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Um novo retrato da desigualdade global

Divide-e

Sabe-se perfeitamente hoje que as desigualdades de renda e riqueza na maior parte dos países ricos, e especialmente nos Estados Unidos, dispararam, nas últimas décadas e, de modo trágico, agravaram-se ainda mais desde a Grande Recessão. Mas e no resto do mundo? A distância entre os países está se reduzindo, à medida que potências econômicas como a China e Índia resgatam centenas de milhões de pessoas da pobreza? E no interior das nações pobres e de riqueza média, a desigualdade está piorando ou sendo reduzida? Estamos caminhando para um mundo mais igual ou mais injusto?

[Por Joseph Stiglitz, no blog The Great Divide, do New York Times | Imagem: Javier Jaen | Tradução: Antonio Martins | Outras Palavras, 15 out 2013]

São questões complexas. Uma pesquisa de um economista do Banco Mundial de nome Branko Milanovic, junto com outros acadêmicos, começou a apontar algumas respostas.

A partir do século 18, a revolução industrial produziu um aumento gigantesco da riqueza na Europa e América do Norte. É claro, a desigualdade nestes países era chocante. Pense nas indústrias têxteis de Liverpool e Manchester, na Inglaterra dos anos 1820, ou nas favelas do baixo Leste de Manhattan ou do Sul de Chicago, nos 1890. Mas o abismo entre os ricos e o resto, como um fenômeno global, alargou-se ainda mais até a II Guerra Mundial. Àquela época, a desigualdade entre os países era maior que a desigualdade em seu interior.

Mas depois da Guerra Fria, no final dos anos 1980, a globalização econômica se acelerou e a distância entre as nações começou a encolher. O período entre 1988 e 2008 “pode ter representado o primeiro declínio na desigualdade global entre cidadãos do mundo desde a Revolução Industrial”, diz Milanovic, que nasceu na antiga Iugoslávia. É o autor de Os que têm e os que não têm: uma história breve e idiossincrática da desigualdade global [sem edição em português], um texto publicado em novembro último. Embora a distância entre algumas regiões tenha diminuído notavelmente – em especial, entre a Ásia e as economias avançadas do Ocidente –, persistem grandes abismos. As rendas globais, por país, aproximaram-se umas das outras nas últimas décadas, particularmente devido à força do crescimento da China e Índia. Mas a igualdade geral entre os seres humanos, considerados como indivíduos, melhorou muito pouco. O coeficiente de Gini, uma medida de desigualdade, melhorou apenas 1,4 pontos, entre 2002 e 2008.

Ou seja: embora nações da Ásia, do Oriente Médio e da América Latina como um todo, possam estar se aproximando do Ocidente, os pobres são deixados para trás em toda parte – inclusive em países como a China, onde beneficiaram-se de alguma forma da melhora dos padrões de vida. Entre 1988 e 2008, descobriu Milanovic, a renda do 1% mais rico do planeta cresceu 60%, enquanto os 5% mais pobres não tiveram mudança em seus rendimentos. E embora as rendas médias tenham melhorado bastante, nas últimas décadas, há ainda enormes desequilíbrios: 8% da humanidade abocanham 50% da renda global; o 1% mais rico fica, sozinho, como 15%. Os ganhos de renda foram maiores entre a elite global – executivos financeiros e corporativos nos países ricos – e entre as grandes “classes médias emergentes” da China, Índia, Indonésia e Brasil. Quem perdeu? Os africanos, alguns latino-americanos e gente na Europa Oriental pós-comunista e na antiga União Soviética, apurou Milanovic.

Os Estados Unidos oferecem um exemplo particularmente sombrio para o mundo. E como, de diversas maneiras, eles “lideram o mundo”, se outros seguirem seu padrão não poderemos esperar por um futuro mais justo.

Por um lado, a ampliação das desigualdades de renda e riqueza nos EUA é parte de uma tendência mundial. Um estudo de 2011, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), verificou que as desigualdades começaram a crescer no final dos anos 1970 e início dos 80, nos EUA e Grã-Bretanha (além de Israel). A tendência começou a se espalhar pelo mundo no final dos anos 1980. Na última década, as desigualdades de renda cresceram mesmo em países tradicionalmente mais igualitários, como Alemanha, Suécia e Dinamarca. Com algumas poucas exceções – França, Japão, Espanha – os 10% mais ricos, na maior parte das economias avançadas, dispararam, enquanto os 10% mais pobres ficaram para trás.

Mas a tendência não foi universal, nem inevitável. Nestes mesmos anos, países como Chile, México, Grécia, Turquia e Hungria conseguiram reduzir de modo significativo as desigualdades de renda (em aluns casos, muito altas). Isso sugere que a desigualdade é um produto da política, e não apenas de forças macroeconômicas. Não tem amparo nos fatos a ideia de que a desigualdade é um subproduto inevitável da globalização, do livre movimento de trabalho, capital, bens e serviços, ou das mudanças tecnológicas que favorecem os assalariados melhor formados ou capacitados.

