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“Prioridade” para quem? Qual Evangelho? ~ Vinoth Ramachandra

[Texto publicado no Novos Diálogos, 29 nov 2010]

Contaram-me que no recente Congresso de Lausanne na Cidade do Cabo um pregador e autor americano popular afirmou veementemente que a evangelização, entendida como a proclamação verbal do Evangelho, era a “prioridade” da Igreja. Como esta é uma reação típica, instintiva, que a conversa sobre a justiça social ou a “missão integral” provoca em círculos evangélicos conservadores, é importante explorar quem está dizendo este tipo de coisa e se eles na verdade praticam o que estão dizendo.

Se as prioridades de uma pessoa são medidas pelo tempo que ele ou ela gasta no que faz, estou certo que qualquer um que observe a vida cotidiana deste pregador não concluiria que a evangelização fosse sua prioridade. Ele gastou considerável tempo e dinheiro numa longa e cara aquisição de educação. Se ele tem filhos, estou seguro que tem, da mesma maneira, investido significativamente na sua alimentação e em lhes assegurar a melhor educação possível. Não tenho dúvida de que ele come, pelo menos, três refeições ao dia e desfruta, ao menos, seis horas de sono por noite. Ele tem assistência médica e acesso à melhor atenção médica na nação mais rica no mundo. Possuindo um passaporte americano, ele pode voar livremente para (quase) qualquer lugar do mundo, sem precisar esperar em filas do lado de fora de embaixadas para conseguir vistos. Em outras palavras, seu estilo de vida privilegiado não se dá conta de muita coisa. Esse estilo de vida foi possibilitado pelo trabalho e sacrifício de tantos desconhecidos em muitas partes do mundo. E está distante da realidade experimentada pela maioria de seus irmãos que estavam presentes na Cidade do Cabo. Continue lendo

O Bêbado e o Hipócrita: o que as igrejas podem aprender com os bares

[Texto de Jon Foreman, do Switchfoot]

Eu tenho tocado música nas igrejas e bares a vida toda. Em muitos aspectos, há muita semelhança nesses dois lugares. Ambos os grupos dos “ajustados” estão à procura de sentido, realizando uma espécie de ritual, na esperança de encontrar um propósito, algo que extraia da dor algum sentido.

À primeira vista, a Igreja parece um lugar melhor para se procurar esperança do que o fundo de uma garrafa. Todos os dias, alcoolismo e vício de drogas destroem famílias, arruinam carreiras e naufragam comunidades. Por outro lado, as crenças teológicas e mal-entendidos foram responsáveis por divisões, divórcios e guerras ao redor do mundo. O problema com cada instituição está dentro de nós. É verdade, o álcool alimenta um fogo diferente do sentimento de piedade, mas nem bêbados  nem hipócritas parecem muito bons à luz do dia.

Nós levamos nossos problemas para a igreja da mesma maneira que carregamo-os para dentro de um bar – eles só reagem de forma diferente em cada lugar. Infelizmente, os pecados que existem dentro das paredes da Igreja são mais difíceis de detectar.

O orgulho, por exemplo, pode ser, incrivelmente bem escondido na comunidade religiosa. Eu raramente ouço as palavras “Eu não sei”, proferida na igreja. E, ainda assim, o trino Criador do tempo e do espaço será sempre envolto em mistério e santidade. Por que não começar no banco de humildade? Certamente todos nós temos conseguido algumas coisas erradas em nossas tentativas de cristianismo. Continue lendo

O anúncio do Reino de Deus e a ética: Ratzinger e Jon Sobrino, duas visões

[Por Moisés Sbardelotto, IHU Online, 21 nov 2010]

Para enfrentar problemas globais como a pobreza, a violência, o racismo e o sexismo, é necessário encontrar uma “abordagem básica para a moral”, ou seja, valores que “os seres humanos partilham em comum”. Mas, para isso, é preciso “rever o significado da lei natural para o mundo de hoje”.

Para a teóloga norte-americana Lisa Sowle Cahill, professora do Boston College, o desafio da ética é justamente “tentar formular diretrizes mais ou menos confiáveis e às vezes até absolutas, que definam instituições, práticas sociais e decisões individuais moralmente boas”. Mas reconhece: “Essa não é uma tarefa fácil. Na verdade, é uma tarefa que nunca acaba”. Por isso, hoje, “é essencial envolver a participação de vozes que foram frequentemente excluídas do processo decisório no passado, por exemplo, as mulheres, as minorias raciais e étnicas da sociedade e os leigos na Igreja”.

Especificamente com relação às mulheres, Lisa, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, critica o patriarcado ainda existente na Igreja, disfarçado sob “uma ideologia de ‘complementaridade entre gêneros'”, que, segundo ela, “serve como uma justificação para confinar as mulheres a papéis domésticos”. Mas, afirma, há sinais importantes de esperança para as mulheres na Igreja e na teologia moral, que não se encontram nos escritos dos papas e de outros mestres oficiais: é o papel que as próprias mulheres estão desempenhando na teologia e na Igreja. “O Brasil é o lar de muitas importantes teólogas feministas”, afirma. Continue lendo

O futuro do movimento de Lausanne ~ René Padilla

Os números relacionados com o Terceiro Congresso Internacional de Evangelização Mundial — que aconteceu na Cidade do Cabo, África do Sul, de 17 a 24 de outubro, sob o tema “Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo” (2 Coríntios 5:19) — são impressionantes. Estiveram presentes mais de 4 mil participantes de 198 países. Além disso, houve cerca de 650 sites de Internet conectados com o Congresso em 91 países e 100 mil “visitas” de 185 países. Isto significa que milhares de pessoas de todo o mundo puderam assistir às sessões por meio da Internet. Doug Birdsall, o presidente executivo do Movimento de Lausanne, provavelmente tem razão em afirmar que Cidade do Cabo 2010 foi “a assembleia evangélica global mais representativa da história”. Sem dúvida, este resultado foi alcançado, em grande medida, por meio de seu longo esforço.

