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Para analista, não dá para esperar saída perfeita para a Síria

syria_jihadists_al_nusraEm três anos da brutal guerra civil na Síria, a única coisa com que as potências estrangeiras concordam é que não há solução puramente militar para a tragédia que já matou cerca de 120 mil pessoas, gerou três milhões de refugiados e deixou o país quebrado, se é que tenha conserto, pelos próximos 25 ou 50 anos.

[Phillip J. Crowley, BBC Brasil, 11 dez 2013] Sem ninguém no horizonte para impor uma solução para a Síria, qual seria a melhor opção diplomática possível? Como implementá-la? Em quanto tempo?

Conflito geracional

O jogo de guerra da Síria tem mais de 20 atores, de potências estrangeiras como os Estados Unidos, a Europa, a Rússia, a ONU e alguns vizinhos chaves, até grupos nacionais sírios. Entre esses, o próprio regime de Bashar al-Assad, o Exército Livre da Síria, o grupo xiita libanês Hezbollah, além de vários grupos de extremistas islâmicos e da sociedade civil síria.

O equilíbrio de forças funciona assim: grupos pró-regime prevalecem sobre os que querem uma Síria totalmente distinta. E não há solução à vista.

A revolta na Síria representa um conflito geracional. A guerra pode durar mais uma década, com partes da Síria estabilizando, cedo ou tarde, dependendo dos cálculos políticos e militares de vários grupos.

Embora os grupos que atuam no conflito sírio acreditem que o país sobreviva com o território intacto, enclaves para grupos étnicos como os alauitas, os curdos e a oposição sunita devem ser necessários.

Assad

Havia pouca confiança que a segunda rodada de negociações em Genebra, em janeiro, iria levar a uma resolução. A Síria parece estar menos madura para uma solução do que há um ano. Assad acredita estar ganhando, principalmente após o acordo para destruição de armas químicas, que evitou uma intervenção americana.

A diplomacia deveria se empenhar em encontrar um denominador comum entre os atores estrangeiros que atuam na crise síria – os Estados Unidos, a Turquia, a Rússia, a Arábia Saudita e o Irã. Cada um tem visões diferentes sobre um cenário ideal para a Síria. Ninguém quer a vizinhança desestabilizada ou grupos extremistas ganhando força e ditando as regras em parte do território sírio.

As perspectivas de uma maior cooperação foram fortalecidas pelo acordo nuclear temporário com o Irã. As atuais negociações entre o Irã e os poderes globais criaram um ambiente propício para discutir a Síria. Mais progresso no front nuclear poderia abrir portas na Síria também. O oposto também é verdadeiro.

Um grande obstáculo, no entanto, é o futuro de Assad.

Criatividade diplomática

Os Estados Unidos, a Arábia Saudita e a Turquia insistem em tirar Assad do poder como parte de qualquer solução. Por outro lado, a Rússia acredita que Assad pode manter a Síria intacta e derrotar os extremistas. O Irã vê Assad como um ativo regional importante e protetor das minorias xiita e alauíta da Síria, que poderiam ser perseguidas sob um eventual governo sunita.

É possível harmonizar tantas diferenças? Sim, mas isso requer ajustes na política síria, criatividade diplomática, vontade política e um maior compromisso da administração Obama para com a questão síria.

Primeiro, os Estados Unidos precisam ver a Síria sob a perspectiva da segurança internacional e do contraterrorismo. A governança representativa e inclusiva da Síria é objetivo de longo prazo, para a próxima década. O foco inicial deve ser conter o conflito, entregar ajuda humanitária e prevenir extremistas islâmicos de ganhar mais território.

Segundo, cooperar com Assad não é um começo. É preciso convencer seus aliados (alauitas e cristãos) e o Irã de que presidente sírio deve sair de cena, com garantias para o período de transição. É nesse ponto que pode ser necessário estabelecer enclaves étnicos na Síria, como um solução temporária. Se extremistas islâmicos tentarem tomar um assentamento, os Estados Unidos poderiam considerar uma operação área, munidos de uma resolução do Conselho de Segurança a fim de reduzir às ameaças à sociedade síria.

Oriente Médio e EUA

Finalmente, um grupo de contato político pode ser estabelecido para dar seguimento às negociações de paz de Genebra. Os países que desempenharão algum papel no futuro da Síria poderiam participar, incluindo o Irã. Essa proposta seria para assegurar que todas as fronteiras da Síria estaria seguras. Também iria interromper o apoio estrangeiro a extremistas. Estabeleceria ainda corredores humanitários para assegurar ajuda. Daria ainda apoio para o retorno de refugiados, assim como ajudaria o estabelecimento de governos locais.

