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Tu sempre estás comigo ~ Thomas Merton

Senhor meu Deus,
não tenho idéia de aonde estou indo.
Não vejo o caminho diante de mim.
Não posso saber com certeza onde terminará.
Na verdade, nem sequer, em verdade, me conheço.
E o fato de eu pensar que estou seguindo tua vontade,
não significa que o esteja.
Mas acredito
que o desejo de te agradar te agrada, de fato.
E espero ter esse desejo em tudo que estiver fazendo.
Espero jamais vir a fazer alguma coisa
distante desse desejo.
E sei que, se agir assim,
tu hás de me levar pelo caminho certo,
embora eu possa nada saber sobre o mesmo.
Portanto, hei de confiar sempre em ti,
ainda que eu possa parecer estar perdido
e sob a sombra da morte.
Não hei de temer,
pois tu sempre estás comigo,
e nunca hás de deixar
que eu enfrente meus perigos sozinho.

O Deus que nos levanta ~ por José Roberto Prado

A reação natural de um pai ao ver seu pequeno filho caído é estender a mão para levantá-lo.

A omissão, neste caso, seria sinal de desequilíbrio mental, alienação ou desamor.

Jesus argumenta: Se vocês que são maus sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai celestial? (Mt 7.11).

Por que então, tantos de nós rejeitamos a mão estendida de Deus?

Por que insistimos em ficar caídos, rastejando pela vida, comendo o pão amassado pelo Diabo, sofrendo nas mãos de nossa própria consciência, ao invés de voltar-nos à Deus?

Uma das razões, talvez a mais grave, seja o fato de que não queremos reconhecer que estamos caídos.

Não queremos dar o braço a torcer.

Não nos agrada a idéia de estarmos errados.

Em outras palavras… Nosso orgulho nos afasta de Deus e, ao contrário do que possa parecer, nos impede de andar de cabeça erguida. Continue lendo

Fica Firme, Zorô! ~ por José Roberto Prado

Todos queremos fazer diferença. Deixar nossa marca, ainda que pequena, na história e na vida de outras pessoas. Fomos criados com este “senso de realização”, faz parte da ‘Imago Dei’ que carregamos.

Fomos pragramados para nos completarmos quando nos relacionamos construtivamente. Um amigo já disse: “Pessoas precisam de Deus; Pessoas precisam de pessoas”. Como isso é verdade!

Nós que nascemos “do alto” (Jo.3:3) encontramos realização quando, movidos pelo amor do Pai e das otras pessoas, imprimimos a marca Dele (abençoamos) – não a nossa – na vida dos que nos rodeiam.

A indiferença, o egoísmo e a desequilibrada busca de auto-satisfação, tão comum no nosso mundo consumista-individualista, não representam a normalidade para a qual fomos criados. É enfermidade, e das bravas. Na nova vida que recebemos de Deus com o novo nascimento, normal é vivermos em mutualidade e nos realizarmos uns com os outros. Continue lendo

Crônica de uma tempestade ~ por José Roberto Prado

Havia sido um longo dia. Acalmar e organizar a multidão, ouvir os apelos das pessoas que buscavam por cura, libertação e conselho não foi fácil. Eram mais de cinco mil, de várias localidades. O Mestre, como sempre, tranqüilo. Perguntávamos uns aos outros de onde ele tirava tanta paciência para tratar com gente tão sofrida, tão complicada. Nada parecia lhe incomodar! Nem o calor, nem os gritos das crianças, o murmúrio impaciente dos doentes. Atendia a todos. Um a um!

A tarde chegou e com ela a fome. Não havia cidade por perto e o povo também não levou lanche. O que será que pensaram? Somente um garotinho fora prevenido. Parece que era um gordinho… (Desses que sempre tem um lanchinho escondido para as emergências…). Mas como alimentar a multidão? Melhor despedi-la, pensamos nós. O Mestre, pra variar, nos colocou numa sinuca: Alimentem-lhes! Continue lendo

Vivendo no Hiato ~ por José Roberto Prado

Segundo o dicionário, hiato é uma fenda, um intervalo, uma lacuna. Uma espécie de espaço-tempo onde o que existe é o vazio, onde reina o caos. Sua principal característica é a ausência, a falta de algo e não um conteúdo.

Para muitos, a vida parece estar presa a um hiato. Como um buraco-negro existencial, deslizamos entre dias rotineiros, casamentos falidos, agendas ocupadas, contas a pagar e fotografias sorridentes na coluna social. Todos os nossos dias sem sabor, vividos no hiato… Sem sentido.

Esta percepção incômoda zomba de nós com sua gargalhada insolente especialmente quando algo de ruim, de extraordinário, chega até nós. Basta um telefonema, um diagnóstico, e lá vamos nós. Como a barragem trincada de uma represa, nossos piores temores brotam do interior de nossas almas com uma força que desconhecíamos. Os dias ficam cinzentos, as noites mais longas, o apetite se vai e o copo não se esvazia.

A vida no hiato é capaz de provar por “a + b” que os muros dos condomínios, com suas cercas elétricas e vigilância monitorada, não conseguem impedir a entrada do sofrimento em nossas casas. Planos de saúde não são capazes de barrar os vírus, bactérias e células cancerígenas. Religiosidade sincera, velas acesas, promessas, figas e pés-de-coelho não impedem que sejamos vítimas de seqüestros-relâmpago, assaltos à mão armada, arrastões, balas perdidas. Continue lendo

Fé e política: de novo? ~ por Jung Mo Sung

Church from Macedonia

Eu sou de uma geração de cristãos que foi marcada intensamente pelo debate sobre “a fé e a política”. Na década de 1980, ser um cristão que assumia a tarefa de anunciar a boa-nova de Jesus ao mundo e de “construir” o Reino de Deus era sinônimo de discutir e fazer política. Como diziam os teólogos e assessores das pastorais de então, a política é o campo da luta pelo bem comum e justiça social e as comunidades cristãs devem participar dela.

Falo disso não por um saudosismo, que sempre tende a pintar o passado melhor do que foi e assim vê o presente pior do que é. Mas porque penso que devemos -ou podemos- aproveitar as semanas que precedem a eleição e refletirmos sobre a fé cristã, o compromisso com justiça social e a política.

