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Era uma vez um junípero… ~ por José Roberto Prado

Em sua carta, Tiago afirma que o profeta Elias era um ser humano como nós (5:17).

Para alguns, esta afirmação é difícil de ser compreendida.

Como se identificar com alguém que confrontou um rei, ressuscitou um jovem, orou para que não chovesse e não choveu, orou pra chover e choveu, orou pra que viesse fogo do céu e veio… E de quebra, foi arrebatado num carro de fogo?

Mas existe uma outra face de Elias.

O Elias que se sente sozinho, foge para o deserto, senta-se debaixo de um Junípero (ou zimbro em outras traduções, uma árvore nativa do deserto) e pede pra “ser promovido”.

Eu consigo me identificar com Elias. Continue lendo

Onde está a verdadeira crise da Igreja ~ Leonardo Boff

A crise da pedofilia na Igreja romano-católica não é nada em comparação à verdadeira crise, essa sim, estrutural, crise que concerne à sua institucionalidade histórico-social. Não me refiro à Igreja como comunidade de fiéis. Esta continua viva apesar da crise, se organizando de forma comunitária e não piramidal como a Igreja da Tradição. A questão é: que tipo de instituição representa esta comunidade de fé? Como se organiza? Atualmente, ela comparece como defasada da cultura contemporânea e em forte contradição com o sonho de Jesus, percebida pelas comunidades que se acostumaram a ler os envangelhos em grupos e então a fazer a suas analises.

Dito de forma breve mas não caricata: a instituição-Igreja se sustenta sobre duas formas de poder: um secular, organizativo, jurídico e hierárquico, herdado do Império Romano e outro espiritual, assentado sobre a teologia política de Santo Agostinho acerca da Cidade de Deus que ele identifica com a instituição-Igreja. Em sua montagem concreta não é tanto o Evangelho ou a fé cristã que contam, mas estes poderes, considerados como um único “poder sagrado” (potestas sacra) também na forma de sua plenitude (plenitudo potestatis) no estilo imperial romano da monarquia absolutista. César detinha todo o poder: político, militar, jurídico e religioso. O Papa, semelhantemente detém igual poder: “ordinário, supremo, pleno, imediato e universal” (canon 331), atributos só cabíveis a Deus. O Papa institucionalmente é um César batizado.

Esse poder que estrutura a instituição-Igreja foi se constituindo a partir do ano 325 com Imperador Constantino e oficialmente instaurado em 392 quando Teodósio, o Grande (+395) impôs o cristianismo como a única religião de Estado. A instituição-Igreja assumiu esse poder com todos os títulos, honrarias e hábitos palacianos que perduram até os dias de hoje no estilo de vida dos bispos, cardeais e papas.

Esse poder ganhou, com o tempo, formas cada vez mais totalitárias e até tirânicas, especialmente a partir do Papa Gregório VII que em 1075 se autoproclamou senhor absoluto da Igreja e do mundo. Radicalizando, Inocêncio III (+1216) se apresentou não apenas como sucessor de Pedro mas como representante de Cristo. Seu sucessor, Inocêncio IV(+1254), deu o último passo e se anunciou como representante de Deus e por isso senhor universal da Terra que podia distribuir porções dela a quem quisesse, como depois foi feito aos reis de Espanha e Portugal no século XVI. Só faltava proclamar Papa infalível, o que ocorreu sob Pio IX em 1870. O circulo se fechou.

Ora, este tipo de instituição encontra-se hoje num profundo processo de erosão. Depois de mais de 40 anos de continuado estudo e meditação sobre a Igreja (meu campo de especialização) suspeito que chegou o momento crucial para ela: ou corajosamente muda e assim encontra seu lugar no mundo moderno e metaboliza o processo acelerado de globalização e ai terá muito a dizer, ou se condena a ser uma seita ocidental, cada vez mais irrelevante e esvaziada de fiéis. O projeto atual de Bento XVI de “reconquista” da visibilidade da Igreja contra o mundo secular é fadado ao fracasso se não proceder a uma mudança institucional. As pessoas de hoje não aceitam mais uma Igreja autoritária e triste como se fosse ao próprio enterro. Mas estão abertas à saga de Jesus, ao seu sonho e aos valores evangélicos.

Esse crescendo na vontade de poder, imaginado ilusoriamente vindo diretamente de Cristo, impede qualquer reforma da instituição-Igreja, pois tudo nela seria divino e intocável. Realiza-se plenamente a lógica do poder, descrita por Hobbes em seu Leviatã: “o poder quer sempre mais poder, porque não se pode garantir o poder senão buscando mais e mais poder”. Uma instituição-Igreja que busca assim um poder absoluto fecha as portas ao amor e se distancia dos sem-poder, dos pobres. A instituição perde o rosto humano e se faz insensível aos problemas existenciais, como da família e da sexualidade.

O Concílio Vaticano II (1965) procurou curar este desvio pelos conceitos de Povo de Deus, de comunhão e de governo colegial. Mas o intento foi abortado por João Paulo II e Bento XVI que voltaram a insistir no centralismo romano, agravando a crise.

O que um dia foi construído pode ser num outro, desconstruído. A fé cristã possui força intrínseca de nesta fase planetária encontrar uma forma institucional mais adequada ao sonho de seu Fundador e mais consentânea ao nosso tempo.

Fonte: Adital, 12 jul 2010

Vírus divinos ~ por Hélio Schwartsman

A cross

Na semana passada a Itália entrou com um recurso no Tribunal Europeu de Direitos Humanos para que esta corte reveja sua decisão de novembro passado de mandar retirar os crucifixos de todas as salas de aula de escolas públicas. Como o acórdão tem grandes chances de virar jurisprudência para toda a Europa, dez outros países (a maioria católicos e ortodoxos) manifestaram apoio a Roma.

Com o arrefecimento do comunismo, o embate ideológico se deslocou da economia para temas culturais. Frequentemente, questões de pouca ou nenhuma consequência prática provocam debates acalorados. A controvérsia em torno de crucifixos em tribunais e escolas é um caso paradigmático.

Para os novos iconoclastas, espaços públicos não devem ostentar nenhuma espécie de adorno religioso, sob pena de violar o princípio da laicidade do Estado, em maior ou menor grau consagrado nos países democráticos contemporâneos.