Igualmente impressionantes foram os muitos arranjos práticos que se fizeram antes do Congresso. Além do difícil processo de seleção dos oradores para as plenárias e para os “multiplexes” (seminários) e as sessões de diálogo, dos tradutores e dos participantes de cada país representado, havia duas tarefas que devem ter envolvido muito trabalho antes do Congresso: a Conversa Global de Lausanne, para possibilitar que muita gente ao redor do mundo fizesse seus comentários e interagisse com outros, aproveitando os avanços tecnológicos contemporâneos; e a redação da primeira parte (a teológica) do Compromisso da Cidade do Cabo, redigida pelo Grupo de Trabalho Teológico de Lausanne, sob a direção de Christopher Wright. Continue lendo

Apartheid Espiritual, a Nossa Miséria ~ por José Roberto Prado

“APARTHEID” é uma palavra Africâner — idioma derivado do Holandês, falado na África do Sul — que significa “separação”.

Foi usada para descrever o regime de segregação racial praticado naquele país pela minoria branca sobre a grande maioria não branca, de 1948 até 1995.

Sob este regime, a lei determinava onde cada grupo deveria morar, que tipo de trabalho poderiam se dedicar e qual educação receberiam.

A África está sofrendo de uma praga mortal.

Enquanto nos prósperos países ocidentais se gastam bilhões em busca da cura da calvície ou da obesidade, na África, a malária, cólera e tuberculose ainda matam milhões.

A AIDS, por si só, ceifará a vida de uma geração inteira em vários países. Mas não é sobre esta tão divulgada miséria africana que escrevo.

É sobre a nossa miséria, a praga mortal que nos envenena, chamada “segregação”. Continue lendo

Ainda repensando a missão ~ por Vinoth Ramachandra

Assim que eu coloquei meu post anterior, li por casualidade um artigo excelente de Karla Ann Koll no volume de abril da International Bulletin of Missionary Research. Koll é professora de teologia em Costa Rica e diz melhor que eu, anedoticamente e com sólida análise acadêmica, o que necessita ser dito sobre a questão “viagens missionárias de curto prazo”. Eu recomendo o artigo para ser estudado por toda organização evangélica rica.

Logo depois do desastre do Tsunami de 26 de dezembro de 2004 no Sri Lanka, Tailândia e Indonésia, centenas de ONGs estrangeiras surgiram repentinamente, duplicando e competindo desnecessariamente entre si. “Equipes missionárias” bem-intencionadas, com pouca experiência de reabilitação e ajuda, cometeram todos os erros clássicos da ajuda externa (materiais para construção de casas inapropriados, doação a pessoas erradas, e assim por diante). Alguns líderes cristãos locais se tornaram adeptos não apenas de dançar a música tocada pelos doadores estrangeiros mas de compor as músicas que eles gostam de ouvir. Dinheiro corrompe tanto quanto ajuda.

Havia, entretanto, o outro lado da história. Nós nos beneficiamos enormemente do serviço espontâneo e sacrificial de muitos (cristãos e não-cristãos) de nações ocidentais e também de outras nações asiáticas. Houve, com frequência, homens e mulheres com habilidades técnicas e aqueles que vieram pra servir ao lado de suas contrapartes locais. Muitos deles decidiram ficar por seis meses, senão por mais tempo. Alguns jovens sem capacidade técnica simplesmente chegaram e se ofereceram para fazer trabalhos domésticos ao lado de gente local preparada. A contribuição de todas essas pessoas à ajuda imediata assim como para a reabilitação de longo prazo de vidas e comunidades é incalculável. É uma pena que nós no Sudeste Asiático não pudemos agir reciprocamente quando o furacão Katrina atingiu Nova Orleans um ano depois. A despeito de toda a retórica hoje sobre “missão de todo lugar para qualquer lugar”, os controles de fronteiras determinam a direção atual do serviço cristão.

Minha preocupação principal no último post não era a duração de tais viagens. Não era como se eu estivesse recomendando “missão de longo prazo” oposta à “missão de curto prazo”. Era, antes, o modo como o conceito mesmo de missão tem sido reduzido em muitos círculos evangélicos a “ir às nações” ou o que nós fazemos com cristãos caridosos em sociedades que não a nossa. Daí as divisões desastrosas — tanto em igrejas quanto em seminários teológicos — entre “missão” e “ética”, o “pessoal” e o “político”, “proclamação” e “diálogo”. Ao contrário dos primeiros discípulos de Jesus, aqueles de nós que vivemos em grandes cidades encontramos pessoas de todas as culturas e afiliações religiosas cotidianamente. Nós podemos também fazer uma enorme diferença na vida das pessoas em outras partes do mundo mudando nossos padrões de consumo, falando em nome daqueles que são afetados pelos nossos estilos de vida e desafiando as políticas e práticas de nossos governos. Isto se aplica tanto a lugares como Índia e Singapura quanto aos Estados Unidos ou Inglaterra.

Para aqueles de nós que vivemos em situações de pobreza, violência e tirania, Jesus nos exortou a nos tornarmos como “grãos de mostarda” que “caem na terra e morrem” (João 12:24): em outras palavras, ficar ao invés de “partir”, compartilhando livremente a dor e a desesperança de outros como uma testemunha da extraordinária esperança do Evangelho (Há vezes, claro, quando nós precisamos fugir — e não se sentir culpado por isso — mas apenas se nós podemos fazer melhor estando fora, para aqueles que nós deixamos pra trás). As únicas “metodologias” da missão que frutifica que Jesus deu à sua igreja foram os princípios de morrer e amar (unidade); mas estas custosas práticas de discipulado que transformam vidas são as que nós continuamos a ignorar em nome de “missões”. Ironicamente, estamos agora numa situação global onde cristãos ricos fazem incursões de “curto prazo” em países pobres, enquanto cristãos pobres (e cristãos ricos de países pobres) fazem viagens de “longo prazo” aos países ricos. Eu me pergunto que Boas Novas está sendo comunicada ao mundo dessa maneira? Como demonstramos a encarnação de Deus em corpos humanos vulneráveis e frágeis, e num lugar e tempo particular, quando o culto do consumo globalizado nos empurra na direção contrária?