Eu penso que um dos diversos equívocos que cometemos no passado, no meio de boa vontade e de muita doação e luta, foi o de confundir os distintos campos que compõe a relação entre a fé, o compromisso social e a política. Muitos de nós pensávamos que não há diferenças qualitativas entres eles. Ser cristão, membro de uma comunidade de fé, significava assumir o compromisso de “construir” o Reino de Deus. E a “construção” do RD passava necessariamente pelas lutas sociais em favor dos pobres; e todas as lutas eram vistas como política, sem uma distinção clara entre lutas sociais e a ação política, ou entre o campo da sociedade civil e a esfera da sociedade política. Assim, a fé e a política eram vistas como inseparáveis e, em alguns lugares, como indistinguíveis. Por isso, muitas vezes se pensava que falar de política era já anunciar o evangelho.

Eu continuo com a convicção de que ser cristão, ser seguidor de Jesus de Nazaré, é anunciar a boa-nova (evangelho) aos pobres, a boa-nova da libertação de todas as formas de opressão que pesam sobre excluídos/as de todo o mundo. E não se pode fazer isso sem tomar parte nas lutas e/ou ações sociais, ao lado das vítimas de sistemas econômicos, políticos, sociais e culturais opressivos e excludentes.

Contudo, devemos tomar cuidado para não cair no erro de não perceber as diferenças que existem nas dinâmicas e nas identidades entre as comunidades de fé, lutas sociais e o campo da política e Estado.

Essa confusão está bastante presente na sociedade e também no interior das comunidades cristãs “engajadas” nas lutas sociais. Em grande parte, por causa da concepção de política como “bem comum” tão difundida nos inúmeros cursos e materiais espalhados Brasil afora. Como as comunidades devem lutar pelo bem comum, essa luta se dá majoritariamente no campo social e se entende a política como a busca do bem comum, parece que há um caminho que liga esses três campos sem grandes problemas.

Esse tipo de confusão pode trazer sérios problemas práticos. Um deles se dá a partir da noção do “bem comum”. Como a discussão sobre o “bem” se dá no campo da ética, as igrejas cristãs costumam associar o debate e a luta pelo “bem comum” com a moral. No caso específico da teologia católica clássica, no campo da moral social. Nos seminários e nas faculdades de teologia, a questão dos problemas sociais, da política e a busca do bem comum é discutida nas aulas da moral social ou nas de doutrina social da Igreja. Isso pode gerar dois tipos de problemas. Primeiro é a desvalorização da questão social, pois não faria parte da “teologia sistemática” que discute as questões fundamentais da fé. O compromisso e as lutas em favor das vítimas e dos pobres seriam no máximo uma aplicação da fé, mas não uma parte essencial da identidade de ser cristão e da reflexão teológica.

O segundo é a tendência de “moralização” da discussão e ação política. Na medida em que não se percebe as especificidades do campo político (no sentido estrito relacionado ao Estado), não se discute as questões ligadas às instituições e à estrutura do Estado. Uma boa parte do debate se dá em torno da “honestidade”, da “santidade”, dos candidatos e das acusações de corrupção. (Isto sem falar em quão católico ou cristão é o candidato e o quanto vai defender os interesses ou as doutrinas morais da Igreja. O que é um grande equívoco e uma tentativa de voltar ao tempo da cristandade.) É claro que essas questões de honestidade e competência são também importantes, mas o que quero chamar atenção é que não se constrói uma sociedade mais justa e uma nova ordem político-econômico-social reduzindo o debate às questões morais ou a apelos morais. Se os apelos morais e a boa vontade fossem suficientes para criar um mundo mais justo, um mundo já teria sido “convertido” há séculos atrás. É preciso recriar o Estado e o sistema econômico.

Um efeito colateral destes problemas pode ser visto na ausência de uma séria reflexão teológica sobre o Estado na teologia latinoamericana. (A TL produziu uma consistente crítica teológica ao mercado/economia; e a filosofia da libertação, especialmente Enrique Dussel, tem produzido uma filosofia política da libertação).

Eu penso que devemos aproveitar esta época de eleição para rediscutirmos a questão da relação entre a fé e a política. Precisamos aprender com os erros do passado e com as novas reflexões teóricas e práticas que estão surgindo no presente. (A continuar…)

Jung Mo Sung é Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo. Autor, com Hugo Assmann, de “Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus.
Fonte: Adital

Era uma vez um junípero… ~ por José Roberto Prado

Em sua carta, Tiago afirma que o profeta Elias era um ser humano como nós (5:17).

Para alguns, esta afirmação é difícil de ser compreendida.

Como se identificar com alguém que confrontou um rei, ressuscitou um jovem, orou para que não chovesse e não choveu, orou pra chover e choveu, orou pra que viesse fogo do céu e veio… E de quebra, foi arrebatado num carro de fogo?

Mas existe uma outra face de Elias.

O Elias que se sente sozinho, foge para o deserto, senta-se debaixo de um Junípero (ou zimbro em outras traduções, uma árvore nativa do deserto) e pede pra “ser promovido”.

Eu consigo me identificar com Elias. Continue lendo

Na montanha, o Senhor proverá! ~ por José Roberto Prado

A  expressão acima é reflexo da resposta que o patriarca Abraão dá ao seu seu filho Isaque quando este lhe pergunta a caminho do Monte Moriá: As brasas e a lenha estão aqui, mas onde está o cordeiro para o holocausto? (Gn 22.7)

Isaque, um jovem adolescente na época, acompanhava seu velho pai numa jornada de três dias rumo ao monte Moriá para uma ocasião especial. Não sabia ele que Deus, contrariando todas as promessas feitas a Abraão em relação a sua própria vida, havia ordenado ao seu pai que oferessesse, ele mesmo, Isaque, em sacrifício…

De tão dramática, esta narrativa gerou um provérbio professado em momentos de crise: “Na montanha, o Senhor proverá!