O Oriente Médio tem responsabilidade primária na resolução da crise síria, mas nada de mais substantivo vai ocorrer sem o compromisso americano.

Assim, rivais históricos podem ajudar encontrar a “melhor saída possível” para a Síria. O primeiro passo é reconhecer que a situação na Síria pode ficar ainda mais horrenda do que é hoje. Não é possível esperar uma solução perfeita.

*Phillip J. Crowley foi secretário de Estado assistente no governo Obama e é atualmente professor do George Washington University Institute of Public Diplomacy and Global Communication.

Congo: A maior guerra do mundo

congo_warChacinas, estupros de mulheres e sequestros de crianças são armas de guerra no país. É o mais sangrento conflito desde a 2ª Guerra.

Dessa vez, nem esperaram o disfarce da noite. Atacaram às claras, surpreendendo os aldeões na lavoura. Eram 11 horas, calcula Geni Mungo olhando para o céu – o relógio natural de Lwibo, vilarejo na Província de Kivu do Norte, na fronteira oriental da República Democrática do Congo. Ela os viu chegar de longe, pelo mato. Correu para casa para avisar os três filhos sobre o ataque, mas, ao saírem, os rebeldes estavam muito perto.

[Adriana Carranca, enviada especial do Estadão, Lwibo, Rep. Democrática do Congo, 20 out 2013] Alcançaram primeiro seu marido, abatido como um bicho. Ela titubeou, mas sabia que não poderia salvá-lo. Seguiu em direção ao rio. Moradores tentavam escapar, imaginando poder atravessar para o outro lado e sumir na mata. Alcançaram a ponte frágil de madeira. Armados com facões, os rebeldes cortaram as cordas.

Geni viu os corpos das duas filhas serem arrastados pela correnteza de outubro, mês das chuvas. Forjou com o caçula um esconderijo sob folhas de bananeira e ali ficaram até cessarem os gritos. Voltou à vila e encontrou a cabeça do marido, como as de outros homens da aldeia, secando ao sol em estacas – a marca do grupo liderado por um homem chamado Sheka.

O bando saqueou e botou fogo nas palhoças. Fugiu levando 45 crianças que estavam na pequena escola da vila no momento do ataque. Os meninos são feitos soldados. As meninas, escravas sexuais.

Dois dias após o ataque, quando o Estado visitou o local, os gritos de um professor de 25 anos, chamando cada aluno pelo nome, ainda ecoavam na mata – em vão. Ele tinha esperança de que as crianças, de 6 a 12 anos, assustadas, estivessem escondidas. O professor e todos à sua volta sabiam que isso era improvável. Geni buscava o corpo do marido – queria enterrá-lo inteiro – e os das filhas.

congo mapAssim se vive no Congo (antigo Zaire), buscando os desaparecidos e recolhendo corpos no rastro de ataques que ocorrem com frequência assustadora.

Em quase duas décadas, os confrontos no leste do país deixaram cerca de 6 milhões de mortos. É o maior e mais sangrento conflito desde a 2.ª Guerra, produziu mais vítimas do que todos os combates recentes somados. É o holocausto africano. Mas pouco se ouve falar sobre ele porque ocorre na floresta densa de um continente esquecido, a África, não mata brancos, não ameaça o Ocidente. Pelo menos, até agora.

O Congo é a maior e mais cara missão da ONU. E o retrato mais visível de seu fracasso.

“Muzungu! Muzungu!”, gritam as crianças ao ver uma equipe da organização Médicos sem Fronteira (MSF), que chega para atender feridos. Não há. Nesse tipo de ataque, os rebeldes não deixam vivos para trás – matam os que podem alcançar. A ajuda humanitária trata outros fantasmas que assombram o Congo: malária, sarampo, cólera, desnutrição, infecções, traumas. Muzungu quer dizer branco – a MSF é uma dos raras entidades que chegam à região remota, com acesso dificultado por estradas esburacadas, enlameadas e dominadas por grupos armados.