Publicado originalmente em http://vinothramachandra.wordpress.com/2010/05/21/more-on-re-thinking-mission/

Vinoth Ramachandra Dr Vinoth Ramachandra nasceu no Sri Lanka. É doutor em Engenharia Nuclear pela Universidade de Londres. Foi Secretário Regional da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE) para o Sul da Ásia. É atualmente Secretário para Diálogo e Engajamento Social da CIEE em nivel global. Participa há muitos anos do Movimento de Direitos Humanos de Sri Lanka, da Rede Miquéias e d’A Rocha (organização internacional de conservação ambiental). É autor de vários livros e ensaios, entre os quais Subverting Global Myths: Theology and the Public Issues that Shape Our World (2008). Os textos postados na revista podem ser encontrados na sua versão original em inglês no blog http://vinothramachandra.wordpress.com/.

Por que persiste a Igreja-poder? ~ Leonardo Boff

Vou abordar um tema incômodo, mas incontornável: como pode a instituição-Igreja, como a descrevi num artigo anterior, com características autoritárias, absolutistas e excludentes se perpetuar na história? A ideologia dominante responde: “só porque é divina”. Na verdade, este exercício de poder não tem nada de divino. Era o que Jesus exatamente não queria. Ele queria a hierodulia (sagrado serviço) e não a hierarquia (sagrado poder). Mas esta se impôs através dos tempos.

Instituições autoritárias possuem uma mesma lógica de autoreprodução. Não é diferente com a Igreja-instituição. Em primeiro lugar, ela se julga a única verdadeira e tira o título de “igreja” a todas as demais. Em seguida cria-se um rigoroso enquadramento: um pensamento único, uma única dogmática, um único catecismo, um único direito canônico, uma única forma de liturgia. Não se tolera a crítica nem a criatividade, vistas como negação ou denunciadas como criadoras de uma Igreja paralela ou de um outro magistério.

Em segundo lugar, se usa a violência simbólica do controle, da repressão e da punição, não raro à custa dos direitos humanos. Facilmente o questionador é marginalizado, nega-se-lhe o direito de pregar, de escrever e de atuar na comunidade. O então Card. Joseph Ratzinger, Presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, em seu mandato, puniu mais de cem teólogos. Nesta mesma lógica, pecados e crimes dos sacerdotes pedófilos ou outros delitos, como os financeiros, são mantidos ocultos para não prejudicar o bom nome da Igreja, sem o menor sentido de justiça para com as vítimas inocentes.

Em terceiro lugar, mitificam-se e quase idolatram-se as autoridades eclesiásticas principalmente o Papa que é o “doce Cristo na Terra”. Penso eu lá com meus botões: que doce Cristo representava o Papa Sérgio (904), assassino de seus dois predecessores ou o Papa João XII (955), eleito com a idade de 20 anos, adúltero e morto pelo marido traído ou, pior, o Papa Bento IX (1033), eleito com 15 anos de idade, um dos mais criminosos e indignos da história do papado, chegando a vender a dignidade papal por 1000 liras de prata?

Em quarto lugar, canonizam-se figuras cujas virtudes se enquadram no sistema, como a obediência cega, a contínua exaltação das autoridades e o “sentir com a Igreja (hierarquia)”, bem no estilo fascista segundo o qual “o chefe (o ducce, o Führer) sempre tem razão”.

Em quinto lugar, há pessoas e cristãos com natureza autoritária, que acima de tudo apreciam a ordem, a lei e o princípio de autoridade em detrimento da lógica complexa da vida que tem surpresas e exige tolerância e adaptações. Estes secundam esse tipo de Igreja bem como regimes políticos autoritários e ditatoriais. Aliás, há uma estreita afinidade entre os regimes ditatoriais e a Igreja-poder como se viu com os ditadores Franco, Salazar, Mussolini, Pinochet e outros. Padres conservadores são facilmente feitos bispos e bispos fidelíssimos a Roma são promovidos, fomentando a subserviência. Esse bloco histórico-social-religioso se cristalizou e garantiu a continuidade a este tipo de Igreja.

Em sexto lugar, a Igreja-poder sabe do valor dos ritos e símbolos pois reforçam identidades conservadoras, pouco zelando por seus conteúdos, contanto que sejam mantidos inalteráveis e estritamente observados.

Em razão desta rigidez dogmática e canônica, a Igreja-instituição não é vivida como lar espiritual. Muitos emigram. Dizem sim ao cristianismo e não à Igreja-poder com a qual não se identificam. Dão-se conta das distorções feitas à herança de Jesus que pregou a liberdade e exaltou o amor incondicional.

Não obstante estas patologias, possuímos figuras como o Papa João XXIII, Dom Helder Câmara, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Luiz Flávio Cappio e outros que não reproduzem o estilo autoritário, nem apresentam-se como autoridades eclesiásticas mas como pastores no meio do Povo de Deus. Apesar destas contradições, há um mérito que importa reconhecer: esse tipo autoritário de Igreja nunca deixou de nos legar os evangelhos, mesmo negando-os na prática, e assim permitindo-nos o acesso à mensagem revolucionária do Nazareno. Ela prega a libertação mas geralmente são outros que libertam.

Leonardo Boff é teólogo e professor emérito de ética da UERJ.

A Nova Reforma Protestante [Revista Época]

Rani Rosique não é apóstolo, bispo, presbítero nem pastor. É apenas um cirurgião geral de 49 anos em Ariquemes, cidade de 80 mil habitantes do interior de Rondônia. No alpendre da casa de uma amiga professora, ele se prepara para falar. Cercado por conhecidos, vizinhos e parentes da anfitriã, por 15 minutos Rosique conversa sobre o salmo primeiro (“Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios”). Depois, o grupo de umas 15 pessoas ora pela última vez – como já havia orado e cantado por cerca de meia hora antes – e então parte para o tradicional chá com bolachas, regado a conversa animada e íntima.

Desde que se converteu ao cristianismo evangélico, durante uma aula de inglês em Goiânia em 1969, Rosique pratica sua fé assim, em pequenos grupos de oração, comunhão e estudo da Bíblia. Com o passar do tempo, esses grupos cresceram e se multiplicaram. Hoje, são 262 espalhados por Ariquemes, reunindo cerca de 2.500 pessoas, organizadas por 11 “supervisores”, Rosique entre eles. São professores, médicos, enfermeiros, pecuaristas, nutricionistas, com uma única característica comum: são crentes mais experientes.