É uma corajosa declaração de fé no Deus que prova, mas que também nos dá o escape. Continue lendo

Jacó e o Deus que nos quer lutando ~ por José Roberto Prado

Em nossa caminhada de fé, seguindo as pegadas de Cristo, mais freqüentemente do que gostaríamos de admitir, as circunstâncias levantam-se contra as promessas que recebemos de Deus em sua Palavra.

Como um alpinista que segue em direção ao cume, quanto mais avançamos pra perto de Deus, mais íngreme se torna a parede à nossa frente, mais escorregadio nosso chão, mais frio e rarefeito o ar; difícil até mesmo pra respirar.

Diante desta incontestável realidade, olhamos para cima, perplexos, e paramos:

Não faz sentido! Continue lendo

A Fé dos Humanistas ~ Francis Schaeffer

Duas Colunas

Duas colunas distinguiam a Igreja cristã primitiva de qualquer outro sistema religioso. A primeira dizia respeito ao fundamental problema da autoridade. Em tal Igreja só existia uma autoridade final: a Bíblia, a Sagrada Escritura. Isto se depreende claramente dos ensinamentos de Jesus, de Paulo e da totalidade do Novo Testamento. Entre os leitores do presente tratado, muitos crerão que a Igreja primitiva estava certa em sustentar este conceito da Escritura; porém, até mesmo aqueles que não o aceitam, deveriam compreender que tal foi o conceito da Igreja, para assim entender intelectualmente a mesma.

Os primeiros cristãos criam que a Sagrada Escritura lhes dava uma autoridade externa ao âmbito do relativista, mutável e limitado pensamento humano. Assim, com esta visão da Palavra, tinham o que consideravam uma autoridade não humanista.

A outra coluna da Igreja primitiva que a diferenciava de todos os demais sistemas religiosos era sua resposta à pergunta: Como se achegar a Deus? Se Deus existe e é santo, perfeitamente santo, vivemos num universo moral. Se Deus não existe ou se é amoral ou imperfeito, vivemos, conseqüentemente, num universo relativo com relação à moral. Por outro lado, se Deus é perfeito, e mantém sua total perfeição, então, como é óbvio que nenhum homem é moralmente perfeito, todos eles estarão condenados. A única coisa que poderia resolver este dilema, verdadeiramente básico, acerca de se o universo é moral ou amoral, seria o ensinamento da Bíblia e da Igreja primitiva. Tal ensinamento foi que Deus nunca diminuiu o nível de Suas normas, que Ele exige perfeição e que, portanto, Ele é completamente moral; e que, porém, por causa do amor de Deus, veio Jesus Cristo como Salvador, e realizou uma obra infinita e definitiva na cruz, de maneira que o homem já pode se achegar ao Deus totalmente santo e perfeito, apoiado nesta obra perfeita e consumada, pela fé e sem obras humanas relativas. Estamos tão acostumados a falar disto dentro de um contexto religioso, que esquecemos das implicações intelectuais. Diremos de novo que, tanto se se crê no que a Igreja primitiva e a Bíblia ensinaram, como se não se crê, deve-se entender este ponto que estamos tratando, ou não se poderá compreender a tal Igreja, nem seu caráter distintivo.

Uma vez que se ensina a exigência por parte de Deus de perfeição total, se mantém a existência de um universo moral; e ao se ensinar a obra perfeita do Salvador, segue-se que não necessariamente todos os homens sejam condenados. Assim, qualquer elemento humanista e egoísta é destruído. Até mesmo se o cristianismo não fosse verdade, e nós cremos que ele o seja, esta seria uma resposta titânica; jamais nenhum outro sistema – seja religioso, seja filosófico – deu semelhante resposta.

Assim, pois, as duas colunas distintivas da Igreja primitiva eram um golpe combinado e completo contra o humanismo. A autoridade ficava fora da mutável jurisdição humana e assim, o acesso pessoal de cada indivíduo ao Deus eternamente santo se baseava, não nos atos morais ou religiosos relativos do homem, mas na absoluta e definitiva obra (e por ser Ele Deus, infinita) de Jesus Cristo. Tudo isto fazia que o homem fosse arrancado do centro do universo, donde havia intentado situar a si mesmo, quando se rebelou contra Deus na histórica queda no Éden, e destruía o humanismo, atacando-lhe no seu próprio coração.

Uma mudança

Uma mudança apareceu nos tempo do imperador Constantino. Este fez paz com a Igreja, porém, começou a se intrometer nela. Esta mudança de direção progrediu lentamente no princípio, e logo com crescente velocidade. Tendo começado com Constantino, foi orientada em sua direção definitiva na época de Gregório o Grande; e não com respeito a questões incidentais, mas ao conceito básico. Tal mudança de direção destruiu as duas únicas colunas, às quais referimos mais acima. A Igreja viria a ser o centro da autoridade, no lugar da Palavra de Deus. Aqui é reintroduzido o elemento humanista. Com relação à segunda coluna, é agora afirmado que a salvação, em vez de descansar somente sobre a completa obra de Cristo – isto é, sua obra consumada no espaço e no tempo, na história – se sustenta também nas obras humanas. No sistema católico-romano, estas obras se acham em três importantes âmbitos. O primeiro é o da missa. Não se considera já, na missa católico-romana, que Jesus Cristo consumou Sua obra no espaço de tempo histórico em que morreu na cruz, mas que Jesus Cristo está sofrendo constantemente. Ele sofre de novo, no sacrifício não sangrento, cada vez que se celebra uma missa. Porém há mais ainda: considera-se que aqueles que participam da missa estão oferecendo a Cristo em sentido ativo. Basta ler o missal católico-romano para dar-se conta da força disto. Cristo é oferecido pelo oficiante, porém quem participa da missa participa em seu oferecimento ativo de Cristo.

Achamos o segundo elemento humanista no âmbito da penitência. Esta é o sofrimento na vida atual, seja religioso, seja de uma maneira geral, para compensar a ausência de boas obras positivas. Assim, o sofrimento tem valor prático.

O terceiro elemento humanista diz respeito ao âmbito do purgatório, no qual o valor do sofrimento se projeta para o futuro. Sofre-se até merecer o mérito de Cristo.

