no paÃs desde 1984, quando iniciou a construção da hidrelétrica de Capanda, com capacidade de geração de 520 megawatts.
Hoje a empresa atua em diversos setores, como a construção de rodovias e em projetos de pavimentação, saneamento e urbanização, empregando mais de 24 mil pessoas.
“As relações do Brasil com Angola são muito mais intensas e muito mais antigas”, afirma o sociólogo alemão Gerhard Seibert, do Centro de Estudos Africanos de Lisboa. “Mas Moçambique também desempenha um papel econômico cada vez maior.”
Na provÃncia de Tete, no centro de Moçambique, a mineradora brasileira Vale está investindo 1,3 bilhão de dólares para extrair carvão de uma das maiores minas não exploradas do mundo. A produção anual deverá chegar a 11 milhões de toneladas a partir de dezembro de 2010 e empregar 1,5 mil pessoas. O contrato foi assinado em 2007.
Brasil busca papel maior no cenário internacional
No aspecto polÃtico, Seibert vê uma clara mudança na polÃtica brasileira para a Ãfrica com a chegada à presidência de Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2003.
Lula foi o presidente brasileiro que mais viagens fez à Ãfrica – foram dez até o final de 2009, incluindo todos os paÃses de lÃngua portuguesa, alguns mais de uma vez. Também no seu governo, o número de paÃses africanos nos quais o Brasil possui representação diplomática passou de 18 para 34.
Na opinião de Seibert, essa valorização da Ãfrica na polÃtica externa brasileira segue objetivos econômicos: a busca de mercados para produtos e empresas brasileiras e a garantia de matérias-primas.
Mas há, também, objetivos polÃticos: “As relações com a Ãfrica fazem parte de uma polÃtica externa que tenta dar um papel maior ao Brasil no contexto internacional, e isso inclui a ambição de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU”.
Para o especialista, a Ãfrica é só uma parte da polÃtica externa “mais expansiva” adotada pelo governo Lula. Ela inclui ainda a maior presença do paÃs em fóruns internacionais como o G20 ou as reuniões com os paÃses BRIC (Rússia, Ãndia e China).
Já Lula apresenta sua polÃtica africana como o pagamento de uma dÃvida, afirmando que o Brasil tem um compromisso moral e ético com o continente, uma referência ao passado escravagista brasileiro. O presidente gosta de repetir que o Brasil é o paÃs com a maior população negra fora da Ãfrica.
Estudar no Brasil
As frequentes visitas à Ãfrica trouxeram popularidade a Lula no continente, o que, somado ao mundo idÃlico apresentado em várias novelas televisivas, acaba por reforçar uma imagem positiva do Brasil.
“A imagem que temos do Brasil é muito boa, até porque a mÃdia que vem do Brasil são as novelas”, conta o universitário são-tomense Edileny Lima de Souza, que estuda administração de empresas na PUC em Porto Alegre.
O guineense Francisco Ialá, que cursa Direito na mesma universidade, diz que também no seu paÃs a imagem do Brasil é muito boa. “As novelas que mais passam na Guiné-Bissau são as brasileiras. Toda a cultura brasileira influencia a Guiné-Bissau.”
Ambos encontraram um Brasil diferente do que aquele que conheciam pela televisão. “As novelas brasileiras não retratam a situação como ela é. É mais glamour, praia e coisas boas, sem os problemas de infraestrutura, desigualdade e preconceito. São coisas que eu vivenciei e não esperava”, diz Edileny
Edileny e Francisco estão entre os quase 4 mil africanos selecionados para estudar no Brasil entre os anos de 2000 e 2009. Eles receberam uma bolsa de estudos do programa PEC-G, do Ministério das Relações Exteriores.
Na Ãfrica, os principais beneficiados pelo programa são os paÃses de lÃngua portuguesa, Cabo Verde e Guiné-Bissau à frente. A maioria dos estudantes volta ao seu paÃs de origem. Estudar no Brasil é algo comum entre os cabo-verdianos – até o primeiro-ministro do paÃs, José Maria Neves, estudou na Fundação Getúlio Vargas (FGV) nos anos 1980.
Para Edileny e Francisco, o Brasil desempenha um importante papel no ensino superior. “Para os paÃses lusófonos em desenvolvimento, o Brasil desempenha um papel importante na formação de quadros profissionais”, diz Edileny, que afirma: “Volto para São Tomé porque quero ajudar meu paÃs a crescer.”
Autor: Alexandre Schossler
Revisão: Roselaine Wandscheer
Fonte: DW, 22 março 2010