Apesar de jamais ter participado de uma igreja nos moldes tradicionais, Rosique é hoje uma referência entre líderes religiosos de todo o Brasil, mesmo os mais tradicionais. Recebe convites para falar sobre sua visão descomplicada de comunidade cristã, vindos de igrejas que há 20 anos não lhe responderiam um telefonema. Ele pode ser visto como um “símbolo” do período de transição que a igreja evangélica brasileira atravessa. Um tempo em que ritos, doutrinas, tradições, dogmas, jargões e hierarquias estão sob profundo processo de revisão, apontando para uma relação com o Divino muito diferente daquela divulgada nos horários pagos da TV.

Estima-se que haja cerca de 46 milhões de evangélicos no Brasil. Seu crescimento foi seis vezes maior do que a população total desde 1960, quando havia menos de 3 milhões de fiéis espalhados principalmente entre as igrejas conhecidas como históricas (batistas, luteranos, presbiterianos e metodistas). Na década de 1960, a hegemonia passou para as mãos dos pentecostais, que davam ênfase em curas e milagres nos cultos de igrejas como Assembleia de Deus, Congregação Cristã no Brasil e O Brasil Para Cristo. A grande explosão numérica evangélica deu-se na década de 1980, com o surgimento das denominações neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Renascer. Elas tiraram do pentecostalismo a rigidez de costumes e a ele adicionaram a “teologia da prosperidade”. Há quem aposte que até 2020 metade dos brasileiros professará à fé evangélica.

Dentro do próprio meio, levantam-se vozes críticas a esse crescimento. Segundo elas, esse modelo de igreja, que prospera em meio a acusações de evasão de divisas, tráfico de armas e formação de quadrilha, tem sido mais influenciado pela sociedade de consumo que pelos ensinamentos da Bíblia. “O movimento evangélico está visceralmente em colapso”, afirma o pastor Ricardo Gondim, da igreja Betesda, autor de livros como Eu creio, mas tenho dúvidas: a graça de Deus e nossas frágeis certezas (Editora Ultimato). “Estamos vivendo um momento de mudança de paradigmas. Ainda não temos as respostas, mas as inquietações estão postas, talvez para ser respondidas somente no futuro.”

Nos Estados Unidos, a reinvenção da igreja evangélica está em curso há tempos. A igreja Willow Creek de Chicago trabalhava sob o mote de ser “uma igreja para quem não gosta de igreja” desde o início dos anos 1970. Em São Paulo, 20 anos depois, o pastor Ed René Kivitz adotou o lema para sua Igreja Batista, no bairro da Água Branca – e a ele adicionou o complemento “e uma igreja para pessoas de quem a igreja não costuma gostar”. Kivitz é atualmente um dos mais discutidos pensadores do movimento protestante no Brasil e um dos principais críticos da“religiosidade institucionalizada”. Durante seu pronunciamento num evento para líderes religiosos no final de 2009, Kivitz afirmou: “Esta igreja que está na mídia está morrendo pela boca, então que morra. Meu compromisso é com a multidão agonizante, e não com esta igreja evangélica brasileira.”

Essa espécie de “nova reforma protestante” não é um movimento coordenado ou orquestrado por alguma liderança central. Ela é resultado de manifestações espontâneas, que mantêm a diversidade entre as várias diferenças teológicas, culturais e denominacionais de seus ideólogos. Mas alguns pontos são comuns. O maior deles é a busca pelo papel reservado à religião cristã no mundo atual. Um desafio não muito diferente do que se impõe a bancos, escolas, sistemas políticos e todas as instituições que vieram da modernidade com a credibilidade arranhada. “As instituições estão todas sub judice”, diz o teólogo Ricardo Quadros Gouveia, professor da Universidade Mackenzie de São Paulo e pastor da Igreja Presbiteriana do Bairro do Limão. “Ninguém tem dúvida de que espiritualidade é uma coisa boa ou que educação é uma coisa boa, mas as instituições que as representam estão sob suspeita.”

Uma das saídas propostas por esses pensadores é despir tanto quanto possível os ensinamentos cristãos de todo aparato institucional. Segundo eles, a igreja protestante (ao menos sua face mais espalhafatosa e conhecida) chegou ao novo milênio tão encharcada de dogmas, tradicionalismos, corrupção e misticismo quanto a Igreja Católica que Martinho Lutero tentou reformar no século XVI. “Acabamos nos perdendo no linguajar ‘evangeliquês’, no moralismo, no formalismo, e deixamos de oferecer respostas para nossa sociedade”, afirma o pastor Miguel Uchôa, da Paróquia Anglicana Espírito Santo, em Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife. “É difícil para qualquer pessoa esclarecida conviver com tanto formalismo e tão pouco conteúdo.”

Uchôa lidera a maior comunidade anglicana da América Latina. Seu trabalho é reconhecido por toda a cúpula da denominação como um dos mais dinâmicos do país. Ele é um dos grandes entusiastas do movimento inglês Fresh Expressions, cujo mote é “uma igreja mutante para um mundo mutante”. Seu trabalho é orientar grupos cristãos que se reúnem em cafés, museus, praias ou pistas de skate. De maneira genérica, esses grupos são chamados de “igreja emergente” desde o final da década de 1990. “O importante não é a forma”, afirma Uchôa. “É buscar a essência da espiritualidade cristã, que acabou diluída ao longo dos anos, porque as formas e hierarquias passaram a ser usadas para manipular pessoas. É contra isso que estamos nos levantando.”

No meio dessa busca pela essência da fé cristã, muitas das práticas e discursos que eram característica dos evangélicos começaram a ser considerados dispensáveis. Às vezes, até condenáveis (leia o quadro na última pág.). Em Campinas, no interior de São Paulo, ocorre uma das experiências mais interessantes de recriação de estruturas entre as denominações históricas. A Comunidade Presbiteriana Chácara Primavera não tem um templo. Seus frequentadores se reúnem em dois salões anexos a grandes condomínios da cidade e em casas ao longo da semana. Aboliram a entrega de dízimos e as ofertas da liturgia. Os interessados em contribuir devem procurar a secretaria e fazê-lo por depósito bancário – e esperar em casa um relatório de gastos. Os sermões são chamados, apropriadamente, de “palestras” e são ministrados com recursos multimídias por um palestrante sentado em um banquinho atrás de um MacBook. A meditação bíblica dominical é comumente ilustrada por uma crônica de Luis Fernando Verissimo ou uma música de Chico Buarque de Hollanda.