Claro está, que desta maneira se destroem totalmente as duas colunas básicas da Igreja primitiva, e assim encontramos no sistema católico-romano um retorno ao que está especificamente relacionado com os demais sistemas humanistas.

Os críticos da arte

Os críticos da arte, literatura, etc., entendem estas coisas e as expõem com notável clareza. Numa publicação de Skira sobre Botticelli, Giulio Carlo Argan, italiano, crítico de arte, escreve: “O fato é que, certamente, nos planos políticos e religiosos havia um grande futuro para este sincretismo da arte e da cultura, uma vez que aquele havia sido incorporado ao programa humanista progressivamente estabelecido pela Igreja depois do sério Cisma do Ocidente (1378-1417), já que esse programa facilitava, no final das contas, uma justificação histórica da fé cristã, admitindo a Antiguidade clássica como sua e mostrando-a arrogantemente como a filosofia natural do homem, o prelúdio providencial à revelação da verdade absoluta por Jesus Cristo. Porém esta grandiosa, sistemática síntese de história, natureza e fé, que iria constituir a base ideológica do classicismo de Rafael…” No exposto, Argon resume e explica o humanismo básico da Igreja Católica Romana.

Notem-se três coisas:

  1. Ele diz que se trata de um programa humanista.
  2. Diz que a justificação histórica da fé cristã – justificação ante aqueles que representam a cultura humanista em volta, ante os homens que estão fora da Igreja -, foi proporcionada por uma síntese sistemática.
  3. Destaca que com esta síntese, traça-se uma linha ininterrupta entre a Antiguidade e a verdade revelada em Jesus Cristo.

Tudo está escrito, certamente, numa História de Arte, e desde o ponto de vista da arte; porém, o que disse o autor é verdade de modo geral. O catolicismo romano constitui um intento de síntese entre as noções humanistas em volta e as não humanistas da Escritura.

A pintura do Renascentismo deixa isto sumamente claro. Rafael planejava pintar quatro habitações no Vaticano. Pintou duas, e seus discípulos as outras duas. Um das habitações pintadas pelo próprio Rafael, nos proporciona uma claríssima prova do que descreve Argan como “a base ideológica do classicismo de Rafael”. Numa parede desta habitação pintou a Igreja, tal como a via em sua forma católico-romana, e na oposta, “A Escola de Atenas”. Isto não foi por casualidade, já que o fez assim de propósito. Trata-se de uma expressão artística do intento católico-romano de síntese entre a filosofia humanista, e a não humanista da Palavra de Deus.

No tempo em que Rafael trabalhava no Vaticano, Miguel Ângelo pintava a Capela Sistina. Devem-se considerar os aspectos de sua obra na mesma. Primeiro, as pinturas do teto; logo, as da parede do fundo.

No abobadado teto pintou uma séria de figuras colocadas de uma forma que dava a impressão de sustentar a seção central do mesmo. Estas figuras correspondem alternativamente a um homem e uma mulher. Colocou o nome correspondente debaixo de todas elas, de modo que não pode haver equívoco com relação ao que estava dizendo. Os homens representam os profetas do Antigo Testamento. As mulheres, as antigas sibilas. Colocou a todos alternativamente como iguais. Eis aqui sua maneira de dizer o que dizia Rafael com suas pinturas do Vaticano. Na abóbada assim sustentada, achamos a representação pictórica do cristianismo.

Assim, Miguel Ângelo entende e expõe claramente como em seu tempo a Igreja Católica Romana se esforçava para realizar a síntese entre o antigo humanismo e o cristianismo bíblico.

A pintura da parede do fundo da Sistina nos diz a mesma coisa. Representa o Juízo Final, e quando se contempla pela primeira vez, pensa-se que, exceto pelo lugar central de Maria, é uma cena bíblica. Porém, logo se observa a existência de um pequeno barco na parte inferior direita, e se adverte que nos achamos diante do barco no qual os mortos eram conduzidos através do rio Estigia, segundo a mitologia pagã. A pessoa então, se dá conta que a cena não procede da Bíblia, mas de Dante, que já trabalhou sobre a base da mencionada síntese.

O teólogo mais importante

O teólogo mais importante da Igreja Católica Romana é Tomás de Aquino. A leitura de sua Summa manifesta claramente a ênfase na mencionada síntese. Assim, o que vimos dizendo não é desconhecido na apresentação da própria Igreja Católica Romana. Tanto em sua arte, como em sua teologia, o catolicismo romano está edificado específica e centralmente sobre o intento de síntese entre os pensamentos humanista e bíblico.

Este elemento humanista do catolicismo romano explica o desenvolvimento da mariologia. Maria representa o mesmo. Tu, homem, individualmente não alcanças a vitória porém, Maria, sim, Maria, venceu. E, deste modo, temos um triunfo vicário do homem. Do mesmo modo, os santos católicoromanos representam também uma humanidade vicária, vitoriosa. O homem triunfou.

Seguindo a atual ênfase comum, que intenta apagar as diferenças entre as diversas religiões, se diz freqüentemente, inclusive por evangélicos, porém afetados por esta tendência, que o catolicismo romano adora ao menos, com toda segurança, ao mesmo Deus que a Igreja primitiva e a Reforma. Desgraçadamente, a resposta é: não. O catolicismo romano não adora ao mesmo Deus. A entrada do elemento humanista no sistema católico fez com que Deus seja considerado como um Deus distinto do apresentado na Bíblia. O Deus bíblico é inteiramente santo. Ele não pode aceitar nem a menor imperfeição moral. Se o Deus totalmente santo quiser tratar com algum homem, depois da rebelião deste, sobre qualquer elemento da obra moral humana, só poderia condená-lo. Por isso, no sistema bíblico, Deus permanece inteiramente santo, e nós vivemos num universo absolutamente moral. No sistema católico-romano, Deus não é totalmente santo, já que aceita a imperfeição. Tal sistema afirma que somos salvos pelo mérito de Jesus Cristo, porém introduzindo o elemento humanista, porque o homem deve merecer o mérito de Jesus Cristo. A saída definitiva do purgatório se baseia no merecimento. Este se obtém: 1) Pelas boas obras nesta vida, tanto religiosas como morais; 2) pelo valor dos sofrimentos experimentados na vida presente, que compensam o que faltou com relação às boas obras; 3) pelo valor do sofrimento que se experimenta no purgatório, o qual compensa o que faltou nos sofrimentos da vida na terra. Quando se tem alcançado isto, o mérito de Cristo é merecido. Tudo isso significa que o homem triunfou. Porém, quer dizer também que se adora a um Deus que não é completamente santo. Desde o ponto de vista bíblico tudo isso é, naturalmente, trágico; porém, para alcançar uma compreensão intelectual disso, deve-se entender também que significa que o cristianismo bíblico conduz finalmente, na realidade, a um Deus humanista, não absoluto. Com pesar, porém com uma finalidade definida, deve-se entender e afirmar que o Deus do sistema católico-romano não é o da Sagrada Escritura. Esse Deus é imperfeito; e o universo não é, portanto, absolutamente moral.