Lwibo fica em uma área limítrofe entre territórios controlados pela Aliança de Patriotas por um Congo Livre e Soberano (APCLS), formado por homens da etnia hunde, e as Forças Democráticas para a Liberação de Ruanda (FDLR), de hutus (veja mapa na página A15). Numa espécie de vácuo, o vilarejo fica exposto a ataques de forasteiros como Sheka, de outra região – o que faz com que a população prefira estar sob a mão pesada de um grupo rebelde de sua etnia, que lhes cobra impostos em troca de proteção.

As chacinas de homens, os estupros de mulheres e os sequestros de crianças tornaram-se armas de guerra no Congo. Servem para humilhar o oponente e mandar-lhe um recado: não mexa com a minha área ou vou invadir seu território e massacrar seu povo.

Cobiça. É uma guerra travestida de conflito étnico, mas que esconde interesses mundanos: os trilhões de dólares enterrados no solo vermelho do leste do Congo. O maior país da África subsaariana é também o mais rico em recursos naturais, confiscados desde a colonização belga. Hoje, essa riqueza financia as milícias sem que o povo veja um tostão. Ao contrário disso, são explorados no trabalho pesado das minas.

Ouro, diamantes, coltan – minério que contém tântalo, usado em aparelhos de celular e tablets – são contrabandeados para países vizinhos como Ruanda, Uganda e Burundi. Calcula-se que apenas 10% das minas do Congo sejam exploradas legalmente.

O comandante Sheka era responsável por um dos centros de negociações de minérios da estrada entre Lobuto e Walikali, onde estão pequenas aldeias satélites das minas escondidas na floresta. Um dia, ele matou o patrão, roubou seu dinheiro e iniciou seu próprio grupo Mai-Mai – nome dado às gangues locais, com interesse puramente econômico.

Em uma pista improvisada de pouso na altura de Kilambo, pequenos aviões aterrissam e decolam com frequência. “Trazem equipamentos para mineração e voltam levando sacos de minerais”, disse ao Estado o especialista de uma organização internacional, há sete anos no Congo. “O destino oficial é Goma, mas extraoficialmente… Como explicar que Ruanda e Uganda se tornaram exportadores de minérios? Onde estão suas minas? Vendem para mercados como a China e, de lá, para EUA e Europa, que lavam as mãos sobre a procedência.”

O governo congolês é visto como fraco e corrupto. Enquanto a reportagem conversava com moradores de Lwibo, jovens do FDLR passavam caminhando tranquilamente com velhas Kalashnikov; um deles trazia um porco no laço e uma AK-47 personalizada – o cabo de madeira pintado de branco e o metal de um dourado reluzente, possivelmente ouro.

À luz do dia, controlam vilarejos e estradas. Vigiam seus impérios miseráveis do alto de pequenos montes – milicianos desleixados e maltrapilhos, armados com fuzis de assalto, o cinturão de balas à tiracolo, óculos escuros com o aro irremediavelmente dourado e um cigarro de bangi (a maconha congolesa). Pela estatura, alguns aparentam ter 11 ou 12 anos, mas num país como o Congo não é possível saber a idade – a desnutrição impede o crescimento, enquanto a guerra endurece o semblante e envelhece seus rostos, enrugados e com marcas de navalha. São crianças velhas.

Entre Lwibo e Masisi, havia pelo menos três postos de checagem: cabanas de madeira e cancelas de bambu, onde os rebeldes cobram pedágio de camponeses que passam com banana, mandioca, amendoim para vender no vilarejo mais próximo – tomam-lhes algo como 10% da colheita. “Todos os grupos armados sobrevivem da exploração das minas. É uma questão-chave desse conflito. Os impostos são um complemento”, disse o especialista.

O Estado viu minas de coltan – pequenas Serras Peladas negras – e, à noite, caminhões sendo abastecidos com o material sob a vigilância dos rebeldes. Um bando armado estava a 500 metros da base da Missão da ONU em Nyabuondo. Dois jovens se aproximam do carro da MSF, que transportava uma grávida em trabalho de parto. Só se vê o brilho do cano de seus fuzis e o branco dos olhos. Querem revistar o carro. “MSF!”, avisa o motorista. A organização, neutra, não permite que homens armados entrem no carro e trafega sem seguranças. “Sigara! Um cigarro!”, eles pedem. E somem na escuridão.

Milícias usam violência sexual como arma de guerra no Congo

Nos cinco minutos que você levará para terminar de ler esta reportagem, pelo menos três mulheres terão sido estupradas na República Democrática do Congo. A cada hora, 48 mulheres são violentadas no país, segundo um estudo publicado no American Journal of Public Health. Organizações de proteção aos direitos humanos também registram um número impressionante de vítimas masculinas.