“Os seminários teológicos formam ministros para um Brasil rural em que os trabalhos são de carteira assinada, as famílias são papai, mamãe, filhinhos e os pastores são pessoas respeitadas”, diz Ricardo Agreste, pastor da Comunidade e autor dos livros Igreja? Tô fora e A jornada (ambos lançados pela Editora Socep). “O risco disso é passar a vida oferecendo respostas a perguntas que ninguém mais nos faz. Há muita gente séria, claro, dizendo verdades bíblicas, mas presas a um formato ultrapassado.”

Outro ponto em comum entre esses questionadores é o rompimento declarado com a face mais visível dos protestantes brasileiros: os neopentecostais. “É lisonjeador saber que atraímos gente com formação universitária e que nos consideram ‘pensadores’”, afirma Ricardo Agreste. “O grande problema dos evangélicos brasileiros não é de inteligência, é de ética e honestidade.” Segundo ele, a velha discussão doutrinária foi substituída por outra. “Não é mais uma questão de pensar de formas diferentes a espiritualidade cristã”, diz. “Trata-se de entender que há gente usando vocabulário e elementos de prática cristã para ganhar dinheiro e manipular pessoas.”

Esse rompimento da cordialidade entre os evangélicos históricos e os neopentecostais veio a público na forma de livros e artigos. A jornalista (evangélica) Marília Camargo César publicou no final de 2008 o livro Feridos em nome de Deus (Editora Mundo Cristão), sobre fiéis decepcionados com a religião por causa de abusos de pastores. O teólogo Augustus Nicodemus Lopes, chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, publicou O que estão fazendo com a Igreja: ascensão e queda do movimento evangélico brasileiro (Mundo Cristão), retrato desolador de uma geração cindida entre o liberalismo teológico, os truques de marketing, o culto à personalidade e o esquerdismo político. Em um recente artigo, o presidente do Centro Apologético Cristão de Pesquisas, João Flavio Martinez, definiu como “macumba para evangélico” as práticas místicas da Igreja Universal do Reino de Deus, como banho de descarrego e sabonete com extrato de arruda.

Tais críticas, até pouco tempo atrás, ficavam restritas aos bastidores teológicos e às discussões internas nas igrejas. Livros mais antigos – como Supercrentes, Evangélicos em crise, Como ser cristão sem ser religioso e O evangelho maltrapilho (todos da editora Mundo Cristão) – eram experiências isoladas, às vezes recebidos pelos fiéis como desagregadores. “Parece que a sociedade se fartou de tanto escândalo e passou a dar ouvidos a quem já levantava essas questões há tempos”, diz Mark Carpenter, diretor-geral da Mundo Cristão.

O pastor Kivitz – que publicou pela Mundo Cristão seus livros Outra espiritualidade e O livro mais mal-humorado da Bíblia – distingue essa crítica interna daquela feita pela mídia tradicional aos neopentecostais “A mídia trata os evangélicos como um fenômeno social e cultural. Para fazer uma crítica assim, basta ter um pouco de bom-senso. Essa crítica o (programa) CQC já faz, porque essa igreja é mesmo um escracho”, diz ele. “Eu faço uma crítica diferente, visceral, passional, porque eu sou evangélico. E não sou isso que está na televisão, nas páginas policiais dos jornais. A gente fica sem dormir, a gente sofre e chora esse fenômeno religioso que pretende ser rotulado de cristianismo.”

A necessidade de se distinguir dos neopentecostais também levou essas igrejas a reconsiderar uma série de práticas e até seu vocabulário. Pastores e “leigos” passam a ocupar o mesmo nível hierárquico, e não há espaço para “ungidos” em especial. Grandes e imponentes catedrais e “cultos shows” dão lugar a reuniões informais, em pequenos grupos, nas casas, onde os líderes podem ser questionados, e as relações são mais próximas. O vocabulário herdado da teologia triunfalista do Antigo Testamento (vitória, vingança, peleja, guerra, maldição) é reconsiderado. Para superar o desgaste dos termos, algumas igrejas preferem ser chamadas de “comunidades”, os cultos são anunciados como “reuniões” ou “celebrações” e até a palavra “evangélico” tem sido preterida em favor de “cristão” – o termo mais radical. Nem todo mundo concorda, evidentemente. “Eles (os neopentecostais) é que não deveriam ser chamados de evangélicos”, afirma o bispo anglicano Robinson Cavalcanti, da Diocese do Recife. “Eles é que não têm laços históricos, teológicos ou éticos com os evangélicos.”

Um dos maiores estudiosos do fenômeno evangélico no Brasil, o sociólogo Ricardo Mariano (PUC-RS), vê como natural o embate entre neopentecostais e as lideranças de igrejas históricas. Ele lembra que, desde o final da década de 1980, quando o neopentecostalismo ganhou força no Brasil, os líderes das igrejas históricas se levantaram para desqualificar o movimento. “O problema é que não há nenhum órgão que regule ou fale em nome de todos os evangélicos, então ninguém tem autoridade para dizer o que é uma legítima igreja evangélica”, afirma.

Procurado por ÉPOCA, Geraldo Tenuta, o Bispo Gê, presidente nacional da Igreja Renascer em Cristo, preferiu não entrar em discussões. “Jesus nos ensinou a não irmos contra aqueles que pregam o evangelho, a despeito de suas atitudes”, diz ele. “Desde o início, éramos acusados disto ou daquilo, primeiro porque admitíamos rock no altar, depois porque não tínhamos usos e costumes. Isso não nos preocupa. O que não é de Deus vai desaparecer, e não será por obra dos julgamentos.” A Igreja Universal do Reino de Deus – que, na terceira semana de julho, anunciou a construção de uma “réplica do Templo de Salomão” em São Paulo, com “pedras trazidas de Israel” e “maior do que a Catedral da Sé” – também foi procurada por ÉPOCA para comentar os movimentos emergentes e as críticas dirigidas à igreja. Por meio de sua assessoria, o bispo Edir Macedo enviou um e-mail com as palavras: “Sem resposta”.

