[Observatório da Imprensa, 22 nov 11] Michel Foucault inicia seu extraordinário livro Arqueologia do Saber (1969) questionando algumas identidades fixas que orientam as nossas vidas, na suposição de que elas sejam eternas e que sempre tenham existido. O que é o sujeito? O que é uma pessoa, com sua identidade de gênero, étnica, econômica? Existe alguém que seja ele mesmo, uma identidade fixa, definida?
Quem sou eu?
Este é, pois, o primeiro axioma: não existe sujeito integralmente ele mesmo.
Somos muitos, com algumas tendências que prevalecem através das quais me fazem pensar ser eu mesmo um comunista, um poeta, um professor, um homem, um brasileiro, mineiro, com uma biografia marcada pela pobreza e pela ação solidária e socialista de minha mãe, que tem 15 filhos e que isso e isso e isso. Percebo-me a partir desses viveres que vivi, embora não sejam de forma alguma isolados, apenas meus, mas também de muitas outras pessoas: milhares, milhões, bilhões.
E eis que chego ao segundo axioma: eu não sou eu mesmo, mas um arquivo de experiências de vidas, inclusive de vidas antÃpodas das que acredito ser eu mesmo. Eu sou também ditador, torturador, indiferente, cÃnico, assassino.
Crenças de fixidez identitária
E eis que alcanço o terceiro axioma: sou o mundo inteiro, todas as possibilidades de ser, no atual presente histórico, embora manifeste tudo isso tendo em vista as misturas que fui realizando no decorrer de minha vida, a partir das migalhas de ser – em função da pobreza –, que pude catar aqui e ali. Continue lendo