Nada novo

A Reforma não reconheceu nem ensinou nada novo. Isto é, nada novo em referência ao ensinamento da Igreja primitiva. A Reforma voltou simplesmente às duas colunas básicas a que nos referimos mais acima. A Palavra de Deus era a única autoridade, e a salvação tinha como base única a obra definitiva do Senhor Jesus Cristo, consumada na cruz. Tudo isso significava a remoção dos elementos humanistas. A Reforma foi revolucionária porque se apartou tanto do humanismo católico-romano, como do secular.

Para entender o que sucedeu depois, deve-se ter em conta que, há uns 250 anos atrás, o humanismo tinha se introduzido na Alemanha, e desta vez nas igrejas que haviam surgido da própria Reforma. Isto foi o nascimento do que na atualidade se chama usualmente liberalismo ou modernismo protestante. A alta crítica alemã e tudo quanto brotou dela até nossa geração, é simplesmente a entrada do pensamento humanista na Igreja protestante depois da Reforma, exatamente como, desde a época de Constantino em diante, o humanismo entrou na corrente da Igreja primitiva. Nunca se enfatizará suficientemente que a alta crítica não sobreveio porque certos fatos a fizeram necessária, mas porque a filosofia humanista sobreveio primeiro. Aceitou-se em primeiro lugar a filosofia humanista, e logo foram adicionados “fatos” que pareciam poder prover uma base conforme a perspectiva humanista. A alta crítica não foi a causa, mas o resultado. Os teólogos protestantes de tal época permitiram a entrada do conceito humanista na Igreja protestante. As duas colunas básicas não humanistas da Igreja foram destruídas de novo. O que devemos entender agora é que, na nossa própria geração, tanto o humanismo do sistema católico-romano como o do protestantismo liberal não diminui, mas que é cada vez mais forte em ambos.

Talvez a maior revolução

Talvez a maior revolução de nossa geração seja a mudança acontecida no catolicismo romano. Alguns podem dizer que na realidade não houve mudança, e que tudo isso é somente um estratagema; porém, seria difícil estar completamente seguro de se efetivamente é esse o caso. O aumento do humanismo na Igreja Católica Romana, em nossa geração, se mostra nos dois âmbitos.

Em primeiro lugar, é um fato que até mui poucos anos atrás Roma havia insistido que os três primeiros capítulos de Gênesis deveriam ser interpretados literalmente. Hoje em dia, quando os científicos católico-romanos se reúnem com os seculares, isto é deixado de lado. Estes homens da ciência romano-católicos não são seculares, mas membros das diversas ordens religiosas. Afirmam-se, nos círculos católico-romanos liberais atuais, que tudo o que devemos aprender dos três primeiros capítulos do Gênesis é que, no processo evolutivo de animal a homem, a única coisa que se necessitou é que Deus introduzisse em certo momento uma alma racional. Isto é totalmente revolucionário em relação ao que Roma havia ensinado ainda em nossa própria geração, e significa um fortalecimento definido do humanismo.

Em segundo lugar, Roma mudou radicalmente na questão de quem se salva. No passado, o catolicismo romano ensinava, como todavia o faz na Espanha ou no Sul da Itália, por exemplo, que não havia salvação possível fora da Igreja Católica Romana. Hoje em dia, a ênfase recai em que todos os homens sinceros, e de boa vontade, são salvos. Na Igreja primitiva e na Reforma se enfatizou o ensinamento bíblico de que quem não estivesse na Igreja de Cristo (quem não tivesse tomado a Jesus Cristo como Salvador) estaria condenado. Segundo o antigo sistema católico-romano aqueles que permaneciam fora da organização da Igreja Católica Romana estavam perdidos. Em ambos os casos, nos encontramos com o fato de que havia alguém que estaria perdido. No novo ensinamento católico-romano, com seu acrescentado humanismo, é muito difícil saber quem está perdido; e com respeito aos círculos católico-romanos mais pronunciadamente liberais, não se pode estar seguro se alguém se perde.

Assim, nos achamos ante o velho humanismo, que começou na época de Constantino, da Igreja Católica Romana, porém aumentado agora com o humanismo do moderno catolicismo-romano. Deve-se notar, por conseguinte, que o novo conceito liberal católico-romano não constitui um rompimento absoluto com o antigo catolicismo romano, já que este mesmo tem sido sempre humanista. Constitui simplesmente uma confluência das diversas correntes de um mesmo canal. Deve-se notar, também, que um homem como Teilhard de Chardin, tão popular na Europa e América, corresponde exatamente a esta circunstância.