O sociólogo Ricardo Mariano, autor do livro Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Editora Loyola), oferece uma explicação pragmática para a ruptura proposta pelo novo discurso evangélico. Ateu, ele afirma que o objetivo é a busca por uma certa elite intelectual, um público mais bem informado, universitário, mais culto que os telespectadores que enchem as igrejas populares. “Vivemos uma época em que o paciente pesquisa na internet antes de ir ao consultório e é capaz de discutir com o médico, questionar o professor”, diz. “Num ambiente assim, não tem como o pastor proibir nada. Ele joga para a consciência do fiel.”

A maior parte da movimentação crítica no meio evangélico acontece nas grandes cidades. O próprio pastor Kivitz afirma que “talvez não agisse da mesma forma se estivesse servindo alguma comunidade em um rincão do interior” e que o diálogo livre entre púlpito e auditório passa, necessariamente, por uma identificação cultural. “As pessoas não querem dogmas, elas querem honestidade”, diz ele. “As dúvidas delas são as minhas dúvidas. Minha postura é, juntos, buscarmos respostas satisfatórias a nossas inquietações.”

Por isso mesmo, Ricardo Mariano não vê comparação entre o apelo das novas igrejas protestantes e das neopentecostais. “O destino desses líderes será ‘pescar no aquário’, atraindo insatisfeitos vindos de outras igrejas, ou continuar falando para meia dúzia de pessoas”, diz ele. De acordo com o presbiteriano Ricardo Gouveia, “não há, ou não deveria haver, preocupação mercadológica” entre as igrejas históricas. “Não se trata de um produto a oferecer, que precise ocupar espaço no mercado”, diz ele. “Nossa preocupação é simplesmente anunciar o evangelho, e não tentar ‘melhorá-lo’ ou torná-lo mais interessante ou vendável.”

O advento da internet foi fundamental para pastores, seminaristas, músicos, líderes religiosos e leigos decidirem criar seus próprios sites, portais, comunidades e blogs. Um vídeo transmitido pela Igreja Universal em Portugal divulgando o Contrato da fé – um “documento”, “autenticado” pelos pastores, prometendo ao fiel a possibilidade de se “associar com Deus e ter de Deus os benefícios” – propagou-se pela rede, angariando toda sorte de comentários. Outro vídeo, em que o pregador americano Moris Cerullo, no programa do pastor Silas Malafaia, prometia uma “unção financeira dos últimos dias” em troca de quem “semear” um “compromisso” de R$ 900 também bombou na rede. Uma cópia da sentença do juiz federal Fausto De Sanctis condenando os líderes da Renascer Estevam e Sônia Hernandes por evasão de divisas circulou no final de 2009. De Sanctis afirmava que o casal “não se lastreia na preservação de valores de ética ou correção, apesar de professarem o evangelho”. “Vergonha alheia em doses quase insuportáveis” foi o comentário mais ameno entre os internautas.

Sites como Pavablog , Veshame Gospel , Irmãos.com , Púlpito Cristão , Caiofabio.net ou Cristianismo Criativo fazem circular vídeos, palestras e sermões e debatem doutrinas e notícias com alto nível de ousadia e autocrítica. De um grupo de blogueiros paulistanos, surgiu a ideia da Marcha pela ética, um protesto que ocorre há dois anos dentro da Marcha para Jesus (evento organizado pela Renascer). Vestidos de preto, jovens carregam faixas com textos bíblicos e frases como “O $how tem que parar” e “Jesus não está aqui, ele está nas favelas”.

A maior parte desses blogueiros trafega entre assuntos tão diversos como teologia, política, televisão, cinema e música popular. O trânsito entre o “secular” e o “sagrado” é uma das características mais fortes desses novos evangélicos. “A espiritualidade cristã sempre teve a missão de resgatar a pessoa e fazê-la interagir e transformar a sociedade”, diz Ricardo Agreste. “Rompemos o ostracismo da igreja histórica tradicional, entramos em diálogo com a cultura e com os ícones e pensamento dessa cultura e estamos refletindo sobre tudo isso.”

Em São Paulo, o capelão Valter Ravara criou o Instituto Gênesis 1.28, uma organização que ministra cursos de conscientização ambiental em igrejas, escolas e centros comunitários. “É a proposta de Jesus, materializar o amor ao próximo no dia a dia”, afirma Ravara. “O homem sem Deus joga papel no chão? O cristão não deve jogar.” Ravara publicou em 2008 a Bíblia verde, com laminação biodegradável, papel de reflorestamento e encarte com textos sobre sustentabilidade.

A então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, escreveu o prefácio da Bíblia verde. Sua candidatura à Presidência da República angariou simpatia de blogueiros e tuiteiros, mas não o apoio formal da Assembleia de Deus, denominação a que ela pertence. A separação entre política e religião pregada por Marina é vista como um marco da nova inserção social evangélica. O vereador paulistano e evangélico Carlos Bezerra Jr. afirma que o dever do político cristão é “expressar o Reino de Deus” dentro da política. “É o oposto do que fazem as bancadas evangélicas no Congresso, que existem para conseguir facilidades para sua denominação e sustentar impérios eclesiásticos”, diz ele.

O raciocínio antissectário se espalhou para a música. Nomes como Palavrantiga, Crombie, Tanlan, Eduardo Mano, Helvio Sodré e Lucas Souza se definem apenas como “música feita por cristãos”, não mais como “gospel”. Eles rompem os limites entre os mercados evangélico e pop. O antissectarismo torna os evangélicos mais sensíveis a ações sociais, das parcerias com ONGs até uma comunidade funcionando em plena Cracolândia, no centro de São Paulo. “No fundo, nossa proposta é a mesma dos reformadores”, diz o presbiteriano Ricardo Gouveia. “É perceber o cristianismo como algo feito para viver na vida cotidiana, no nosso trabalho, na nossa cidadania, no nosso comportamento ético, e não dentro das quatro paredes de um templo.”