Entre as economias avançadas, os EUA têm algumas das piores disparidades de renda e oportunidades, com consequências macroeconômicas devastadoras. O Produto Interno Bruto (PIB) do país mais que quadruplicou, nos últimos quarenta anos, e quase dobrou nos últimos 25, mas, como se sabe agora, os benefícios concentraram-se no topo – e, cada vez mais, no topo do topo.

No ano passado, o 1% dos norte-americanos mais ricos apoderou-se de 22% da renda da país. O 0,1% mais rico, sozinho, abocanhou 11%. E 95% de todos os ganhos de renda desde 2009 foram para o 1% mais rico. Estatísticas recentes demonstram que a renda mediana nos EUA não cresceu em quase um quarto do século. O homem norte-americano típico ganha menos do que ganhava há 45 anos, se considerada a inflação; homens que terminaram o ensino médio mas não completaram quatro anos de ensino superior recebem quase 40% menos do que há quatro décadas.

A desigualdade norte-americana começou a crescer há trinta anos, impulsionada por reduções de impostos para os ricos e relaxamento das regulamentações do mercado financeiro. Não é coincidência. O fenômeno foi agravado devido a investimentos insuficientes em infraestrutura, educação e saúde, e em redes de seguridade social. O aumento da desigualdade avança em espiral, ao corroer o sistema político e a governança democrática.

E a Europa parece ansiosa para seguir o mau exemplo dos EUA. A adesão a políticas de “austeridade”, da Grã-Bretanha à Alemanha, está conduzindo a desemprego alto, salários em queda e desigualdade crescente. Governantes como Angela Merkel, a chanceler alemã reeleita, e Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu, argumentam que os problemas europeus resultam de dispêndios exagerados com o estado de bem-estar social. Mas esta linha de raciocínio apenas mergulhou o continente em recessão (ou mesmo depressão). O fato de o processo ter atingido o fundo do poço (a recessão “oficial” pode ter terminado) oferece pouco conforto para os 27 milhões de desempregados na União Europeia. Em ambos os lados do Atlântico Norte, os fanáticos da “austeridade” dizem: “vamos em frente; são pílulas amargas de que precisamos para alcançar a prosperidade”. Mas prosperidade para quem?

A financeirização excessiva – que ajuda a explicar a condição britânica de segundo país mais desigual (depois dos EUA), entre as economias avançadas – também permite compreender os mecanismos da desigualdade. Em muitos países, controles débeis sobre as empresas e coesão social erodida produziram abismos crescentes entre os rendimentos dos executivos-chefes e dos trabalhadores comuns. Ainda não se chegou ao nível de 500 x 1, das maiores corporações norte-americanas (segundo estatísticas da Organização Internacional do Trabalho), mas a níveis bem mais alto que os de antes da recessão. O Japão, que reduziu os salários dos executivos, é uma exceção notável. As inovações norte-americanas em rent-seeking – enriquecer não por meio de um aumento do tamanho do bolo, mas manipulando o sistema para abocanhar uma fatia maior – tornaram-se globais.

A globalização assimétrica produziu efeitos em todo o mundo. A mobilidade do capital obrigou os trabalhadores a fazer concessões salariais, e os governos a oferecer benefícios fiscais. O resultado é uma corrida para baixo. Os salários e condições de trabalho estão sob ameaça. Empresas pioneiras, como a Apple, cuja atividade baseia-se em grandes avanços científicos e tecnológicos (muitos dos quais, financiados pelos governos) também mostraram grande destreza em evitar impostos. Apropriam-se do esforço coletivo, mas não dão nada em retorno.

A desigualdade e pobreza entre as crianças é um desastre moral mais chocante. Elas desmentem as hipóteses da direita, segundo as quais a pobreza resulta de preguiça e escolhas erradas: as crianças não podem escolher seus pais. Nos EUA, uma em cada quatro crianças vive na pobreza; na Espanha e Grécia, uma em cada seis; na Austrália, Grã-Bretanha e Canadá, mais de uma em cada dez. Nada disso é inevitável. Alguns países optaram por criar economias menos desiguais: a Coreia do Sul, onde há meio século apenas uma em cada dez pessoas chegava à universidade, tem hoje um dos índices mais altos de acesso ao ensino superior.

Por todas estas razões, penso que estamos caminhando para um mundo dividido não apenas entre os que têm e os que não têm. Alguns países terão sucesso ao criar prosperidade compartilhada – a única que, a meu ver, é verdadeiramente sustentável. Outros, deixaram a desigualdade correr solta. Nestas sociedades divididas, os ricos irão se encastelar em bairros murados, quase completamente separados dos pobres, cujas vidas serão quase insondáveis para eles – e vice-versa. Visitei sociedades que parecem ter escolhido este padrão. Não são lugares em que a maior parte de nós gostaria de viver – seja nos enclaves enclausurados, seja nas favelas em desespero.