O raciocínio central é o de que membros de religiões não cristãs –e vale lembrar que mesmo algumas denominações protestantes denunciam o crucifixo como idolatria–, agnósticos e ateus podem sentir-se constrangidos com a exibição ostensiva de cruzes em espaços tão caracteristicamente republicanos nos quais sua presença é exigida por lei. Ninguém, afinal, pode alegar divergências religiosas para ausentar-se da escola ou de prestar um testemunho.

Já os tradicionalistas contra-atacam dizendo que a exposição dos crucifixos faz parte da identidade nacional de muitos países europeus e não corresponde em absoluto a uma tentativa de conversão. Ignorar o papel que o catolicismo desempenhou na formação da Itália, por exemplo, constituiria uma falsificação da história.

No mais, vários países têm cruzes incorporadas a suas bandeiras e possuem hinos nacionais que evocam Deus. Não cabe à Justiça, mas aos Parlamentos, e apenas se acharem que é o caso, modificá-los. Católicos pragmáticos sugeriram a realização de um plebiscito na Itália para decidir o futuro dos crucifixos. Escoram-se em pesquisas que apontam que 60% da população quer manter o Cristo agonizante nas salas de aula de seus filhos.

Ambos os argumentos encerram algumas verdades, mas também apresentam uma série de limites. Para começar, o princípio do laicismo nos espaços públicos é menos absoluto do que apregoam seus entusiastas. Nem mesmo a França, que sempre esteve na vanguarda do anticlericalismo, cogita de desfazer o Louvre (um museu estatal) das peças que de algum modo se relacionam com uma religião –o que deve corresponder a uns 90% do acervo. Qual juiz teria a coragem de mandar a Vênus de Milo a hasta pública para manter a “neutralidade” de um Estado que não pode sancionar os deuses pagãos?

Também não é muito exato afirmar que o crucifixo possui significações que transcendem a religião. Em termos objetivos a cruz é um método de execução bastante popular entre os séculos 6 a.C. e 4 d.C. Era utilizada por romanos, persas e egípcios.

Se alguém ousasse propor que as paredes de nossos tribunais fossem enfeitadas por forcas ou cadeiras elétricas provocaria indignados e justos protestos. Não é preciso recorrer a manuais de estética para constatar o mau gosto de uma iniciativa como essa. Se nós deixamos de ver a cruz como um instrumento de tortura, é apenas e justamente porque ela se tornou o símbolo maior do cristianismo, caráter que lhe é indissociável.

Acho importante destacar mais uma vez a desimportância dessa discussão. Para falar um português bem claro, tudo não passa de uma tremenda de uma bobagem. Eu, que sou ateu de carteirinha, jamais me senti constrangido por ter de entrar numa sala que dependure os pedaços de pau entrelaçados. Na verdade, não conheço ninguém que fique, mas admito, é claro, essa possibilidade.

Também a reação dos religiosos me parece despropositada. Se a Corte mantiver sua posição de que as cruzes ferem os direitos das minorias não cristãs e mandar retirá-las das escolas e tribunais, isso em nada diminuirá o papel da religião para os fiéis. É preciso muita paranoia para ver aí uma golpe contra Deus, o qual, de resto, se tem apenas uma fração poderes que os crentes lhe atribuem, seria plenamente capaz de defender-se sozinho.

A insistência na manutenção me remete a um livro que acabo de ler. Trata-se de “The God Virus”, de Darrel Rey, psicólogo e estudioso das religiões, que percorreu uma trajetória suave até o ateísmo. Criado num ambiente fundamentalista, ele se tornou mestre em estudos religiosos por um seminário metodista. Foi aos poucos se afastando da igreja. Com 30 anos, havia se tornado agnóstico e, aos 40, já era ateu.

“The God Virus” não é uma obra excepcional, mas traz alguns “insights” interessantes. A estrutura é até bem simples. Rey abraça a tese de Richard Dawkins de que existem complexos de unidades culturais (os memes) que são capazes de reproduzir-se, mutar, evoluir e morrer exatamente como seres vivos e a aplica à religião, com especial cuidado com as relações interpessoais sob a batuta divina.

Num resumo grosseiro, como diz o título, o autor equipara deuses a vírus. E é o próprio Rey quem lembra que nem todos os vírus são patológicos. Nós podemos viver relativamente bem com vários deles, embora existam alguns tipos extremamente parasitários.

Há vários pontos do livro que seria interessante destacar, mas me limito ao papel dos vetores. Religiões precisam de um veículo para infectar as mentes dos humanos que reproduzem e executam suas ideias. E eles existem aos borbotões. São os próprios pais que introduzem seus filhos nos mistérios de sua crença. Os mais eficientes desses vetores, entretanto, são os sacerdotes, pastores, padres, rabinos imãs etc. Eles, mais do que os fiéis ordinários, se dedicam a converter pessoas e preservar a “pureza” do DNA religioso, para que não seja conspurcado por mutações que possam descaracterizá-la.

Vale lembrar que isso já ocorreu. O cristianismo, por exemplo, se apropriou de genes de outros credos e teve tanto sucesso que acabou por matar muitas das fés das quais emprestou elementos. Um exemplo simples é o mitraísmo, do qual foi retirado o mito do nascimento virginal. O culto a Mitra, que era tão popular entre os legionários romanos, pereceu esmagado pela conversão do império àquela forma exótica e não tribal de judaísmo que ficou conhecida como cristianismo.

Uma observação curiosa (e de alto poder explicativo) do autor diz respeito aos escândalos de abusos sexuais por padres católicos. Vetores exigem um alto investimento do vírus para ser criados. Eles precisam ser treinados, o que exige tempo e consome recursos. Uma vez formados, devem ser mantidos e protegidos, exceto em algumas poucas situações em que o vetor se torna mais poderoso morto do que vivo, hipótese em que os chamamos de santos e mártires.

De um modo geral, porém, vetores são mais valiosos do que fiéis comuns. E isso explica o fato de a igreja não ter pensado duas vezes antes de criar toda uma rede de proteção e acobertamento para os padres que abusavam da garotada, ainda que, nominalmente, a religião exista para garantir a salvação do praticante.

E é justamente aí que reside o que, a meu ver, é o ponto central da obra de Rey. As religiões, como prevê o modelo dos memes, existem apenas para manter vivo, ativo e tão puro quanto possível o DNA de seu Deus. Todo o resto é adorno. E cada milímetro de espaço religioso (no qual o vírus possa reproduzir-se) vale a pena. Daí a insistência na manutenção dos crucifixos.