A teologia chama de “cristocêntrico” o movimento empreendido por esses crentes que tentam tirar o cristianismo das mãos da estrutura da igreja – visão conhecida como “eclesiocêntrica” – e devolvê-lo para a imaterialidade das coisas do espírito. É uma versão brasileiramente mais modesta do que a Igreja Católica viveu nos tempos da Reforma Protestante. Desta vez, porém, dirigida para a própria igreja protestante. Depois de tantos desvios, vozes internas levantaram-se para propor uma nova forma de enxergar o mundo. E, como efeito, de ser enxergadas por ele. Nas palavras do pastor Kivitz: “Marx e Freud nos convenceram de que, se alguém tem fé, só pode ser um estúpido infantil que espera que um Papai do Céu possa lhe suprir as carências. Mas hoje gostaríamos de dizer que o cristianismo tem, sim, espaço para contribuir com a construção de uma alternativa para a civilização que está aí. Uma sociedade que todo mundo espera, não apenas aqueles que buscam uma experiência religiosa”.

Fonte: Cristianismo Criativo, 7 ago 2010

Bebê morre após ser submerso três vezes durante batismo

altar in Serbian orthodox monastery

Um padre da Moldávia está sendo investigado pela morte de um bebê que se afogou após ter sido submergido três vezes durante a cerimônia de batismo.

Familiares acusam o padre, Valentin Taralunga, da Igreja Católica Orotodoxa, de negligência ao prosseguir com a cerimônia apesar dos sinais de que a criança, de um ano e meio, estava se afogando na pia batismal.

Médicos da capital moldávia, Chisinau, diagnosticaram que o bebê morreu por afogamento. O padre está sendo investigado por homicídio culposo, punível com até três anos de prisão.

Ao prestar depoimento, o padre Taralunga negou as acusações e disse que obedeceu aos cânones religiosos que ensinam sobre a cerimônia de batismo.

A família repassou à polícia um vídeo amador do momento em que o religioso submerge a criança na água. O conteúdo do vídeo foi divulgado pelas TVs locais.

Entretanto, os investigadores que trabalham no caso disseram a uma delas, a Publika TV, que ainda é cedo para chegar a uma conclusão.

Na cerimônia católica ortodoxa, os padres tampam o nariz e a boca das crianças durante os curtos instantes em que elas são submergidas na água benta.

Um porta-voz da Igreja moldávia disse não recordar de semelhante episódio na história religiosa do país.

Logo após a imersão na água, o bebê é visto com dificuldades de respirar. Segundo testemunhas, minutos depois a criança começou a espumar pela boca e sangrar pelo nariz.

Levado para ser socorrido, o bebê morreu a caminho do hospital. O diagnóstico da morte foi ocorrência de água nos pulmões.

Fonte: BBC Brasil, 28 jul 2010

Pastor de aeropuerto: entre el cielo y la tierra

Gudrun Bauer recuerda perfectamente aquel día terrible, hace un año. Esta mujer de 66 años esperaba a su hermano mayor en la sala de llegadas. Ella lo había llamado por teléfono a Múnich la noche anterior para pedirle que viniera a Düsseldorf lo más pronto posible.

Gudrun estaba enferma y necesitaba su apoyo, le dijo. Pero el verdadero motivo de la llamada era en realidad más triste: su hermano tenía una hija única – su sobrina – que residía en este Estado de Renania del Norte Westfalia y acababa de fallecer en un accidente automovilístico.

“Estaba desconsolada”

Bauer estaba en schock, absolutamente perpleja, desconsolada.  ¿Cómo decirle a su hermano que su hija adorada, la que él habría preferido tener siempre cerca en Múnich, estaba ahora muerta? No se atrevía.

Por suerte, Gudrun Bauer recordó un reportaje televisivo sobre el pastor del aeropuerto. Así que lo buscó y le pidió ayuda. Detlef Toonen, párroco evangélico del aeropuerto de Düsseldorf, supo enseguida qué hacer.

Toonen recibió al anciano y le transmitió la dramática noticia. Cuando el hermano de Gudrun se deshizo en lágrimas, el religioso halló las palabras adecuadas para consolarlo en su dolor. Estos casos son parte del trabajo diario de Detlef Toonen, presente desde 2006 en las terminales de Düsseldorf, para confortar a pasajeros y sus familiares en momentos duros.

Muerte a bordo

Unos 50.000 a 60.000 pasajeros pasan diariamente por el aeropuerto de Düsseldorf. La misión del pastor consiste en cuidar de ellos, acompañarlos, escucharlos, hablarles: “por supuesto existen situaciones de emergencia. Las más frecuentes involucran personas que fallecen a bordo o en sus vacaciones, en un lugar lejano, en vez de aterrizar aquí con vida como alguien espera”.

El pastor debe informar a los miembros de la familia, al tiempo que se ofrece para brindarles el primer consuelo. Toonen se ocupa también de inmigrantes que serán desplazados de Alemania. Los acompaña en sus últimas horas en el aeropuerto, antes de que se los obligue a regresar a su país de origen y, con ello, las más de las veces, a la incertidumbre.

“Con una mano delante y otra detrás”

Toonen, de 54 años, realiza también una labor social que, a primera vista, no pertenecen a su misión religiosa en el aeropuerto. El pastor recibe, por ejemplo, a alemanes que regresan a su país sin recursos luego de largas estancias en el extranjero. Con frecuencia estos pasajeros se regresan desde EE.UU., Tailandia, el Caribe, las Islas Canarias, Baleares y recientemente también desde el Cercano Oriente, apenas “con una mano delante y la otra detrás”.

Hace poco tuvo uno de estros casos: “un alemán que había vivido como dos años ilegal en EE.UU. Había ingresado como turista y se le había vencido la visa. Las autoridades americanas lo encerraron en prisión y luego lo deportaron a Alemania”. Tonnen se encargó de recibirlo y acompañarlo en el camino a su antiguo lugar de residencia.

Experiencias positivas

Antes de asumir esta responsabilidad Detlef Toonen fue pastor durante 12 años en una comunidad de Oberhausen, en la Cuenca del Ruhr, que pertenece también al Estado de Renania del Norte Westfalia. Además, daba clases en escuelas de oficios. Aceptó con entusiasmo la oferta de convertirse en pastor de aeropuerto.