“A Igreja costuma se distanciar de Jesus para que ele não incomode”. Entrevista com Jon Sobrino

Santo e senha da Teologia da Libertação, o jesuíta salvadorenho de origem basca Jon Sobrino continua sendo uma referência mundial aos que, na Igreja, buscam um Deus encarnado que opta pelos seus preferidos, os pobres. De passagem por Bilbao, ele diz que, “em conjunto, a Igreja costuma se distanciar de Jesus para não incomodar”. E também assegura que o “enoja e envergonha” a situação do mundo atual, porque “o primeiro mundo continua colocando o sentido da história na acumulação e no desfrute que a acumulação permite”. [Asteko Elkarrizketa, Jornal Gara, 19 dez 10/IHU 21 dez 2010] Eis a entrevista.

Contam-me – de brincadeira – que o senhor está cansado do mundo e também lhe ouvi dizer mais de uma vez que o senhor quer poder viver sem sentir vergonha do ser humano. Qual é a razão?

Às vezes, eu sinto vergonha. Por exemplo, interessamo-nos de verdade pelo Haiti? Obviamente, ele levantou interesse no começo e teve algumas respostas sérias. Mas passa um tempo e já não importa… Outro exemplo que contei outras vezes: em um jogo de futebol de equipes de elite jogando a Champions [League], calculei que, no campo, entre 22 jogadores, havia duas vezes o orçamento do Chade… Isso me enoja e me envergonha. Algo muito profundo tem que mudar neste mundo… Continue lendo

Era da globalização trouxe de volta os dialetos, afirma linguista

Placa de trânsito em dialeto alemannisch na Floresta Negra, sul da Alemanha

Os dialetos, para muitas pessoas um sinal de falta de formação, estão de volta na era da globalização. Segundo o germanista Karl-Heinz Göttert, eles reforçam a identidade local numa época que estimula a uniformidade.

[DW, 19 dez 11] Após o divertido Deutsch, Biografie einer Sprache (Alemão: biografia de uma língua), de 2009, o linguista Karl-Heinz Göttert agora promove uma expedição pelos dialetos alemães com sua nova obra, intitulada Alles außer Hochdeutsch (Tudo menos Hochdeutsch, nome dado à variante oficial do alemão).

No livro ele aborda, entre outros temas, como os dialetos mudaram, por que o saxão tem pior fama do que outros dialetos do alemão e por que em tempos de globalização os dialetos ganham ainda mais apelo emocional em todo o mundo. Continue lendo

“Translating Hip Hop” discute o gênero como novo idioma global

Rappers da Alemanha, Colômbia, Quênia, Filipinas e Líbano traduziram suas letras e buscaram diferenças e semelhanças de uma cultura extremamente local e ao mesmo tempo globalizada.

[DW, 16 nov 11] Para as gerações mais velhas, o hip hop é algo difícil de entender e quase impossível de apreciar. A simplicidade musical, aliada a letras que falam a linguagem da rua, cheias de gíria, é algo que para muitos passa longe de ser arte ou de ter um valor cultural respeitável.

Para entrarmos no mundo do hip hop, primeiro precisamos entender que a cultura hip hop vai além da música. “Hip hop é o rap, grafite, breakdance, um pouco de cultura do vinil e beatbox”, declarou Ale Dumbsky, curador do “Translating Hip Hop” (literalmente, Traduzindo hip hop). O projeto, realizado em cinco países, durou dois anos e teve seu encerramento em Berlim no fim de semana.

Muitos dialetos, um idioma

O projeto começou há mais de dois anos, quando a Casa das Culturas do Mundo, em Berlim, procurou o curador com a ideia de colocar rappers alemães em contato com rappers de diferentes partes do mundo e traduzir suas letras. Veterano na cena hip hop alemã, Ale Dumbsky foi o fundador da gravadora Buback, que nos anos 1980 lançou o primeiro disco de rap em alemão. Continue lendo

Cerca de 2.500 idiomas correm o risco de desaparecer, dizem analistas

A globalização e a pressão sobre comunidades indígenas de integrarem-se à cultura dominante estão acelerando o desaparecimento de centenas de idiomas no mundo todo.

[Agência EFE, 15 set 11] Essa mudança representa mais que uma perda de palavras e a destruição de uma forma de levar a vida, avaliam analistas reunidos recentemente em Quito, no Equador.

Dos 6.000 idiomas recenseados no planeta, mais de 2.500 correm o risco de extinção, contabiliza a Unesco (Organização da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura).

Entre eles estão, por exemplo, o andoa equatoriano, que tem apenas uma pessoa falante do idioma, e o zapara, com seis idosos fluentes.

Com eles desaparecem seus conhecimentos naturais, além de uma maneira de conceber o espaço, o Universo e a relação com outros seres humanos, ressaltou Marleen Haboud, coordenadora de um congresso internacional sobre o tema que ocorreu recentemente na Pontifícia Universidade Católica de Quito. Continue lendo

Deus ainda não está morto ~ por José Roberto Prado

Vitezslav Gardavsky, filósofo e mártir checo falecido em 1978, em seu livro “God is not yet dead” (Deus ainda não está morto), escreve: “A terrível ameaça contra a vida não é a morte, ou a dor, nem qualquer variedade de desastres contra os quais nós, tão obsessivamente, procuramos nos proteger com nossos sistemas sociais e estratagemas pessoais. A grande ameaça é ‘morrermos antes de realmente morrer’, antes que a morte se torne uma necessidade natural. O verdadeiro horror repousa exatamente sobre esta morte prematura, após a qual continuamos a viver por muitos anos”.