E, já que voltamos a esses aparelhos de tortura que tanto mobilizam as almas das pessoas, creio que precisamos buscar a solução para o problema fora da lógica da propagação viral. Diante da aporia entre religiosos e secularistas, deveria prevalecer a regra da boa educação: se nem todos que estão obrigados a comparecer às escolas públicas e aos tribunais são cristãos, é impolido impor-lhes essa imagem. Paredes nuas não são, afinal, tão feias assim.

Fonte: Folha SP, 08 jul 10

Igreja e fundamentalismo midiático

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Quando ocorreram os ataques terroristas às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, nos EUA, o mundo descobriu que por trás do ato político extremado contra a maior nação capitalista do planeta escondia-se na nuvem de escombros um núcleo paramilitar organizado, de inspirações muçulmanas, denominado Al Qaida. Foi o suficiente para que a mídia norte-americana, apoiada nos relatos de uma dúzia de especialistas, pesquisadores, acadêmicos e afins, se debruçasse sobre as suspeitas de uma religião cujos ensinamentos de fé poderiam doutrinar seguidores de uma ideologia contra tudo que pudesse se referir ao estilo de vida ocidental. Entre uma oração e outra endereçada a Alá, possivelmente a intelligentsia ianque cogitava a hipótese de uma nova geração de assassinos em massa estar em plena nascente.

Tentou-se então, traduzir os hábitos exóticos dos seguidores do Corão e seus peculiares códigos de comportamento objetivando, quem sabe, a esclarecer supostas atitudes suspeitas em suas entrelinhas. Após utilizar uma lupa de alta resolução em suas conclusões, a mídia atestou, enfim, que as mesquitas não eram fábricas de terroristas e que, excetuando-se o uso de uma burka aqui, um shador acolá e o “estranho” dialeto, tudo estava como antes no quartel de Abrantes.

Ganância desenfreada

Quando ocorreram as denúncias envolvendo esquemas de charlatanismo, curandeirismo, extorsão e lavagem de dinheiro encabeçadas pela Igreja Universal do Reino de Deus, há alguns anos, o país descobriu que a sujeira debaixo do tapete foi descortinada mediante uma campanha de difamação envolvendo duas das mais poderosas emissoras de TV tupiniquins (Globo e Rede Record, essa última de propriedade da seita evangélica). A perda constante de audiência e de receitas publicitárias da Vênus Platinada para a concorrente motivou uma mobilização interna sem precedentes. Uma estratégia semelhante às mais eficientes táticas de guerrilha estava em curso: o uso do aparelho jornalístico da Globo que patrocinou investigações que possibilitaram desenhar a intrincada estrutura organizacional da igreja, dotada de um sistema de metas e resultados semelhantes às de qualquer empresa que tenciona recrutar novos talentos executivos.

Imagens em vídeo flagraram ações constrangedoras do seu líder, o bispo Edir Macedo, ensinando obreiros a mercantilizar a fé através de uma série de instrumentos de persuasão visando a doações cada vez mais vultosas. Tudo era estudado em minúcia para que os fiéis se conscientizassem, geral e irrestritamente, de que era chegada a hora de “comprar o seu lugar no céu”. O apogeu da guerra midiática ficou eternizado através de um close em que Macedo, debruçado sobre um montante de dinheiro após o término de um culto, sorri maliciosamente pela féria alcançada em pleno Jornal Nacional. Apesar de toda a turbulência generalizada, os evangélicos neopentecostais mantiveram sua crença inabalada em seu líder espiritual, mesmo com as evidências apontando a necessidade de uma intervenção imediata da justiça. A exposição pública desse fato produziu antipatias de toda espécie. Entretanto, são poucos os que hoje assumem a tese de que seus fiéis sejam também entusiastas de tamanha ganância desenfreada.

Prevenção para detectar predadores sexuais

Agora, o alvo da vez é a Igreja católica. As denúncias de redes articuladas de pedofilia envolvendo sacerdotes foram um prato cheio para a mídia. Os meios de comunicação cumpriram o seu papel em amplificar as notícias. O procedimento foi o mesmo dos dois exemplos citados acima: visar como alvo os pilares da instituição religiosa e provocar a já tão conhecida reação em cadeia polemizante. Especialistas, teólogos e afins foram pautados para lançar luzes, dessa vez, sobre a conduta sexual de padres que aliciavam coroinhas e seminaristas. O curioso nessa tragédia é que o celibato foi exposto na medina como uma aberração que não mais encontra eco na modernidade do século 21 e seria uma determinação antinatural a qual poucos sacerdotes estão psicologicamente preparados para exercer. A grita geral tendenciou para a revisão desse processo com a justificativa de que os abusos diminuiriam ou até cessariam.

Em primeiro lugar, há um problema de transtornos de sexualidade muito específicos – eu diria isolados – que norteia a grande maioria dos casos registrados. São patologias que, talvez, estejam enraizadas num período muito anterior a vocação sacerdotal. É verdade que esse psiquismo distorcido encontrou uma brecha para ser exercido em silêncio nas casas paroquiais, aproveitando-se de uma relação de confiança entre autoridade espiritual e seus pupilos. Mas, como fato inusitado, ganhou proporções alarmistas que não correspondem à realidade; os episódios começaram a ganhar contornos de uma epidemia iminente que não distingue inocentes de pecadores, além de estabelecer um postulado não oficial de vigilância sobre todos àqueles que se dedicam à evangelização cristã.

Em segundo lugar, a Igreja católica estabeleceu a figura do diácono, um sacerdote que recebe um ordenamento especial com autorização para celebrar grande parte de uma missa (excetuando-se a eucaristia, tarefa exclusiva dos padres) e que pode, inclusive, constituir família. Ou seja, viver em celibato ou ser um sacerdote religioso de outra cepa são escolhas distintas, não são decisões impostas para por em xeque os limites da sexualidade humana. Porém, assim como os psicólogos, policiais, artistas, jornalistas, advogados, engenheiros etc., os padres também necessitam estar sujeitos a uma avaliação periódica de sua psique por estarem expostos, às vezes, a tarefas que lhes exaurem as forças emotivas. Mas nem por isso tais avaliações periódicas são recomendadas com o único intuito de serem trabalhos preventivos para se detectar predadores sexuais.

Vícios de intolerância

Não tenho a cátedra e o espaço necessários para explicar contextualizações transcendentais que incentivem o ofício da fé. Porém, uma afirmação se faz urgente nesse momento: não podemos permitir que algumas maçãs podres contaminem todo um cesto de frutas. E o que dizer dos pedófilos não celibatários? Ter contato inesgotável com o mundo afora e acesso irrestrito às fontes de suas perturbações, mediadas principalmente pela internet, não parece fazê-los mais saudáveis perante o convívio social como bem exemplificam as outras dezenas de denúncias que surgiram. Permito abrir um parêntese dentro desse raciocínio e lembrar que a legislação trabalhista acerca do assédio sexual não foi formatada visando às agregações paroquiais.