Ao mesmo tempo

Ao mesmo tempo, o protestantismo humanista, que se iniciou com a erupção da alta crítica alemã, está se movendo, por sua parte, cada vez mais na mesma direção. Existe um notável paralelo entre o que sucede no campo liberal católico-romano, e o que se passa no protestantismo. Assim como o antigo catolicismo romano humanista está se transformando no humanismo ainda mais aberto do catolicismo romano liberal, também o antigo protestantismo liberal está desenvolvendo um novo liberalismo. Desde a aparição da teologia kierkegaardiana, isto é, a chamada neo-ortodoxia, se utiliza mais a palavra “Deus”, assim como outros termos religiosos, porém significa menos. No velho protestantismo liberal, as coisas eram, ao menos, certas ou falsas – no espaço, tempo e história -, de um modo que qualquer um poderia entender. No novo protestantismo liberal, a imprecisão que se pode notar nas obras de Teilhard de Charlin, é igualmente aparente. As afirmações do bispo Pike, da Califórnia, devem ser entendidas neste contexto teológico. Ele tem levado simplesmente o novo liberalismo de Kierkegaard, Barth, Brunner e Niebuhr a suas conclusões lógicas, porém falando numa linguagem clara, isenta de termos técnicos, de maneira que a força completa do lendário novo mundo religioso do liberalismo pode ser percebida pelo não especialista. Bultmann e Tillich têm feito o mesmo, conduzindo o pensamento de Kierkegaard a suas conclusões lógicas; e no caso de Tillich, parece provável que ele tenha ido mais longe do que Pike, porém suas obras estão escritas com uma terminologia tão elevada, que somente os que entendem podem dar-se conta da força do que foi escrito. Em todos os casos, a palavra “Deus” veio significando cada vez menos, até ao extremo de que uma pessoa deve se perguntar assombrada se nessa teologia há algum Deus. Esta é exatamente a direção que segue o catolicismo romano humanista em sua nova forma liberal, mostrada por Tielhard de Chardin. Devemos afirmar novamente, desta vez referindo-nos ao protestantismo liberal, que seu Deus não é o bíblico.

No pensamento oriental, a “justificação da vida” é a meditação. Isto não significa que meditando se encontre algo necessariamente, mas que a meditação como tal, dá à vida humana um aparente propósito e significado. No novo liberalismo se encontra a fé, desde Kierkegaard, como um passo nas trevas, como a justificação da vida. Isto está mais em consonância com a mente ocidental que a meditação, porque o passo nas trevas incumbe à ação e, portanto, à vontade de sofrer pela própria ação. Porém, basicamente é o mesmo: o passo nas trevas traz a justificação da vida, e a terminologia religiosa vem sempre sendo usada cada vez mais para que pareça dar um propósito à vida. Porém, nunca se está seguro se nela há realmente algum significado, e a própria palavra “Deus” se torna mais e mais vaga, até desaparecer até mesmo a distinção entre um Deus pessoal ou impessoal. Neste ponto, o catolicismo romano e o protestantismo liberal humanista, ambos em sua nova forma, estão perto de se unirem; e em termos de humanismo, ambos estão relacionados com o conceito clássico grego de idéias e ideais, assim como com os conceitos orientais.

É significativo

É significativo que “O fenômeno do homem”, obra de Teilhard de Chardin, publicada depois de sua morte, mostre a marca desta união. Teilhard de Chardin era jesuíta. Julian Huxley, ateu, escreveu a introdução do livro. E tanto na Europa como na América, são os protestantes liberais que o recomendam. Tudo isso não é senão o desenvolvimento do antigo catolicismo romano humanista transformando-se no novo catolicismo romano liberal; e o velho liberalismo humanista protestante movendo-se progressivamente na mesma direção, no novo liberalismo da neo-ortodoxia. Assim, em nossos dias, a diferença entre a Rocha humanista e o novo protestantismo liberal, o neo-ortodoxo, é de detalhe, e não básica.

Conclusões

Isto nos leva a perceber, como primeira conclusão, que não existe uma verdadeira razão para que não haja um movimento em direção à união entre o catolicismo romano e o protestantismo liberal. Quando o arcebispo de Canterbury visitou o Papa, disse: “Já não há necessidade de nos estorvarmos um ao outro. Pois, se já não estamos um contra o outro, estamos um pelo outro, e assim podemos ser gloriosamente livres para estar juntos por Jesus Cristo e pela verdadeira unidade de Sua Igreja. Eu digo expressamente “unidade” e não “união”, porque a união ou re-união se baseia numa reconciliação de jurisdições e autoridades. Porém, a unidade é só de espírito, e nesse espírito… podem entrar nas igrejas facilmente, e inclusive já estão entrando na atualidade”.

Isto é simplesmente um exemplo do que temos estado dizendo. O catolicismo romano e o novo protestantismo liberal descansam sobre a mesma base, e não existe nenhuma razão em absoluto, exceto com respeito a detalhes, para que não se unam. Qualquer conceito de verdade absoluta foi expulso em ambos os campos.

Os escritos de um homem como o jesuíta norte-americano John Courtney Murray devem ser entendidos nessa estrutura. Ele e seus colegas estão instando para que os EE.UU., e também os países do Norte da Europa de tradição reformada, comecem a se desenvolver sobre a base do conceito católico-romano de “lei natural”. Os católico-romanos instam nisto porque afirmam, com bastante razão, que os EE.UU. (como toda a cultura norte-européia) não têm ainda uma base, ou consenso, sobre o que fazer nos domínios da moral social, do direito, do governo, etc. Nisto tem razão quem pensa como Murray; porém o motivo pelo qual os EE.UU. e demais países mencionados não têm ainda uma base ou consenso para atuar, é que, tendo renunciado ao que a Reforma ensinou, tornaram-se abruptamente humanistas, e não têm absolutamente ao que se referir, ou sobre o que fundamentar suas ações.

Porém, o conceito católico-romano de lei natural é igualmente humanista e sem um absoluto em relação ao qual atuar. Temos visto que o humanismo entrou no sistema católico-romano a partir de Constantino, e especialmente que o catolicismo romano liberal moderno é devastadoramente humanista. O mesmo J.C. Murray reconhece tudo isso quando diz que a noção de lei natural é pré-cristã, anterior até mesmo aos antigos gregos, e que foi Tomás de Aquino que modelou e poliu este conceito. Isto está especificamente relacionado com as pinturas de Rafael e Miguel Ângelo no Vaticano. Faz parte do intento católico-romano para alcançar a síntese entre o pensamento humanista e o bíblico; e no âmbito do governo, o direito e a moral social, deve finalmente dar como resultado sempre conclusões humanistas e, portanto, relativas. Assim, por exemplo, a revista “Time”, de 12 de dezembro de 1960, tratando sobre o conceito de lei natural que sustenta John C. Murray, disse: “O critério de bom e mal deve ser achado na natureza do homem; o homem é – de maneira natural – um ser social; e por isso, o bem da sociedade é o do homem. O robô, por exemplo, é mal porque subverte a base da vida social, já que faz alguma mal, no terreno privado, a outro. Quando há conflito entre a satisfação das necessidades naturais, o racional (e por isso, legal) é subordinar a mais baixa à mais alta. Assim, a auto-conservação é algo bom; porém, a oposição arriscando a própria vida quando o exige o bem da sociedade, é algo mal”.