Estas palavras nos alertam para algo terrível que, não somente ameaça a sociedade como nós a conhecemos, mas também, e principalmente, é responsável por muita dor e angústia na nossa alma, nas nossas famílias. Estamos falando do número cada vez maior de pessoas que “morrem antes de realmente morrer”. Desistem de sonhar, de lutar, de ter esperança. Continue lendo

O novo transcendente ~ por Frei Betto

A história da humanidade é uma história de sujeições. No período pré-moderno, sujeição aos deuses do politeísmo, ao Deus do monoteísmo, ao Rei da monarquia e ao Povo (sujeito abstrato) da República. Havia sempre uma figura do Outro ao qual todos deveriam se reportar.

Esse Grande Outro prescrevia o certo e o errado, o bem e o mal, a graça e o pecado, a lei e o crime. O mundo se configurava de acordo com os preceitos do Grande Outro. As alternativas eram simples: sujeitar-se sob promessa de recompensa ou rebelar-se sob risco de punição.

Na modernidade, o Outro se multiplicou, adquiriu várias faces, descentralizou-se na diversidade de ideologias, sistemas de governo e crenças religiosas. Tanto a antiguidade quanto a modernidade nos remetiam à transcendência, ainda que fundada na razão. Se não era Deus, era o Partido, o líder supremo, as ideias inquestionáveis. Algo ou alguém nos precedia e determinava o nosso comportamento, incutindo-nos gratificação ou culpa.

A pós-modernidade, em cuja porta de entrada nos encontramos, promete fazer de nós sujeitos livres de toda sujeição. Seria a volta ao protagonismo exacerbado, em que cada indivíduo é a medida de todas as coisas. Já não se vive em tempos de cosmogonias e cosmologias, teogonias e ideologias. Agora todos os tempos convergem simultaneamente ao espaço reduzido do aqui e agora. Graças às novas tecnologias de comunicação, tempo e espaço ganham dimensão holográfica: cabem em cada pequeno detalhe do aqui e agora.

Será que, de fato, a pós-modernidade nos emancipa do transcendente e da transcendência? Introduz-nos no “desencantamento do mundo” apontado por Max Weber?

A resposta é não.

Há um novo Grande Outro que nos é imposto como paradigma inquestionável: o Mercado. As sedutoras imagens deste deus implacável são disseminadas por seu principal oráculo: a publicidade. À semelhança de seu homólogo de Delfos, nos adverte: “Dize o que consomes e eu te direi quem és”.

O grande teólogo desse novo deus foi Adam Smith. Inspirado na física de Newton, em ?A riqueza das nações? e ?A teoria dos sentimentos morais?, Smith aplicou à economia a metáfora religiosa do Grande Relojoeiro que preside o Universo.

O relógio funciona graças à precisão mecânica fabricada por alguém fora dele e invisível a quem o porta: o relojoeiro. Assim, na opinião de Newton, seria o Universo. Na de Smith, a vida social regida por interesses econômicos. A diferença é que o Deus Relojoeiro de Newton é chamado de Mão Invisível por Smith. Segundo este, o egoísmo de cada um, guiado pela Mão Invisível, promoveria o bem de todos…

É exatamente o que afirma Milton Friedman, líder da Escola de Chicago: ?Os preços que emergem das transações voluntárias entre compradores e vendedores são capazes de coordenar a atividade de milhões de pessoas, sendo que cada uma conhece apenas o próprio interesse.?

Esse o fundamento do pensamento liberal e do sistema capitalista. É o principio do /laisser faire/, deixar (deus) fazer. O que, traduzido em termos políticos, significa desregulamentar, não apenas as esferas econômicas e políticas, mas também a moral. Abaixo a ética de princípios e viva a ética de resultados! Nesse protagonismo pós-moderno, cada ego é a medida de todas as coisas. O que imprime ao sujeito (no sentido latino de sujeição, submissão) a impressão de autonomia e liberdade.

O resultado do novo paradigma centrado no deus Mercado todos conhecemos: degradação ambiental; guerras; gastos exorbitantes em armas, sistemas de defesa e segurança; narcotráfico e dependência química; esgarçamento dos vínculos familiares; depressão, frustração e infelicidade.

Ainda é tempo de professarmos o mais radical ateísmo frente ao deus Mercado e, iconoclastas, apelarmos à ética para introduzir, como paradigma, a generosidade, a partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho, a felicidade centrada nas condições dignas de vida e no aprofundamento espiritual da subjetividade.

Isso, contudo, só será possível se não ficarmos restritos à esfera da autoajuda, das terapias tranquilizadoras da alma para suportarmos o estresse da competitividade, e nos mobilizarmos comunitariamente para organizar a esperança em novo projeto político fundado na globalização da solidariedade.

Eis o desafio ético que, como assinalou José Martí, será capaz de articular emancipação política e emancipação espiritual.