Como consequência desse monitoramento excessivo, vem à tona uma versão reformulada da caça às bruxas. Repita-se: não se está condenando a apuração jornalística das denúncias. O rigor da responsabilidade civil precisa pesar sobre quem praticou essas insanidades. Entretanto, há danos quase irreversíveis que precisam ser avaliados com isenção. Talvez o maior deles tenha sido o estímulo de pré-julgamento depositado sobre grande parte da opinião pública disposta a comprar certas ideias baseadas no ódio puro e simples. Como argumentar, agora, com o inconsciente coletivo não católico que os celebrantes de uma liturgia com mais de 2 mil anos de tradição não são fornicadores sedentos em uma casa de swing clerical? Como argumentar que um abraço de um padre em um jovem crismando ou seminarista, em conclusão de seus estudos bíblicos, não configura subliminarmente um flerte erotizante?

É sabido que jornalismo e religião nunca se bicaram e não será hoje que o cessar-fogo vai se concretizar. Há sempre uma onda ciclotímica de patrulhamento, ainda que discreta, que recai sobre os praticantes de uma religião que declaradamente não se compactuam com os erros cometidos por seus líderes espirituais. O problema é que a narrativa jornalística muitas vezes não se cerca de sutilezas e os estilhaços de seu bombardeio moral não medem o tamanho das feridas que recaem sobre os que nada viram ou fizeram de comprometedor.

Judeus, muçulmanos, evangélicos, umbandistas etc. já tiveram que vir a público em determinadas situações para se eximir de culpas que não carregavam, algumas delas alimentadas por historiografias equivocadas e, mais uma vez, amplificadas pela mídia. Agora são os católicos que precisam carregar essa cruz. A outra face a ser dada por eles não é pela vergonha em se admitir que uma crise interna precisa urgentemente ser contornada, mas sim, pelos vícios de intolerância de certos meios de comunicação que não se incomodam em produzir a sua própria fogueira inquisitória onde pecadores e inocentes são carbonizados em praça pública.

Por Fabio Leon Moreira, no Observatório da Imprensa, 27 abr 2010

O Evangelho do Reino e o hospital de guerra ~ por José Roberto Prado

Alguém já disse que, independente da cidade, a maior igreja não se reúne num prédio específico.

Ao contrário, ela não se reúne, pois é formada pelos afastados, desiludidos, amargurados e decepcionados.

Concordo. Já fiz parte deste grupo. Conheço muitos deles.

Mas é fato que mudei. Na verdade não sei nem quando, nem como, nem onde. O que sei é que fui encontrado e tratado, preenchido por uma nova vida, percepção e esperança.

É isso que quero compartilhar com você neste texto.

Este fenômeno – chamo de “outra igreja” – não é de forma nenhuma novo nem tampouco brasileiro. Por toda história, infelizmente, encontramos pessoas mal interpretando o Evangelho, produzindo comunidades que ao invés de curar, enfermaram; ao invés de acolher, isolaram; ao invés de integrar, alienaram.

Bem sabemos que milhares vivem hoje à margem da graça do Reino.

Tais quais enfermos ruminantes, em isolamento e tristeza, regurgitam culpas falsas e reais, alienados de si, dos outros e de Deus.

Não lhes foi anunciado o evangelho do Reino, mas um ‘outro evangelho’ que Deus não avaliza.

Atraídos por falsas e não realizáveis expectativas, buscaram vida tranqüila, próspera e saudável; casamentos perfeitos, filhos e netos exemplares; carreira profissional sempre ascendente, sucesso. Porém…

Apesar de todos os esforços, orações, dízimos e incontáveis participações em eventos, para a imensa maioria a pressão ainda sobe, a artéria entope, o menisco se desgasta, a unha encrava, o carro quebra, a empresa fali, e em alguns casos, até o casamento não resiste.

Derrotados por uma teologia equivocada e um mundo cruel, saem pela porta dos fundos, ressentidos com Deus, com a igreja, com a vida.

Há aqueles que se afastam decepcionados com os próprios crentes.

Isto porque no ‘outro evangelho’ a conversão é percebida como transformação instantânea.

Nesta perspectiva a igreja é o lugar de congraçamento dos perfeitos, um grande clube vip.

Mas a verdadeira igreja não é isso…

É verdade que somos abençoados na igreja, que irmãos maduros nos acolhem, enxugam nossas lágrimas, tratam nossas feridas e nos ensinam a caminhar. Mas é também verdade que na igreja somos julgados, traídos, difamados e explorados por gente do nosso próprio grupo, seja o coral, o louvor, ou a terceira idade.

Na linguagem bíblica, parece haver muito joio pra pouco trigo.

O ‘outro evangelho’ nos aliena ainda quando cobra de nós mesmos a instantânea transformação.

É verdade que algumas coisas podem e de fato, devem mudar na conversão.

Há aqueles que são curados milagrosamente de vícios que os acorrentavam há anos; outros são libertos de espíritos malignos que os aprisionavam desde pequenos.

Isto de fato acontece. É o poder do Evangelho. Mas outros não…

Não demora muito, porém, mesmo estes que foram milagrosamente libertos, percebem que apesar destas mudanças reais e significativas, outras áreas, antes dormentes, apresentam-se agora como grandes fontes de luta.

Acabam, enfim, por identificar em seu próprio coração resistentes laços de avareza, preguiça, lascívia e orgulho.

Quanto mais luz, mais percebemos as rachaduras…

Esta constatação os faz viver cabisbaixos ou lhes empurra numa busca desesperada por uma experiência catártica que, de uma vez por todas, expulse seus domesticados e obesos demônios.

Na verdade, como diz o ditado: “De perto ninguém é normal”!

Melhor: “De perto, todos são miseráveis pecadores”, mesmo após a conversão.

O que é, então, a igreja?

Qual a proposta do evangelho do Reino?

Igreja é a congregação dos perdoados, a comunidade que sinaliza o Reino anunciado por Jesus.

É como um hospital; mas não um hospital comum, destes modernos que mais se parece um hotel.