[BBC Brasil, 24 ago 12] No total, 22% dos homens e 30% das mulheres do Congo já foram vítimas de violência sexual em ataques relacionados ao conflito, segundo números de 2010. Tais estatísticas levaram a enviada da ONU ao país, Margot Wallström, a classificar o país como a “capital mundial do estupro” em um apelo para que o Conselho de Segurança tomasse uma atitude para interromper a barbárie.

Mas se os números já são chocantes, os depoimentos reunidos pelo jornalista Will Storr em uma investigação exclusiva para a BBC são um grito de socorro que a comunidade internacional não deveria ser capaz de ignorar. Continue lendo

A infância como alvo das guerras

Há 1,5 bilhão de crianças e adolescentes com menos de 18 anos vivendo em 42 países afetados por violência e conflitos intensos. O número corresponde a dois terços da população infantil do mundo.

[Ana L Valinho, O Globo, 15 mar 12]  Desde o início do conflito na Síria, em março de 2011, os relatos de atrocidades cometidas pelo governo do presidente Bashar al-Assad contra os insurgentes só aumentam. A ONU estima que mais de oito mil pessoas já foram mortas. Nas últimas semanas, o cerco aumentou, com a tomada de áreas rebeldes e centenas de assassinatos. Porém, a chacina, na última segunda-feira, de 26 crianças (com vídeos amplamente divulgados que mostravam alguns corpos com sinais de tortura e gargantas cortadas) no bairro de Karm el-Zeitun, na castigada cidade de Homs, aprofundou preocupações com a escalada da violência no país. E com o uso de crianças como alvo deliberado para determinados fins.

O massacre, que vitimou também 21 mulheres, de acordo com os Comitês Locais de Coordenação da Síria, causou uma forte reação mundial. A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e os chanceleres da França, Alain Juppé, e do Reino Unido, William Hague, entre outras autoridades internacionais, condenaram o episódio, em que o governo e os opositores acusam-se mutuamente. Continue lendo

Ano de 2011 bate recorde em números de minas terrestres no mundo

Até 2010, havia 4.191 artefatos registrados no mundo; tratado de proibição conta com a participação direta e apoio de 158 países

[Renata Giraldi. Agência Brasil, 23 nov 11] O ano de 2011 bateu o recorde em comparação aos anos anteriores no que se refere ao número de minas antipessoais (terrestres). Até 2010, havia 4.191 minas registradas no mundo. Os dados ainda estão sendo compilados. Mas a conclusão está no relatório da instituição independente Monitor de Minas Terrestres – formada por cinco organizações não governamentais – que monitora e informa sobre a execução de tratados humanitários e de desarmamento.

O organismo alerta que governos e grupos armados ainda fazem uso das minas antipessoais como armas de guerra. O Monitor de Minas Terrestres foi criado em 1998 e conta com o apoio de entidades civis de vários segmentos de defesa dos direitos humanos. No relatório, o organismo elogia os esforços da comunidade internacional em livrar o mundo das minas. Continue lendo

Líbia usa minas terrestres produzidas no Brasil, dizem entidades

Rebeldes dizem já ter encontrado e removido mais de 150 minas (Foto: Human Rights Watch)

[Rafael Spuldar, BBC Brasil, 23 jun 11] Minas terrestres de fabricação brasileira estão sendo utilizadas pelo governo da Líbia contra os insurgentes que combatem as forças do regime do coronel Muamar Khadafi, afirmaram entidades de defesa dos direitos humanos.

De acordo com a ONG Human Rights Watch e a Campanha Internacional pelo Banimento das Minas Terrestres (ICBL, sigla em inglês), os artefatos brasileiros localizados e fotagrafados na Líbia são minas antipessoais T-AB-1, que foram fabricadas até 1989 pela empresa brasileira Britanite Indústria Química (hoje chamada IBQ Indústrias Químicas).

As minas foram encontradas no início de junho nas montanhas de Khusha, cerca de 1,5 km ao norte da cidade de Zintan. Segundo a Human Rights Watch, os explosivos foram posicionados aparentemente para defender posições do governo no norte da Líbia. Continue lendo

Mulheres estupradas em conflito líbio correm risco de ser mortas por ‘honra’

[Pascale Harter, BBC Brasil, 15 jun 11] Mulheres e meninas líbias que engravidaram durante estupros correm o risco de serem assassinadas por suas próprias famílias, em atos chamados de “mortes honrosas”, advertem agentes humanitários.