Fonte: Portal Brasil de Fato, 23 jul 2010

Na globalização, onde fica o livre arbítrio?

Antônio Mesquita Galvão*

“A liberdade é o domínio de nós mesmos e da natureza, baseado na consciência das necessidades” (F. W. Engels)
Há algum tempo fui convidado para promover um wokshop, em uma universidade do interior do Paraná sobre uma dialética que os alunos propuseram: globalização e livre-arbítrio. Recordo que comecei a jornada, que teve duração de cinco dias, (40 horas) com a questão: o que é ser livre? Debater a liberdade, ou a falta dela, também é uma forma de praticar a espiritualidade.

Acostumados com livros de história, ciência política, sociologia e outras ciências sociais, a gente sempre se acostumou a ver os autores, nos capítulos finais de suas obras, ou no encerramento de suas conferências, encaminhar tudo para um happy-end, conduzindo o assunto para um melífluo e enganador gran-finale, todo pintado com as cores róseas da utopia alienada de quem não quer que nada mude. Afinal, a mantença do status quo interessa a muita gente…

Eu creio que tentar mascarar as coisas, seria desonesto de minha parte, e contrário a todos os princípios de ética que postulo e anuncio. Fruto dos últimos estertores da ditadura e da desorientação das décadas perdidas (80 e 90), o neoliberalismo, por “direita”, sempre lutou para que as mudanças não ocorram, que as reformas não saiam do papel (e do discurso deles mesmos).Onde está o Espírito de Deus ali há liberdade (2Cor 3,17)

Sobra-nos alguma utopia ou apenas o amargo da decepção da perda de todos os paradigmas? Suspeita-se que o novo século nos trouxe, com a radicalização da globalização, como que um bloqueio, cada vez maior, de nossa capacidade de decidir. A doutrina globalizante tem por escopo bloquear o senso crítico, a partir do ensino dirigido à juventude. A mudança do quadro sociopolítico, o retorno às origens de bem e de ética, só é possível através de um profundo, sério e comprometido “contrato social”, em que todos tenham a capacidade de pensar. É o que afirma o jurista Tarso Genro (hoje ministro da Justiça), em sua obra “O futuro por armar”. Ed. Vozes 1999:

Há a necessidade e a possibilidade de se adotar um novo tipo de contrato social. Um contrato que tenha como pressuposto que o Estado atual e a nossa representação política tradicional são insuficientes para mediar as novas conflitividades que emergem da globalização econômica e dos parâmetros produtivos, originários da terceira revolução científico-tecnológica. Há 200 anos não criamos novas instituições, não obstante as mudanças profundas que se operaram neste período.

A liberdade do ser humano, é lamentável consignar, está delimitada pelos interesses do mercado. Na verdade, não temos liberdade absoluta, pois a grande mídia, a serviço do poder mercantil, atrela nossas necessidades, básicas ou secundárias, a situações de consumo. Liberdade, livre-iniciativa, livre-arbítrio é aquele direito natural que a pessoa tem para agir, escolher, decidir o que é melhor para si, para sua vida. É preciso, uma vez que a globalização neoliberal se organizou para sufocá-lo de vez, que se resgate esse direito de ser livre, arremetendo, com o apoio da crítica, contra todas as formas de liberalismo que andam por aí, sejam elas morais, ideológicas, econômicas, oficiais. Há que se insurgir contra a idolatria do mercado, contra os efeitos alienantes da mídia, denunciando, pressionando os patrocinadores, estabelecendo boicotes, deixando de comprar este ou aquele produto. É preciso sublevar-se – sobretudo – contra os efeitos da política internacionalizante, que já tirou nossa aposentadoria, saúde e outros direitos. Se deixamos assim como está, logo vamos perder o teto, o pão, a vida.

Foi para a liberdade que Cristo nos resgatou (Gl 5,1).

Segundo os postulados neoliberais (leia-se o ideário de Von Hayek), muitas (ou a maioria) das tarefas da sociedade (e aí se relacionam economia, política, etc.) devem ter sua soluções “confiadas” a peritos, fora da chamada esfera democrática. Utilitaristas como poucos, os neoliberais acreditaram que a democracia só seria boa quando favorecesse a máquina do livre-mercado. Democracia do “poder vindo do povo e em seu nome sendo exercido” é – para “eles”, os capitalistas – uma balela.

E a liberdade? “Ora – dizem os novos senhores feudais do século XXI – isto é bobagem! Para quê o povo quer liberdade? Primeiro não sabe usá-la, e depois tem quem se preocupe com isso e mostre o caminho. Haja vista que alguns, medianamente livres, conduzem mal suas vidas, enchendo-se de filhos, dívidas, más companhias”. É disto que “eles” acusam o povo. Embora se confessem amantes da democracia, os capitalistas (neo)liberais se revelam, na prática, muito pouco afeitos a essa prerrogativa política. A lógica intrínseca da democracia (o poder é de todos) os incomoda, pois preconiza a repartição do poder deles (endinheirados) com os outros (pés-de-chinelo).