Do ponto de vista bíblico, o pecado é tal porque é contra Deus, não porque seja contra a sociedade. Quando prejudicamos a um ou vários homens é pecado, não porque tenhamos lhes prejudicado, mas porque lhes ocasionar danos contradiz a existência, o caráter e a lei de Deus. Assim, pois, o sistema bíblico é não-humanista, e absoluto. Porém, o sistema católico-romano é humanista e relativo, primeiro em sua teologia – inclusive em sua visão de Deus -, e logo em sua aplicação prática da lei natural. O conceito católico-romano de lei natural é parte da “sistemática síntese” de que fala Argan quando trata da arte de Rafael.

Na teologia católico-romana achamos uma linha ininterrupta entre o homem tal como foi criado, o homem pecador, e o homem redimido. No pensamento católico-romano a queda do homem não foi realmente total; e a salvação consiste unicamente na adição de uma justiça infundida no indivíduo. Esta linha ininterrupta é a base de seu conceito de lei natural. O ensinamento bíblico é radicalmente diferente: existe um rompimento total na queda de homem, e outra vez o mesmo na justificação. Por causa de tal queda, o homem permaneceu verdadeiramente morto. Na justificação, este passa do estado de verdadeira morte para o de vida real. Segundo a Sagrada Escritura, o homem, depois de sua queda, ainda é verdadeiramente “imagem” de Deus, no sentido de que permanece como criatura moral e racional. Ser uma criatura moral e racional depois da queda quer dizer, segundo a Bíblia, três coisas:

  1. O homem não redimido, todavia, pode desejar significância porque se acha ainda no universo para o qual foi criado; ela ainda é moral e racional. O pintor não redimido ainda pode pintar, o que ama ainda pode amar, etc.
  2. Como diz Romanos 1:19-20, o fato de que o homem permanece como um ser moral e racional o condena, porque dentro de si, em sua consciência, e na criação que o rodeia, tem testemunhas que lhe dizem que vivemos num universo moral-pessoal e que há um Criador. O fato de que o homem não redimido tenha uma consciência que o condena, está relacionado com o de que continua sendo um ser moral. O fato de que deveria ser capaz de pensar e saber, por causa da criação que o rodeia, que há um Deus, está relacionado com o de que continua sendo um ser racional. Que tenha ainda uma consciência, que continue amando, que continue anelando e buscando a beleza, o condena, porque estas coisas lhe indicam e deveriam levar-lhe numa direção exatamente oposta à que constitui a conclusão lógica de toda crença não cristã. A conclusão lógica de todas elas é que o universo é impessoal e amoral.
  3. Que o homem seja ainda um ser moral e racional e, portanto, não uma máquina, estabelece uma situação em que pode ouvir o Evangelho, e começar a refletir.

Porém na queda, o homem morreu. A força do existencialismo secular consiste em que reconhece e afirma que o homem está morto. Os existencialistas estão de acordo com a Bíblia neste ponto básico. Contudo, esta nos diz o porquê o homem se acha nesta condição, e nos dá o remédio para a mesma. O homem foi criado com o propósito de que amasse a Deus com todo o seu coração, com toda sua alma e com toda sua mente, e havendo-se rebelado, é culpado, e está morto e sem propósito. Depois da queda histórica no Éden, a culpabilidade do homem lhe separa totalmente de Deus, e todas as relações secundárias estão pervertidas – as relações do homem consigo mesmo, com os demais, e com a criação -. A noção bíblica é absolutamente diferente da opinião de que existe uma linha ininterrupta, através da queda, desde a criação até a salvação. O homem, em sua rebelião contra Deus, destruiu o propósito primário para o qual foi criado e, portanto, todas as coisas estão pervertidas. De acordo com a noção bíblica, o homem se torna, na salvação, sobre a base da obra consumada de Cristo, uma nova criatura nEle, e, ainda que não de modo perfeito nesta vida, porém todavia real, todas as relações secundárias ocupam assim seu lugar devido. Em outras palavras: segundo a mente da Escritura, um humanismo não-regenerado não chega a ser humano e conduzirá ao infra-humano em todos os aspectos da vida, incluindo um consenso para a moral, o direito ou o ponto de vista social. Assim, pois, edificar sobre o conceito católico-romano de lei natural, ou sobre qualquer outro conceito humanista não-regenerado, é construir sobre o que conduzirá a algo que está abaixo da verdadeira humanidade, e que reduz progressivamente o homem à condição de máquina ou animal.

Ou, para dizer de outro modo: sendo a Igreja Católica Romana basicamente humanista, deve tratar sempre com o relativo, isto é, é o oposto ao guardião do Absoluto, seja no entendimento, seja na moral. Na noção bíblica, todos os elementos humanistas estão eliminados. Na do catolicismo romano, todos os elementos humanistas básicos estão presentes.

O homem vive hoje num vazio total, busca desesperadamente uma base, e o catolicismo romano lhe está recomendando que aceite como tal seu conceito de lei natural. Este possui um atrativo especial para os intelectuais, porém quando é examinado, se vê que não é uma base absoluta de maneira alguma, e que na realidade está relacionado com todas as demais formas de humanismo que nos assediam. Existem o humanismo protestante liberal, o comum norte-americano, e o mais recente, o socialismo, elaborado pelo polaco Adam Schaff. Este último é a nova variedade comunista de humanismo. O humanismo católico-romano é só uma parte deste quadro, e não provê solução alguma – todas estas vozes juntas se acham no âmbito de um retorno do mundo humanista gentio, ao que existia antes de Jesus Cristo, porém tanto mais grave visto que seus componentes são universais. Existe pouca possibilidade de revolução, e não há lugar para onde ir.