Se ao redor do mundo o estupro é um tema sensível, na Líbia o tabu é ainda maior.

“Na Líbia, quando um estupro ocorre, parece que toda a cidade ou aldeia é considerada desonrada”, explica Arafat Jamal, da agência de refugiados da ONU (UNHCR).

Entidades beneficentes do país dizem estar recebendo relatos de que, no oeste do país, que é especialmente conservador, as forças do líder Muamar Khadafi teriam abusado sexualmente de meninas e mulheres diante de seus pais e irmãos. Continue lendo

Crise líbia: Perigo de contágio na África subsaariana

[Voz da América, 30 mar 11] Os confrontos na Líbia poderão provocar o êxodo de muitas pessoas desde meros refugiados até mercenários e militares

Os confrontos na Líbia poderão provocar o êxodo de muitas pessoas, desde meros refugiados até mercenários e militares, em direcção aos países situados a sul. Contudo, salientam muitos analistas, aqueles países não têm condições de acolhimento.

A cidade de Dirkou no deserto do Níger situa-se a mais de 1.600 km da costa líbia onde os rebeles apoiados pela NATO lutam contra as forças governamentais.

Contudo aquela cidade de poucos recursos poderá debater-se com uma crise humanitária se os confrontos alastrarem para o sul da Líbia.

Prevê-se com efeito que vagas de mercenários e de desalojados se desloquem para cidades tais como Dirkou através de toda a região do Sará. Segundo Jeremy Keenan, um especialista britânico em assuntos africanos, nenhum dos países vizinhos tem capacidade de resposta para um tal afluxo.

A principal preocupação, diz Keenan, são os mercenários. Segundo ele, Gadhafi contratou alguns milhares de mercenários da África subsaariana e o seu exército inclui igualmente cerca de 10 mil homens de comunidades nómadas tuaregues provenientes não só da Líbia como também do Mali, Níger, Chade e Burkina Fasso. Continue lendo

Nem recessão mundial freia o comércio de armas

A M-1 (I think) machine gun, loaded with live ...

A crise financeira mundial não impediu que a venda de armas crescesse 22% nos últimos cinco anos. Tanto nações ricas como pobres reforçaram seus arsenais com aviões caça, helicópteros de combate, submarinos, veículos blindados e sistemas de defesa aérea. Os cinco maiores compradores de armas no período de 2005 a 2009 foram China, Índia, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos e Grécia, segundo os últimos dados divulgados pelo Instituto Internacional de Estocolmo de Pesquisa para a Paz (Sipri). A lista continua com Turquia, Cingapura, Paquistão, Malásia, Israel, Argélia, Morrocos, Líbia, Egito, Irã, África do Sul, Arábia Saudita, Brasil, Sudão, Chile e Venezuela.

Nesse período, os cinco maiores vendedores foram Estados Unidos, Rússia, Alemanha, França e Grã-Bretanha, responsáveis por mais de 75% das exportações de armas convencionais, segundo o Sipri, um dos principais institutos do mundo dedicados à pesquisa sobre armas. Estados Unidos e Rússia continuam sendo de longe os principais exportadores, com 30% e 24%, respectivamente, de todas as exportações de armas.

“Creio que deveria ser enfatizado que os líderes políticos de diferentes regiões do mundo manifestaram a preocupação de que sua região esteja à beira da corrida armamentista”, disse à IPS Paul Holtom, diretor do programa de transferência de armas do Sipri. Os dados do instituto sobre entregas e pedidos de armas demonstram que estas preocupações têm fundamento, já que em várias regiões de tensão há provas de compra em reação a determinadas situações. Por exemplo, é razoável supor que o pedido do Marrocos aos Estados Unidos de caças F-16 esteja relacionado com a entrega de aviões russos Su-30MK à vizinha Argélia, acrescentou Holtom.