Para o dono do capital, conforme o axioma geral de J. S. Mill († 1873), a maioria deve ser governada pelos cultos, inteligentes e donos do capital. Isto está escrito em sua obra “Sobre a liberdade”, (Londres, 1859). No mesmo rastro, Von Hayek vê uma contradição no Estado (que segundo ele deve ser limitado), conceder poderes ilimitados (democracia) à turba.

Mas a questão inicial retorna teimosa: o que é ser livre? Ser livre é exercer todos os direitos humanos. Pois a liberdade, depois da vida é o direito mais fundamental da pessoa. Até o constitucional ir-e-vir escora-se no ser livre. Ser livre, axiologicamente, é fazer tudo o que é bom para nós.  Ou, fazer tudo o que se tem vontade de fazer (definição anárquico-existencialista). Ser livre é fazer o que se deve fazer (definição ontológica). A vida em sociedade, regulada por normas de comportamento, não permite ao homem fazer tudo o que pode; muito menos aquilo que quer. Ser livre é desfrutar de liberdade, sim, mas controlar os atos de conduta, de forma autodeterminada, de acordo com os ditames considerados válidos pela ética e pela moral.

Nesse contexto, a liberdade exige sempre condições de ordem social, cultural, política e econômica que tornam possível seu completo exercício. No terreno da moral, ser livre é exercer direitos e deveres frente ao outro. Liberdade é uma relação entre pessoas. Ser livre significa “ser livre para o outro”, uma vez que o outro me liga a ele. De nada me adianta ser livre se eu estiver isolado.

No famoso “paradoxo de Sócrates”, vemos que a virtude se identifica com o conhecimento enquanto que o vício com a ignorância. Assim, desde aquele tempo, a condição para o homem ser livre é ter ciência de sua liberdade, assim como a capacidade de avaliar o bem que dispõe em sendo livre. Na obra de Aristóteles (In: Ética a Nicômaco) vamos encontrar a expressão proairésis como “escolha deliberada” ou decisão voluntária, aquela que é tomada como fruto de uma vontade livre. Trata-se de uma crítica aos paradoxos socráticos, onde erros e pecados não são voluntários, mas fruto de alguma compulsão ou limitação incontrolada.

Em sua magistral obra “O livre-arbítrio” Santo Agostinho afirma que a liberdade de escolha, a capacidade de decidir, em suma, o livre-arbítrio é o que nos diferencia dos animais. Agindo instintivamente, o animal não tem muitas opções de decisão, agindo previsivelmente, conforme sua natureza. O ser humano é diferente. Diante das alternativas que se colocam à sua frente, a pessoa é capaz de decidir, certo ou errado, contra si ou a favor, mas decidir com liberdade. Essa propriedade só o homem possui. Tirá-la, deixando o ser humano sem alternativas, escolhendo por ele, é reduzi-lo à condição animal mais primária, onde apenas o instinto decide.

O livre-arbítrio nasce com a filosofia estóica, que o chamavam de auteksosion, a lei maior da fysis (natureza), única força capaz de orientar a razão, talvez em resposta ao determinismo. Posteriormente seria ampliado sob Tomas de Aquino († 1274) e dogmatizado como essência do ser humano no Concílio de Trento (séc. XVI). É a águia se opondo à galinha Os racionalistas, empiristas e positivistas negam o livre-arbítrio, por julgarem-no contrário à razão.

Com o florescimento dos sistemas sociais, políticos e econômicos, a capacidade de as pessoas usarem seu livre-arbítrio, foi ficando cada vez mais restrita. Embora seja dito que o homem moderno é livre, observa-se que sua atuação é bloqueada por uma série de condicionantes, que o tornam elo de um sistema, uma marionete que se movimenta no placo de acordo com o script. A organização de tantas forças atuantes em nossa sociedade tem limitado a capacidade humana de raciocinar e de tomar decisões. O que o sociólogo austríaco Ivan Illich disse, anos passados, e que foi visto na época como uma crítica ao capitalismo americano, hoje se revela uma brutal realidade:

Logo, logo eles vão transformar a nossa sede em vontade de tomar Coca-Cola. A aprendizagem livre e criativa está afogada na acomodação e burocratização da escola, sustentada por mecanismos eternos de controle que são os exames, estabelecidos para a aprovação e a falta de liberdade de expressão.

Se a gente for olhar a fundo, nosso livre-arbítrio está indo (ou já foi) pro beleléu. A gente vê um comercial, de comida, chocolate, pizza, refrigerante, cerveja e fica com água na boca. A própria Coca Cola, citada por Illich, na década de 50 cunhou o slogan “A pausa que refresca”. Recordam? Nos Estados Unidos, legítimo laboratório do marketing globalizado, criaram recentemente a divisa cheering is thirsty work (torcer dá uma sede!) endereçada ao público dos estádios. No Brasil eles simplificaram: é só o ruído do refrigerante caindo no copo e a frase final: “Enjoy” (curta!). O condicionamento dispensa maiores legendas.