A segunda conclusão

A segunda conclusão é, por conseguinte, que o catolicismo romano não difere, basicamente, em relação ao consenso de lei natural, que está oferecendo ao homem em seu dilema, das outras formas humanistas – como sua teologia, tampouco difere no básico das demais concepções humanistas, sendo a base de tudo isso, o fato de que o catolicismo romano adora a um Deus imperfeito – Aceitar o conceito católico-romano de lei natural é viver sem base absoluta, e isso pode acarretar tão somente como resultado que a arbitrária voz da igreja venha a ser a norma, como ocorreu antes da Reforma. Transladar-se do vazio do pensamento geral de nosso século ao pensamento católico-romano, com relação ao governo, ao direito, à sociedade, etc., é, no final das contas, passar só de um vazio para outro vazio, sendo a norma a arbitrária e totalitária voz da igreja.

A Igreja primitiva e a Reforma, como temos visto, descansavam sobre duas colunas não humanistas, e na Reforma – quando um número suficiente de homens criam nestas coisas -, elas proviam uma base absoluta para a sociedade, o governo, o direito, etc. Porém agora que o mundo ocidental pós-cristianismo não crê mais nestas coisas, não existe uma base, e o caminho que se segue conduz ao caos, ou ao totalitarismo em qualquer de suas manifestações. Isto é, segue-se esse caminho, a menos que Jesus Cristo volte, ou que, de novo, haja um número suficiente de homens que creiam e atuem nas e sobre as duas colunas não-humanistas tantas vezes mencionadas, e detenham essa marcha.

A terceira conclusão

A terceira conclusão é que os verdadeiros evangélicos devem permanecer sobre a base das duas colunas não-humanistas sem vacilar, ainda que isso signifique permanecer sozinhos. De outro modo, não constituiremos uma ajuda real na salvação de almas, e não seremos úteis na escuridão moral do século XX, quando o homem se torna progressivamente menos humano, tanto na vida privada como na pública, em ambos os lados da Cortina de Ferro. O cristianismo tem algo para dizer no século XX no que diz respeito ao direito, ao governo, à vida social, às artes, etc.; porém, não pode dizê-lo se comprometer as duas colunas não-humanistas. Tudo isso significa permanecer tão claramente apartado do chamado católico-romano para com a lei natural, ou do chamado das conclusões sociológicas neo-ortodoxas nas pessoas de Brunner, Niebuhr, etc., como do humanismo popular norte-americano. Isto não pode se fazer na carne, senão que deve ser feito no poder do Espírito Santo, tomando acrescentada força no Senhor, conforme nosso complexo religioso-cultural se torna cada vez menos cristão. Em breves palavras, conforme se torna cada vez mais como o que circundava a Igreja primitiva. Porém, qualquer coisa que seja menos que o indicado, será finalmente a negação de nossa herança das duas colunas exclusivas não-humanistas, e nos fará ineficazes para ajudar tanto às pessoas individualmente, como à sociedade.

Crescer é preciso! ~ por José Roberto Prado

“A vida cristã não deve ser vivida sempre na dimensão cambaleante dos primeiros passos, na energia limitada do leite para recém-nascidos. É preciso crescer, amadurecer, firmar-se nas palavras daquele que nos chamou”.

A frase acima dificilmente encontraria oposição. Todo cristão concorda que é preciso crescer! Nosso mal estar começa quando nos negamos a perceber os meios pelos quais Deus nos quer levar ao crescimento. Aí começa a chiadeira geral…

Bem, dizemos, se for desse jeito, não quero crescer (como se tivéssemos alternativa!). Sabemos muito bem que crescer implica em dor, em negações, cortes, assumir ônus de decisões, enfim, viver em conformidade com a Palavra que já conhecemos… Cientes disso muitos se contentam em ser somente iniciantes na fé…

Mas não é este o plano de Deus.

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O Cristo Placebo e a Igreja de Farinha ~ por José Roberto Prado

Algum tempo atrás foi divulgada pela Assembléia Legislativa da Paraíba a lista com o resultado da consulta popular onde foram escolhidas as sete maravilhas do Estado. Após intensa mobilização de algumas cidades, se esforçando para destacar suas belezas naturais e arquitetônicas, aqui está o resultado:

– Lajedo do Pai Mateus, em Cabaceira;

– Igreja de São Francisco e Ponta do Seixas, em João Pessoa;

– Cristo Rei, em Itaporanga;

– Pedra do Ingá, em Ingá;

– Memorial do Frei Damião, em Guarabira; e

– Vale dos Dinossauros, em Sousa.

É de se notar a presença preponderante do fator religioso nestas escolhas. À exceção do Vale dos Dinos e da Ponta do Seixas, todos os outros estão de uma forma direta ou indireta relacionados à fé popular. Será que isto confirma a noção já antiga do coração devoto de nossa gente? Pode ser.

Quero lembrar também que mesmo num espectro maior, quando pessoas de outras nações foram chamadas no ano passado para escolher as sete “novas” maravilhas do mundo, o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, foi escolhido. Interessante… O “Cristo” tanto foi escolhido como uma das Sete Novas Maravilhas do Mundo, como também aparece na nossa lista Paraibana.

Vale lembrar que não foi o Jesus Cristo histórico, filho de Deus Salvador, revelado nos Evangelhos, mas sim a estátua de cerca de 30 metros de altura, localizada no alto da Serra do Cantinho, construída entre 1985 e 2000 pelo arquiteto Alexandre Azevedo de Lacerda, na entrada da cidade de Itaporanga, que foi escolhida.

Tem muita gente escolhendo a Cristo hoje em dia… Mas, preciso dizer, não o Cristo vivo, que disse ser necessário que seus seguidores se arrependessem, carregassem sua própria cruz a fim de segui-lo. Quem está sendo seguido e escolhido é um “cristo-placebo”, não o verdadeiro!

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