A igreja é como um hospital de guerra, onde feridos graves são recebidos a todo o momento. Há macas no corredor, sangue e outros não tão nobres fluídos pelo chão. Faixas usadas estão pelo canto. O odor não é de forma alguma agradável. Ainda há dor, choro, e pode-se ouvir gemidos pelos corredores…

Mas há, sim, curas, restaurações, cicatrizações e alegrias.

Crianças nascem o tempo todo! Adolescentes jogam bola no pátio improvisado. A cantina é sempre movimentada e barulhenta, e o médico-diretor é atencioso, paciente e muito capaz. Um hospital assim é tudo o que um soldado ferido almeja. Ele sabe que ali encontrará alívio e restauração. Todos, sem exceção, trabalharão por sua restauração. Essa é a igreja do evangelho do Reino.

Evangelho é boa notícia! A paz já foi feita, a Lei foi cumprida por Jesus! A reconciliação foi estabelecida, pois a justiça foi feita na cruz! Deus perdoa a todos os que se reconhecem pecadores. Estão salvos da ira vindoura todos os que crêem em seu amor e pela fé apropriam-se da morte de seu Filho na cruz. Não precisamos mais nos esconder; não precisamos mais representar; não precisamos mais nos afastar.

O Evangelho do Reino é liberdade, compaixão, esperança, amor. É comunhão, integração, acolhimento.

O Evangelho do Reino é uma santa celebração!

A igreja-hospital-de-guerra tem uma equipe especializada em recolher feridos. Eles se arriscam em meio a bombas para trazer os solitários, os abatidos, os fracassados…

Que tal buscar aqueles que foram surpreendidos pela crueldade da vida, dos irmãos e do seu próprio coração? Anuncie-lhes o Evangelho! A boa notícia! Eles não precisam mais fazer hora no boteco aguardando surgir a pureza de coração. O médico os recebe da forma que estão. O perdão precede o arrependimento! O hospital está aberto!

Isto é graça, este é o Reino. Nele, na igreja-hospital-de-guerra é proibida e entrada de pessoas perfeitas!

Em suas celebrações alguns aparecem enfaixados, outros de muleta, outros com tampões nos olhos. Que cena! Mas todos estão vivos e celebram a vitória de seu médico-general. Ainda há luta lá fora, mas é só uma questão de tempo. Em breve soará a trombeta da vitória! E nós? Nós pularemos pelos campos, cheios de alegria, saúde e paz…

Enquanto a trombeta não toca, nós celebramos!

Não nosso bom comportamento, saúde, sucesso profissional ou familiar. Celebramos não nossa performance ou capacidade de permanecer em pé… Celebramos nosso Médico, nosso Redentor, nosso Salvador, nosso Amado Pai! Celebramos a graça de sermos perdoados, feitos santos, santificados, justificados. Celebramos sermos amados.

Brennan Manning em seu livro “O Evangelho Maltrapilho” (Editora Textus, 2005) nos lembra: somos santos maltrapilhos.

Nossas fardas estão rasgadas. Algumas feridas ainda sangram. Nós mancamos, sim…!

Mas nosso manquejar é vitorioso!

Bem vindo maltrapilho!

Vamos celebrar!

Deserto ou jardim? ~ por José Roberto Prado

Deus prometeu a Josué: ‘toda terra que pisar os teus pés será tua’ (Js 1.3). Por esta promessa Israel recebia pela fé a posse da terra. Era um presente, mas havia inimigos a serem vencidos. Deus convida seus filhos à maturidade e esta, sempre, envolve batalhas ferozes. Havia gigantes em Canaã. Somos convocados a derrotar os gigantes da nossa própria terra. Que terra é essa?

Igreja é povo de Deus. Distingue-se pela posse de algo que só Deus pode conceder. É uma dádiva, mas deve também ser buscada. O preço por não lutar é ter que conviver com inimigos e, muitas vezes, ser derrotados por eles, pois resistem em sair. Esgueirado-se por entre as sombras, quando menos esperamos apropriam-se daquilo que é nosso: nossa vida, nossa liberdade, nossa alegria, nossa paz.

Na nova aliança, o coração – centro da vontade, pensamentos e emoções – é a ‘terra’ a ser conquistada. Não mais um pedaço de chão, fertilidade, estabilidade financeira ou saúde física. Deus presenteia-nos com um novo coração, uma nova identidade, a possibilidade de posse de nosso próprio ser, de desfrutarmos a paz de “estar NEle” e “Ele em nós”! Nosso coração torna-se, assim, ambiente de adoração, de habitação da glória do Deus Excelso. Somos feitos “santuário do Deus vivo” (1Co3.16). Continue lendo

Secretário de Estado do Vaticano relaciona pedofilia à homossexualidade

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Cardeal disse a uma rádio do Chile que este é ‘o verdadeiro problema’ dos casos de abuso

SANTIAGO – O secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, disse na segunda-feira, 12, no Chile, que os múltiplos casos de pedofilia envolvendo membros da Igreja Católica estão vinculados à homossexualidade, e não ao celibato sacerdotal. No Chile, um dos casos mais famosos de pedofilia envolvia um sacerdote que mantinha relações sexuais com meninas adolescentes.

“Demonstraram muitos psicólogos, muitos psiquiatras, que não há relação entre celibato e pedofilia, mas muitos demonstraram – e disseram isso recentemente – que há uma relação entre homossexualidade e pedofilia”, afirmou Bertone. “Isso é verdade, este é o problema”, disse, em declarações transmitidas pela Rádio Cooperativa.

Em visita ao país sul-americano, Bertone abriu a Assembleia Plenária da Conferência Episcopal chilena. O religioso reiterou que a Igreja Católica nunca impediu investigações de pedofilia envolvendo padres e bispos.

Reações

A fala de Bertone levou a reações fortes por parte dos defensores dos direitos dos homossexuais no Chile. “Nem Bertone nem o Vaticano têm a autoridade moral” para oferecer lições de sexualidade, afirmou Rolando Jiménez, presidente do Movimento para a Integração e Liberação Homossexual no Chile.

Jiménez também notou que não há um estudo bem elaborado respaldando as declarações do cardeal. “É uma estratégia perversa do Vaticano para fugir de sua própria responsabilidade”, afirmou ele.

Pelo menos um dos pedófilos mais famosos da Igreja Católica do Chile atacava meninas – uma das jovens ficou grávida. O arcebispo de Santiago recebeu muitas queixas sobre o sacerdote José Andrés Aguirre por parte de famílias preocupadas com suas filhas. Apesar disso, o sacerdote, conhecido por seus paroquianos como o padre Tato, manteve contato com um grupo de meninas católicas da cidade.