De uma feita, há tempos atrás, um leitor mandou-me um e-mail sobre algumas colocações que fiz em uma crônica de jornal, dizendo não concordar com a afirmação de que “nossa liberdade é relativa”. Para citar exemplos de lugares sem liberdade, ele citou Cuba, China e alguns locais da antiga União Soviética. Na verdade, fiz ver ao leitor que, em Cuba, como em qualquer outra ditadura escancarada, eles “prendem e arrebentam” e ninguém pode dizer nada. Até aí ele tem razão. A diferença é que aqui nos podemos dizer, chorar, denunciar e espernear. Só que ninguém dá bola para as nossas perorações. No Brasil, do jeito que estamos, a liberdade é de fachada, mas não é real. Venderam a Vale, a CELPE, o Meridional, e outras estatais rentáveis. Você queria que vendessem? A sociedade queria? Não! No entanto, para fazer um cash político, o governo vendeu a despeito de nossos protestos, sem dar a mínima importância à nossa indignação. Isto é liberdade?

Todos serão julgados pela lei da liberdade (Tg 2,12)

A aposentadoria, de uma hora para outra, passou a ser algo intangível. A pessoa de cinqüenta anos é velha para conseguir emprego, mas jovem para se aposentar. Alguém deu ouvidos aos nossos clamores? Os pensionistas e aposentados são explorados e ainda vão ter que pagar a conta do sucateamento da Previdência. Subiu a alíquota do Imposto de Renda, assim como subiram remédios, combustíveis, taxas de serviço público. A nação chiou. Alguém ouviu? A gente vota em presidente, governador, senador, deputado e eles fazem o contrário daquilo que queríamos. Isso é liberdade? E onde fica o direito de protesto? As greves foram esvaziadas, os sindicalistas calados sob a ameaça de demissão, os sindicatos falidos com multas e penas de “ilegalidade”. Queixar-se a quem?

Os “supremos” tribunais nacionais, nomeados pelo governo, só decidem em favor deste, em geral à revelia do interesse maior da sociedade. Apenas na Justiça do Trabalho – e assim mesmo os “liberais” querem acabar com ela – ainda decide em favor dos mais pobres. A ditadura da grande mídia, ao nítido estilo macartista, sempre quer provar que, aqueles que não pensam conforme o “sistema”, em favor de um estado “moderno” (leia-se banana, cordato, fantoche, genuflexo ao estrangeiro), é inimigo do país e da modernidade. Por isso, penso que nossa liberdade é relativa. Temos liberdade para ir à praia, ao cinema, ao futebol. Mas não podemos pensar diferente do esquema oficial, pois nossos eleitos não nos representam e decidem quase sempre contra nós. Assim, somos livres para pensar como pensam os áulicos do sistema. Nada mais que isso…

A globalização – e a definição é de Betinho – serve para o processo de anestesia que nos conduz ao consumo em massa. Ao velho Adão foram colocadas duas alternativas, comer ou não do fruto da árvore do bem e do mal. A nós, hoje, pela propaganda globalizada, e pelos estímulos psicossociais, não é dado direito de escolha, Quando menos se espera estamos bebendo Coca-Cola, usando Nike, comendo no McDonald’s, usando a moda internacional, pilotando um “importado” e cantarolando o último sucesso de Bob Dylan.

A globalização, apoiada pela mídia neoliberal (“é preciso levar vantagem em tudo”, lembram?) e pela emergência do mercado, nos tira, em muitos casos o direito de pensar a vida, a moral, a história. E quem denunciou isso, no Fórum Social, por exemplo, foi chamado, por alguns, de retrógrado, membro da “esquerda festiva” e outros encômios padrão das direitas radicais.

A mídia brasileira – eu sempre falo n(d)ela nas minhas conferências  – foi como que “colonizada” pela ideologia internacional. A gente liga rádio só escuta música americana. Perece que estamos no Bronx. Essa cooptação -a partir do cultural- só ajuda o capital e não soma nada em favor da população. O homem, quando não tem acesso ao trabalho e à sobrevivência, vira um animal. Quem é incapaz de tomar decisões por si só, é como um índio, um limitado, um bicho. Os reacionários das elites, nacionais e internacionais, não cansam de afirmar que a preocupação com o social é discurso anacrônico, dos anos 70. É de se questionar: existe coisa mais atrasada que transformar pessoas em escravos, em zumbis ou em bichos? É este o modelo de sociedade moderna que eles querem? O governo articula os projetos do capital, a mídia fiel elabora o script e boa parte da sociedade, mesmo as vítimas, se volta contra qualquer tentativa de protesto ou de organização popular. Isso é liberdade?

A superveniência do mercado, como “fim da história”, pregada por Fukuyama no final do século passado hoje é premissa bastante contestada. Mesmo assim, a globalização – por estar a serviço do consumo – ainda é pintada com as cores mais sedutoras. O povo é livre, desde que não se rebele contra a imponência da “liberdade”, senão vêm as trevas e tome polícia, cacetadas, atentados, prisões, jatos de água, dentadas de cães ferozes…

Jesus nos libertou do império das trevas (Cl 1,13).