Su trabajo es diverso, dice Toonen, y en él vive también muchas experiencias positivas. En un sitio conmemorativo especial del tercer piso el párroco oficia misas al inicio de las vacaciones de verano. Si se lo solicitan, bendice también a los viajeros antes de echar a volar.

Justo hace unos días bendijo a una familia que viajó a donde unos amigos en África, por medio año: “madre, padre, dos niños, ojos brillantes y grandes expectativas. Me preguntaron si podía estar presente cuando despegaran”. El pastor se retiró con la familia a un espacio de meditación e hizo sólo para ellos una pequeña ceremonia de despedida.

“En contacto con Dios y con el Mundo”

El día de trabajo de Detlef Toonen dura oficialmente 8 horas, pero muchas veces su jornada acaba más bien tarde en la noche, pues las situaciones de emergencia no se pueden planear. El pastor está a disposición de los pasajeros y de los 18.000 trabajadores del aeropuerto.

Cuando tiene tiempo, Toonen recorre las terminales y le habla a los pasajeros. La Iglesia no sólo está presente en situaciones de emergencia, dice el pastor. “Siempre digo: ‘Yo estoy ahí, en contacto con Dios y con El Mundo. Soy parte del personal de Dios en la Tierra’”.

Por eso, para Toonen, su misión en el aeropuerto consiste en establecer contacto con las personas, preguntarles sobre lo que tienen más cerca del corazón y desearles unas lindas vacaciones.

Autora: Nadja Baeva / RML

Editor: José Ospina Valencia

Fonte: DW, 20 jul 2010

Luteranos se desculpam por perseguir menonitas séculos atrás

A Assembleia Geral da Federação Luterana Mundial teve como um ponto alto o pedido de perdão dos luteranos ao menonitas. Favoráveis a reformas radicais do cristianismo, eles foram perseguidos por católicos e protestantes.

Até esta terça-feira (27/07), 400 delegados de 140 igrejas-membros do mundo inteiro participam em Stuttgart, na Alemanha, da 11ª Assembleia Geral da Federação Luterana Mundial. Ao todo, mais de mil participantes discutiram, durante uma semana, questões como injustiças e soluções para problemas humanitários globais. O evento teve como ponto alto o pedido de perdão dos luteranos aos menonitas, pela perseguição religiosa ocorrida 500 anos atrás.

“Temos essa lembrança de sermos uma minoria perseguida”, disse Larry Miller, secretário-geral do Congresso Mundial Menonita por ocasião de uma cerimônia de reconciliação realizada pela Federação Luterana Mundial sobre a perseguição cruel do movimento anabatista.

Os menonitas pertencem ao principal ramo do movimento anabatista. A repressão sangrenta sofrida por seus membros no século 16 faz parte dos capítulos mais sombrios da história europeia.

Um principal ponto de discórdia era o batismo de crianças. Os menonitas acreditam que seus membros devem ser batizados adultos, voluntariamente, e rejeitam o batismo de crianças. Isso fez com que fossem tachados como hereges pelo reformador Martinho Lutero (1483-1546), para quem essa era uma forma de negar às crianças a inclusão na comunidade cristã.

Lutero deixou clara sua rejeição pelos anabatistas na Confissão de Augsburg, publicado em 1530 naquela cidade alemã. Até hoje, os pastores luteranos são ordenados com base em partes dessa confissão.

Conflito mortal no movimento europeu de reforma

Os seguidores dos anabatistas, que pediam uma reforma social mais radical do cristianismo do que a pleiteada por Lutero e pelo suíço Ulrich Zwingli (1484-1531), tiveram que fugir dos governantes católicos e protestantes para se salvar, o que não impediu que milhares fossem executados.

Hoje, a religião menonita conta no mundo todo com mais de 1 milhão de membros, muitos deles nos EUA e no Canadá, cerca de 60 mil na Europa. Devido ao fato de já terem cedo levantado a voz contra qualquer forma de guerra e darem importância à “absoluta abdicação da violência”, eles são considerados uma das “Igrejas históricas da paz”. As comunidades menonitas são opostas às hierarquias eclesiásticas: a paróquia local é totalmente autônoma.

Reconciliação exige nova identidade

Na cerimônia de reconciliação que marcou a 11ª Assembleia Geral da Federação Luterana Mundial, em Stuttgart, os luteranos pediram, “a Deus e às nossas irmãs e aos irmãos menonitas o perdão pelo sofrimento que nossos antepassados lhe infligiram no século 16”. O pedido de perdão foi elaborado entre 2005 e 2008 por uma comissão de estudos luterano-menonita.

Para o secretário-geral da Conferência Mundial Menonita, o Larry Miller, a medida é uma “concessão importante e um ato de libertação”, pois os menonitas, segundo ele, muitas vezes “se sentem ainda como vítimas”. “Agora temos de repensar nossa identidade”, ressalta. Na verdade, as histórias dos mártires das comunidades menonitas ainda estão bastante presentes. O sofrimento dos antepassados é passado de geração em geração.

“É simplesmente uma ferida profunda no seio do cristianismo, quando igrejas que estão na realidade tão perto, por virem da mesma raiz e terem uma história comum, estão tão divididas dentro do movimento de reforma”, disse o pastor menonita Reiner Burghard durante a cerimônia de reconciliação. Ele espera que essa ferida seja curada.

No futuro, luteranos e menonitas querem lutar para que liberdade de religião e de consciência sejam respeitadas e protegidas na política e na sociedade.

Bispo palestino é novo presidente da federação

Outro ponto marcante dessa assembleia foi a eleição do bispo palestino Munib A. Younan como presidente da Federação Luterana Mundial. O prelado de 59 anos, conhecido por seu engajamento pela paz no Oriente Médio e incentivador do diálogo entre as religiões, sucede o norte-americano Mark Hanson, de 63 anos, que desde 2003 liderava a entidade formada por 70 milhões de cristãos.

Autora: Ulrike Mast-Kirschning (md)
Revisão: Augusto Valente

Fonte: DW, 27 jul 2010