Depois, por causa das acusações, Aguirre foi enviado em duas ocasiões para fora do Chile, e acabou condenado a 12 anos de prisão por abusar de dez jovens. Uma delas, identificada como Paula, disse que começou a ter relações sexuais com o sacerdote aos 16 anos e continuou até os 20 anos.

Paula disse ao jornal chileno La Nación ter pensado que não havia problemas em fazer sexo com ele, porque quando relatou o caso a outros sacerdotes, na confissão, eles disseram para ela orar e que isso era tudo. A jovem afirmou que eles sabiam e alguns supunham que se tratava do padre Tato, mas nenhum a ajudou.

Renúncia

Um desses sacerdotes procurados por Paula foi o arcebispo Francisco José Cox, também envolvido em acusações de pedofilia. Arcebispo da cidade de La Serena, 470 quilômetros ao norte de Santiago, Cox foi obrigado a renunciar em 1997. Foi transferido para Santiago, depois para Roma, em seguida para a Colômbia e agora está recluso na Alemanha.

Em 2002, o cardeal arcebispo de Santiago, Francisco Javier Errázuriz, confirmou que Cox foi transferido por “condutas impróprias” com menores.

Fonte: Estadão, 13 de abril de 2010

Fraudes em nome de Deus

iluminated window with sculptures and paintings

Por Dalmo de Abreu Dallari

Um fenômeno social que vem ganhando corpo nos últimos tempos é o aparecimento de grupos autodenominados religiosos, que, geralmente sob a direção de um líder, arrebanham adeptos, atraindo pessoas, quase sempre pouco esclarecidas ou socialmente frágeis, ou, ainda, dissidentes políticos ou religiosos aos quais oferecem um instrumento de oposição, e logo procuram formalizar a existência do grupo como uma nova igreja. E assim procuram obter proveitos materiais de várias espécies, em fraude à lei. Isso explica o aparecimento de novas igrejas em diferentes partes do mundo, inclusive no Brasil.

Percebendo a ocorrência desse fenômeno e desejando conhecê-lo melhor, para, entre outras coisas, despertar a opinião pública para os graves prejuízos individuais e sociais que isso pode acarretar, dois jornalistas ligados à Folha de S.Paulo, Cláudio Ângelo, editor de Ciência, e o repórter Rafael Garcia, decidiram criar experimentalmente uma nova igreja, evidentemente fundada numa fantasiosa crença religiosa.

Para tanto, com o objetivo de evidenciar a tranquila possibilidade legal de consumar essa fraude, solicitaram a orientação de um dos mais prestigiosos escritórios de advocacia de São Paulo, respeitadíssimo pelo alto nível de conhecimentos e pelo rigoroso padrão ético de seus integrantes – o escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian Associados. E assim adotaram as providências legalmente exigidas para concretizar a criação da igreja de fantasia.

Exploração da ignorância

Verificaram, então, que não existem requisitos teológicos ou doutrinários para a criação de uma igreja, não havendo também a exigência de um número mínimo de fiéis. Redigiram um documento de fundação do que denominaram Igreja Heliocêntrica do Sagrado Evangelho e fizeram a inscrição da entidade no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, obtendo assim o número do CNPJ.

Com base nesse documento abriram uma conta bancária, fazendo várias aplicações financeiras, gozando de isenção dos tributos normalmente incidentes sobre operações dessa espécie, pois, segundo a Constituição, no artigo 150, inciso VI, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto.

Nessa mesma linha, a nova igreja poderá adquirir e vender imóveis, realizar transações econômicas, cobrar pela prestação de serviços e praticar outros atos que beneficiem pessoalmente os criadores e dirigentes da igreja, sem que sejam obrigados a pagar o IPVA, o IPTU, o ISS e qualquer outro tributo. E como as igrejas são absolutamente livres para definir sua organização e direção e para admitir e manter seus sacerdotes, que, nessa condição, ficam isentos da obrigação de prestar o serviço militar obrigatório, um dos dirigentes designou seus próprios filhos como sacerdotes, garantindo-lhes, desse modo, essa isenção, devendo-se ainda acrescentar que, além desse privilégio legal, os sacerdotes terão direito a prisão especial, se forem envolvidos numa ocorrência policial.

Acrescente-se, ainda, que os dirigentes da igreja poderão indicar os imóveis de sua residência como sendo templos da igreja e assim ficarão isentos dos tributos municipais.

Essa iniciativa dos jornalistas, levada a efeito discretamente e sem procurar provocar escândalo, é merecedora do maior elogio e deve ser amplamente divulgada, para chamar a atenção dos que podem e devem influir para impedir a multiplicação fraudulenta de igrejas. Essa fraude deve merecer especial atenção dos legisladores e dos governos, pois além de acarretar enormes prejuízos a todo o povo, por criar a possibilidade de intensa atividade econômico-financeira sonegando tributos, alimentam-se da exploração da ignorância e da fragilidade de pessoas das camadas mais pobres da população.

Ação educativa

Bem ilustrativo da audácia desses exploradores da ignorância e da ingenuidade de pessoas mais simples é a notícia da criação de uma linha telefônica para falar com Deus, fato divulgado pelo jornal francês Le Monde (4/3/2010, pág.26).

Conforme registra com ironia aquele jornal, foi criado um novo serviço telefônico, “Le Fil du Seigneur”, iniciativa da sociedade Aabas Interactive. Fornecendo os dois números disponíveis para as ligações, informa o jornal que o custo das ligações é de 15 centavos de euro para as ligações comuns e de 34 centavos para as ligações urgentes e diretamente dirigidas a Deus.

Quem ligar para o serviço ouvirá uma gravação dizendo : “Você está em presença de Deus para o recolhimento e a prece a fim de receber sua graça”. Acrescenta o jornal, sempre ironizando, que os promotores desse piedoso serviço não estão autorizados a conceder absolvição por telefone, mas os interessados podem deixar sua confissão. E para acentuar os objetivos de apoio e edificação espiritual, uma gravação diz no início: “Para receber conselhos, digite 1; para confessar, digite 2 ; para escutar confissões de outros, digite 3”.

Parece absurda a criação de um “serviço” dessa natureza, mas o fato de ele continuar existindo é um sinal de que também existem usuários, o que deixa evidente que há ambiente para audácias desse tipo.