Os aviões caça representaram 27% das transferências internacionais de armas entre 2005 e 2009. Foram enviados 72 F-16E aos Emirados Árabes Unidos, 52 F-161 a Israel e 40 F-15K à Coreia do Sul, que no total custaram milhares de milhões de dólares. Nas exportações russas de aviões caça estão incluídos 82 Su-30 para a Índia, 28 para a Argélia e 18 para a Malásia. Moscou também tenta concretizar este ano a venda à Índia de 126 aviões de combate, competindo com empresas norte-americanas e europeias. E os pedidos e entregas destes “sistemas de armas potencialmente desestabilizadores causaram preocupações armamentistas nas seguintes regiões de tensão: Oriente Médio, África do Norte, América do Sul, Ásia meridional e sudeste da Ásia”, segundo o Sipri.

Como o volume da entrega de armas pode variar significativamente de ano para ano, o Sipri emprega uma média quinquenal. Seus dados revelam que os países ricos em recursos adquiriram uma quantidade considerável de aviões de combate caros, explicou Holton. “Os rivais vizinhos reagiram a essas compras com pedidos próprios. Pode-se perguntar se essa é uma destinação adequada de recursos em regiões com altos níveis de pobreza”, acrescentou. Dan Darling, analista dos mercados militares da Europa e do Oriente Médio para a empresa norte-americana Forecast International, disse à IPS que seria imprudente prever uma tendência crescente no gasto militar mundial, enquanto permanece a incerteza econômica.

Mas, como revelam os números do Sipri divulgados no dia 15, o gasto na defesa e compra de armamentos cresceu de forma constante nos últimos cinco anos, disse Darling. Algumas das inúmeras razões são as rivalidades regionais, como entre Colômbia e Venezuela, Índia e Paquistão, Turquia e Grécia, China e Taiwan, entre outras, ou superávit fiscal, necessidade de renovar equipamentos militares, etc. Seja qual for o motivo, os vendedores de armas como Estados Unidos, Rússia, França, Alemanha, Itália, Grã-Bretanha e China buscarão colher os benefícios da tendência crescente, ressaltou.

O gasto com defesa na Europa não crescerá significativamente no curto prazo, devido em grande medida aos déficit fiscais e às dívidas públicas de muitos países europeus, mas também porque o continente não enfrenta uma ameaça estratégica direta. Convencer o público da necessidade de aumentar o gasto com defesa não é um caminho para a vitória política em muitas nações desse continente, afirmou Darling. “Os Estados Unidos, que nadam em seu próprio mar, logo poderiam ser obrigados a limitar os orçamentos do Pentágono (Ministério da Defesa) a apenas acima da inflação nos próximos anos”, acrescentou.

A entrega de armas segundo as regiões se manteve relativamente estável nos últimos dez anos, segundo o Sipri. As regiões que mais armas receberam no período 2005-2009 continuaram sendo Ásia-Oceania, com 41%, seguida de Europa 24%, Oriente Médio 17%, América 11% e África 7%. Quando perguntado como se pode interpretar o crescente armamentismo neste mundo em recessão, Holtom disse à IPS que as compras, feitas por rivais e Estados de uma mesma região “vistas” como possíveis ameaças, influenciam as decisões de compra e podem levar a uma perigosa espiral armamentista, na medida em que as nações buscam se manter no mesmo nível das compras dos vizinhos.

Atualmente, e apesar da tensão de algumas relações internacionais, não é fácil concluir que a compra de armas sozinha possa provocar um conflito, embora este fator possa influir na decisão de recorrer à via militar para dirimir um conflito político se as forças armadas de um país são mais fortes do que as do rival, disse Holtom. Por exemplo, o Azerbaijão começou a exibir seu poderio militar a respeito do conflito com a Armênia pela região de Ngorno-Karabaj, depois de um período em que os armênios reforçaram o gasto militar e compraram armas para superar seu rival, explicou. Darling, por seu lado, disse que o gasto com defesa continua crescendo na América Latina. Liderados pelo Brasil, muitos países da região realizam políticas de modernização militar para colocar seus envelhecidos arsenais em dia.

Em Túnis, Argélia, Morrocos e Líbia também continua o investimento em defesa. Mas o maior crescimento nessa área será na Ásia, que vai ser o principal mercado para venda de armas, graças a problemas de segurança interna e, como ocorre na América Latina, a um ciclo de renovação militar regional, disse Darling. Enquanto o investimento em defesa dos integrantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) estará relativamente limitada a pouco mais do que a taxa de inflação dos próximos anos, outras regiões continuarão experimentando o aumento do gasto militar que gera uma compra maior de armas, previu Darling.

Por Thalif Deen, 17 mar 2010

IPS/Envolverde.