Com o capital sem bandeira, estandarte da globalização, no seu laissez-faire, vale mais o princípio ético do “é feio perder” do que o respeito aos anseios do homem, desde os mais humildes até os letrados. Os conglomerados fazem todo o tipo de pressão para esvaziar os sindicatos, por exemplo, que a esta altura do campeonato, são praticamente a única voz em defesa da liberdade da classe trabalhadora. O resgate dos valores sociais, como melhora da qualidade de vida humana, traz consigo duas dimensões de transformações. Na dimensão individual, eu devo me conscientizar (esta palavra sofreu anátemas nos tempos da ditadura) da amplitude do problema, mudando e empreendendo novas práticas, com vistas à reforma da sociedade, a partir da base. No segundo aspecto, o social, depois que eu me transformo e adquiro consciência do problema, devo lutar para implantar, na sociedade pluralista em que se vive, um humanismo que seja capaz de banir o individualismo.

É difícil? Vai demorar? As grandes caminhadas sempre começaram pelo primeiro – e decisivo – passo. Buscar as mudanças é um ato de coragem, como que um indicador de que o livre-arbítrio ainda está atuante na busca da ética e do bem comum. É aquela ruptura dos paradigmas que tanto se fala. É preciso mudar. As elites (até algumas religiosas) gostam do pobre humilde, cordato, pedinte, cabeça baixa: é mais fácil manipulá-los. Não admitem organização nem autonomia. Nos anos da ditadura, o secretário de estado americano, H. Kissinger, um dos que mandavam no Brasil, referindo-se a alguns religiosos brasileiros, que incentivavam o povo a exercer o senso-crítico e a buscar direitos, aconselhou o governo a buscar novos missionários, que rezassem mais e pensassem menos. Voltando às elites, elas aceitam que os miseráveis reivindiquem cestas básicas, mas não aceitam que eles pensem com suas próprias cabeças. Não admitem que o pobre faça política. Votar pode; fazer política, não! Isso é liberdade? Sobre esse cerceamento de expressar-se livremente, falando em Paris, certa vez, por volta de 1970, a estudantes universitários, dom Helder Câmara († 1998) disse:

Quando ajudo os pobres, me chamam de profeta. Quando questiono por que há pobres, dizem que sou comunista.

Na verdade, um processo de emperramento sociocultural nos impede de pensar com liberdade. Sempre nos disseram: “você é livre, desde que…”. Essas várias condicionantes foram como que minando a capacidade do povo decidir. Quando veio o neoliberalismo, a globalização e sua mídia, ficamos como aquele cidadão do fecho, do poema de Maiakovski (†1930), “…porque nunca dissemos nada, já não podíamos dizer mais nada”. É o que nos diz Stédile: “lutamos contra três cercas: o latifúndio, o capital selvagem (neoliberal e excludente) e a ignorância”. No roldão do “capital selvagem” eu incluiria a mídia.

No terreno da busca da liberdade há que salientar os movimentos populares, urbanos e rurais, onde as mulheres têm um papel importante nessa luta. Lúcidas, ativas, politizadas e determinadas, elas sabem onde aperta a fome, a injustiça, a discriminação e todas as faltas, de saúde, educação, segurança, moradia, políticas agrárias, etc. Ademais, quando uma liberdade específica é questionada, há um indicativo irrefutável de que toda a liberdade fracassou.

A modernidade está em crise – afirma Frei Beto – porque as quatro grandes instituições, nas quais ela se apoiou, estão em crise: família, igreja, escola e Estado. Sabemos que os modelos antigos não estão vigorando mais. Alguns, numa atitude saudosista, querem ainda manter ou trazer à atualidade aquilo que foi bom no passado. Não é fácil, porque há novos modelos sendo forjados nisso que hoje os filósofos já chamam de pós-modernidade.

O Espírito de Deus me ungiu para libertar… (Lc 4, 18)

É lamentável constatar que na globalização, nosso livre-arbítrio, por causa do ateísmo do capital fica postergado a planos irrelevantes. Liberdade e livre-arbítrio são dons de Deus. Os poderosos não querem que as pessoas pensem; que decidam; que elejam candidatos próprios, etc. A mídia, manipulando habilmente dados, pesquisas e “tendências” já anuncia, meses antes, quem vai ganhar.

O sistema globalizado, de corte eminentemente neoliberal, tem na limitação da liberdade do homem seu maior trunfo para seguir vencendo e dominando. Muito dinheiro (e poder) nas mãos de poucos, gera pobreza e redução de liberdade. Esse ainda é o quadro atual, triste, porém irretocável, da globalização no Brasil e nos países de Terceiro-Mundo. Essa perda de liberdade embrutece o homem e faz infletir sobre toda a sociedade uma avalancha de violência, por vezes incontrolável. É o que Santo Agostinho nos diz, enfaticamente:

Quando tiramos a liberdade do homem, ele passa a agir como um animal, apenas segundo a natureza (e às vezes contra ela). Quando o ser humano é privado do livre-arbítrio, isto é, da capacidade de tomar decisões livres, criam-se as origens do mal moral.

* Doutor em Teologia Moral
Artigo publicado no Portal Adital, em 22 out 09