Num pronunciamento recente, o presidente da Ordem dos Advogados de Angola chamou a atenção para o surgimento e a multiplicação de práticas ilegais naquele país, ligadas justamente à exploração de crenças religiosas. E observou : “Não me surpreende o surgimento de crimes ligados à exploração religiosa, porque onde há pobreza, ignorância e um nível cultural extremamente baixo há propensão para que essas práticas religiosas duvidosas prevaleçam e tenham espaço”.

E sublinhando que a legislação angolana exige um mínimo de cem mil aderentes para a existência de uma igreja, o que considera bom mas insuficiente para impedir as fraudes, acrescentou que “é responsabilidade do Estado, nos termos da lei, controlar para que o direito de liberdade religiosa não seja utilizado para fins contrários ao que está previsto na Constituição”, considerando necessária uma ação educativa do Estado, mas também uma ação repressiva, para impedir práticas que, sob a máscara de atividades religiosas, prejudiquem os direitos de outros cidadãos e a própria ordem pública.

Necessário e urgente

Observe-se, afinal, que esse fenômeno da exploração religiosa, muito oportunamente posto em evidência pelos jornalistas da Folha de S.Paulo, vem preocupando vários países da Europa. Assim, na França já estão em vigor três leis tratando de questões relativas ao surto de organizações religiosas e suas repercussões legais. A primeira é de 18 de dezembro de 1998 e cuida, sobretudo, do problema do acesso de crianças à escola, que é obrigação dos pais e vinha enfrentando obstáculos sob alegação de motivos religiosos. A segunda, de 15 de junho de 2000, deu legitimidade às associações civis que lutam contra as seitas para propor ou integrar ações judiciais, inclusive na área penal, nesse âmbito. A terceira lei, de 12 de junho de 2001, trata dos movimentos sectários que atentam contra os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Esta lei permite a propositura de ação contra fatos que podem ser qualificados como “abusos fraudulentos do estado de ignorância ou de fragilidade”, com agravantes quando praticados contra crianças ou pessoas em situação de fraqueza.

Essas questões já vêm sendo objeto de considerações do Conselho da Europa, que em 1992 fez recomendações relativamente às seitas e aos novos movimentos religiosos e em 1999 reforçou seu pronunciamento considerando as atividades ilegais das seitas. Como fica evidente, há uma situação nova envolvendo as questões religiosas, com efeitos graves sobre os direitos.

Por tudo isso, é muito oportuna a advertência sobre o que vem ocorrendo no Brasil nessa área. A Constituição brasileira declara inviolável a liberdade de consciência e de crença, mas ao mesmo tempo diz, no artigo 5°, inciso XVII, que é plena a liberdade de associação “para fins lícitos”. É evidente que o uso fraudulento da invocação religiosa nada tem a ver com a liberdade de crença e, ainda mais, por suas conseqüências de ordem prática, acarreta graves prejuízos a todo o povo, confere privilégios injustos e cria uma situação de conflito, opondo as organizações desonestas às instituições que se fundamentam, autenticamente, em crenças religiosas.

Assim, pois, é necessário e urgente que o tema seja posto entre as prioridades brasileiras, para que se tenha uma legislação que, mantendo a laicidade do Estado, garanta a liberdade de crença com pluralidade, coibindo a invocação fraudulenta dessa liberdade.

Fonte: Observatório de Imprensa, 16 março 2010

*Dalmo Dallari é jurista, professor emérito da Faculdade de Direito da USP

Exorcista-chefe da Igreja diz que há bispos ligados ao Diabo

O exorcista-chefe da Igreja Católica disse a um jornal italiano que “o Diabo reside no Vaticano” e que bispos estariam “ligados” a ele.

Em entrevista ao diário La Repubblica, o padre Gabriele Amorth, que comanda o departamento de exorcismo em Roma há 25 anos, disse que o ataque ao papa Bento 16 na noite de Natal e os escândalos de pedofilia e abuso sexual envolvendo sacerdotes seriam provas da influência maléfica do Demônio na Santa Sé e que “é possível ver as consequências disso”.

O sacerdote, de 85 anos, disse ainda que há, na Igreja, “cardeais que não acreditam em Jesus e bispos ligados ao Demônio”.

Amorth, que já teria realizado o exorcismo de 70 mil possuídos, publicou um livro no mês passado, chamado Memórias de um Exorcista, em que narra suas batalhas contra o mal.

A série de entrevistas que compõe o livro foi realizada pelo jornalista Marco Tosatti, que conversou com o programa de rádio Newshour da BBC.

Tosatti disse que o Diabo atua de duas formas. Na primeira, a mais comum, “ele te aconselha a se comportar mal, a fazer coisas ruins e até a cometer crimes”.

Na segunda, “que ocorre muito raramente”, ele pode possuir uma pessoa. Tosatti disse que, de acordo com Amorth, Adolf Hitler e os nazistas foram possuídos pelo capeta.

O exorcista católico conta em suas memórias que, durante as sessões de exorcismo, os possuídos precisavam ser controlados por seis ou sete de seus assistentes. Eles também eram capazes de cuspir cacos de vidro, “pedaços de metal do tamanho de um dedo, mas também pétalas de rosas”, segundo o sacerdote.

Guerra contra a Igreja

Amorth defende que a tentativa de assassinato do papa João Paulo 2º em 1981, assim como o ataque ao atual papa no Natal passado e os casos de abuso sexual cometidos por padres são exemplos de que o Diabo está em guerra com a igreja.

Em entrevista ao La Repubblica, o exorcista contou que o Demônio “pode permanecer escondido, ou falar diferentes línguas, ou mesmo se fazer parecer simpático”.

Para Tosatti, não há nada que se possa fazer quando o Diabo está apenas influenciando as pessoas, em vez de estar possuindo-as.

Segundo o exorcista-chefe do Vaticano, o papa Bento 16 apoia o seu trabalho.

“Sua Santidade acredita de todo coração na prática do exorcismo. Ele tem encorajado e louvado o nosso trabalho”.

No jornal italiano, Amorth também comentou sobre como o cinema retrata o exorcismo e a magia.

Segundo ele, o filme O Exorcista, de 1973, em que dois padres lutam para exorcizar uma garota possuída é “substancialmente preciso”, apesar de “um pouco exagerado”.

Já a série do jovem bruxo britânico Harry Potter é descrita como “perigosa” pelo sacerdote, pois traça “uma falsa distinção entre magia negra e magia do bem”.

Fonte: BBC Brasil, 12 mar 2010

Escândalo de prostituição gay atinge o Vaticano

BBC Brasil – 5 mar 2010

Um assessor do papa Bento 16 foi afastado nesta semana por causa de um escândalo sexual envolvendo prostituição gay que sacudiu o Vaticano.

Ângelo Balducci, um dos Cavalheiros de Sua Santidade, uma espécie de assistente de elite para o papa quando recebe visitas importantes, foi flagrado em gravações feitas pela polícia dando instruções a um interlocutor sobre detalhes físicos de homens que gostaria que fossem levados a ele.

Segundo a imprensa italiana, o interlocutor era Thomas Ehiem, 29 anos, integrante do famoso coral do Vaticano, que também foi afastado.

A polícia italiana havia grampeado o telefone de Balducci durante uma investigação de corrupção separada e não relacionada ao Vaticano.

Em uma das transcrições vazadas para a mídia, Ehiem descreve um homem como tendo “dois metros, 97 quilos, 33 anos e diz que é ‘completamente ativo’”.

Em outra, Balducci pergunta a Ehiem se ele já “falou com o seminarista”, ao que ele responde “ele provavelmente está na missa, ou algo assim”.

Um representante do Vaticano disse que o Bento 16 está ciente do escândalo.

A transcrição das gravações sugere que Ehiem procurou pelo menos dez homens para Balducci, entre eles, modelos e um jogador de rúgbi.

Thomas Ehiem seria integrante do coro que se apresentou para o papa Bento 16 em uma apresentação de Natal.

Entre as atribuições de Balducci estavam a de ciceronear chefes de Estado e carregar o caixão em funerais papais.

Líder protestante alemã renuncia após escândalo de embriaguez ao volante

DW, 24 fev 2010

Depois ter sido flagrada dirigindo embriagada, Margot Kässmann, líder da Igreja Evangélica na Alemanha (EKD), renunciou ao posto nesta quarta-feira (24/02). Apesar de ter recebido o apoio do Conselho da Igreja, a bispa não resistiu à repercussão do caso.

No último sábado (20/02), o veículo de Kässmann foi parado por policiais em Hannover depois de avançar o sinal vermelho. Levada à delegacia da cidade, a bispa foi submetida a um exame de sangue que detectou 1,54 grama de álcool por litro de sangue – o triplo da quantidade permitida, 0,5 grama.

Segundo promotores que acompanham o caso, Kässmann se encontrava “completamente inapta para dirigir”. Pelo delito, ela deve perder a carteira de motorista por um ano, além de ter que pagar multa pesada. Depois de o caso se tornar público, a líder religiosa admitiu ser consciente dos riscos de dirigir alcoolizada.

“Estou chocada comigo mesma por ter cometido um erro tão grave”, declarou posteriormente jornal alemão Bild, acrescentando que aceitaria as consequências legais da transgressão.

Apoio da Igreja

Depois de ter manifestado apoio à bispa, Günther Beckstein, vice-presidente do Conselho da EKD, lamentou a renúncia de Kässmann. “A decisão é dela, e eu a respeito”. E acrescentou: “Mas por mim ela poderia ficar”.

Segundo manifestou a liderança da Igreja Evangélica, a bispa recebeu o voto de confiança dos colegas porque, segundo os preceitos religiosos, todos os seres humanos são passíveis de erro, mesmo os que exerçem uma função na Igreja.

Com a renúncia de Kässmann, o Conselho da Igreja Evangélica deve escolher em breve um novo líder. Há chances de que isso ocorra em outubro, quando acontece a próxima reunião do sínodo.

Liderança marcante

Margot Kässmann, 51 anos, era bispa em Hannover e presidente do conselho nacional da Igreja Evangélica, que tem cerca de 25 milhões de seguidores na Alemanha.

Kässmann se tornou a bispa mais jovem da Alemanha ao ser nomeada aos 41 anos, em 1999. Em outubro do ano passado chegou ao topo da Igreja Evangélica alemã e fez história ao ser a primeira mulher a ocupar o posto – mandato que duraria seis anos.

Ela também ganhou notoriedade em 2007 ao se separar do marido, o qual também fazia parte da liderança da Igreja. Kässmann tem quatro filhos e já publicou 30 livros.

NP/edp/ap/dpa/afp
Revisão: Augusto Valente

Após polêmica, mostra com Jesus gay é cancelada na Espanha

BBC Brasil, 17 fev 2010

A exposição de uma polêmica releitura da vida de Jesus Cristo, que inclui cenas de homossexualismo, prostituição e forte conteúdo sexual, teve de sair de cartaz na Espanha após levantar a ira de grupos católicos.

A série Circus Christi foi descrita pelo seu autor, o fotógrafo Fernando Bayona, como “uma visão atualizada da vida de Jesus pelo filtro da sociedade atual, nas quais os personagens vivem vidas paralelas às narradas nos textos bíblicos”.

Em uma das 13 fotografias, o dolorido nascimento de Jesus se dá em um precário ambiente caseiro. A sua pregação é simbolizada por um show de rock.

E talvez o mais polêmico retrato seja o Beijo de Judas, no qual dois modelos masculinos, um com a camisa aberta no peito, trocam carícias. A foto empresta uma estética amplamente utilizada na publicidade.

Grupos católicos espanhóis qualificaram a mostra de “blasfêmia” e disseram que o “escárnio” do artista “fere o sentimento dos cristãos”.

Segurança

Segundo a imprensa espanhola, apenas 38 pessoas tiveram a chance de ver a exposição, que ficaria em cartaz até o dia 5 de março na Universidade de Granada, na sul andaluz da Espanha.

Por causa dos protestos de grupos católicos e a polêmica criada na imprensa e na sociedade local, a universidade decidiu suspender a exibição alegando que não poderia garantir a segurança no local.

Ouvido pelo jornal El Mundo, o artista, que declinou pedidos de entrevista da BBC Brasil, disse que ficou “surpreendido” com a reação gerada pela exposição e garantiu que a polêmica não lhe beneficia.

“Há muita gente que está falando de ouvir dizer, porque nem sequer houve tempo suficiente de todas as pessoas que estão opinando terem visitado a exposição”, afirmou, ao jornal.

Bayona disse que a decisão de encerrar a mostra foi de mútuo acordo entre ele e a universidade, “para não colocar ninguém em perigo”.

Em um comunicado, a Universidade de Granada lamentou que “um elevado número de pessoas” tenha se sentido ofendido e garantiu que o trabalho não foi patrocinado “através de bolsa de estudo ou qualquer outra forma”.