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Especuladores devem ser julgados pela fome! ~ por Jean Ziegler

O sociólogo suíço Jean Ziegler, ex-relator especial para o Direito à Alimentação da Nações Unidas (ONU), denunciou que a fome é um dos principais problemas da humanidade, em um debate nesta segunda-feira (13/5) em São Paulo.

[Publicado no MST, por José Coutinho Júnior, em 13 mai 2013] “O direito à alimentação é o direito fundamental mais brutalmente violado. A fome é o que mais mata no planeta. A cada ano, 70 milhões de pessoas morrem. Destas, 18 milhões morrem de fome. A cada 5 segundos, uma criança no mundo morre de fome”, disse Ziegler.

Na década de 1950, 60 milhões de pessoas passavam fome. Atualmente, mais de um bilhão. “O planeta nas condições atuais poderia alimentar 12 bilhões de pessoas, de acordo com estudo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Não há escassez de alimentos. O problema da fome é o acesso à alimentação. Portanto, quando uma criança morre de fome ela é assassinada”.

Ziegler afirma que é a primeira vez que a humanidade tem condições efetivas de atender às necessidades básicas de todos. Depois do fim da Guerra Fria, mais especificamente em 1991, a produção capitalista aumentou muito, chegando a dobrar em 2002. Ao mesmo tempo, essa produção seguiu um processo de monopolização das riquezas. Hoje, 52,8% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial está nas mãos de empresas multinacionais.

A concentração da riqueza nas mãos de algumas empresas faz com que os capitalistas  tenham uma grande força política. “O poder político dessas empresas foge ao controle social. 85% dos alimentos de base negociados no mundo são controlados por 10 empresas. Elas decidem cada dia quem vai morrer de fome e quem vai comer”, diz Ziegler.

O sociólogo relatou que essas empresas seguem blindadas pela tese neoliberal de que o mercado não deve ser regulado pelo Estado.

“Na Guatemala, 63% da terra está concentrada em 1,6% dos produtores. A primeira reivindicação que fiz, após a missão, foi a realização da Reforma Agrária no país. Fui rechaçado, pois uma intervenção no mercado não é possível. Não havia sequer um cadastro de terras lá: quando os latifundiários querem aumentar suas terras, mandam pistoleiros atacar a população maia que vive ao redor”.

Especulação

A especulação financeira dos alimentos nas bolsas de valores é um dos principais fatores para o crescimento dos preços da cesta básica nos últimos dois anos, dificultando o acesso aos alimentos e causando a fome. De acordo com o Banco Mundial, 1,2 bilhão de pessoas encontram-se em extrema pobreza hoje, vivendo com menos de um dólar por dia.

“Quando o preço do alimento explode, essas pessoas não podem comprar. Apesar da especulação ser algo legal, permitido pela lei, isso é um crime. Os especuladores deveriam ser julgados num tribunal internacional por crime contra a humanidade”, denuncia Ziegler.

A política de agrocombustíveis, que, além de utilizar terras que poderiam produzir comida, transforma alimentos em combustível, é mais um agravante. “É inadmissível usar terras para fazer combustível em vez de alimentos em um mundo onde a cada cinco segundo uma pessoa morre de fome”.

Política da fome

Ziegler afirma que não se pode naturalizar a fome, que é uma produção humana, criada pela sociedade desigual no capitalismo. Prova disso são as diversas políticas agrícolas praticadas tanto por empresas e subsidiadas por instituições nacionais e internacionais.

O dumping agrícola consiste em subsidiar alimentos importados em detrimento dos alimentos produzidos internamente. De acordo com Ziegler, os mercados africanos podem comprar alimentos vindos da Europa a 1/3 do preço dos produtos africanos. Os camponeses africanos, dessa forma, não conseguem produzir para se sustentar.

Ziegler denunciou o “roubo de terras”, que é o aluguel ou compra de terras em um país por fundos privados e bancos internacionais, que ocorreu com mais de 202 mil hectares de áreas férteis na África, com crédito do Banco Mundial e de instituições financeiras da África.

Os camponeses, por conta desse processo, são expulsos das terras para favelas. Esse processo tem se intensificado uma vez que os preços dos alimentos aumentam com a especulação imobiliária.

O Banco Mundial justifica o roubo de terras com o argumento de que a produtividade do camponês africano é baixa até mesmo em um ano normal, com poucos problemas (o que raramente acontece).

Um hectare gera no máximo 600 kg por ano, enquanto que na Inglaterra ou Canadá, um hectare gera uma tonelada. Para o Banco Mundial, é mais razoável dar essa terra a uma multinacional capaz de investir capital e tecnologia e tirar o camponês de lá.

“Essa não é a solução. É preciso dar os meios de produção ao camponês africano. A irrigação é pouca, não há adubo animal ou mineral nem crédito agrícola, e a dívida externa dos países impedem que eles invistam na agricultura”, defende Ziegler.

Soluções

Segundo Ziegler, a única forma de mudar as políticas que perpetuam a fome é por meio da mobilização e pressão popular.

“Temos que pressionar deputados e políticos para mudar a lei, impedindo que a especulação de alimentos continue. Devemos exigir dos ministros de finanças na assembleia do Fundo Monetário Internacional que votem pelo fim das dívidas externas. Temos que nos mobilizar para impedir o uso de agrocombustíveis e acabar com o dumping agrícola”.

Ziegler afirma que a luta contra a fome é urgente, pois quem se encontra nessas condições não pode esperar. “Essa mobilização coletiva pode pressionar democraticamente e massivamente, por medidas que acabem com a fome. A consciência solidária deve movimentar a sociedade civil. A única coisa que nos separa das vítimas da fome é que elas tiveram o azar de nascer onde se passa fome”.

O ex-relator especial para o Direito à Alimentação da Nações Unidas (ONU) veio ao Brasil lançar o livro “Destruição em Massa – Geopolítica da Fome” (Editora Cortez) e participar da 6ª edição do Seminário Anual de Serviço Social, que aconteceu no Teatro da Universidade Católica (TUCA).

A espantosa distribuição da riqueza mundial [gráfico]

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O planeta possui 7 bilhões de pessoas. Dados espantosos sobre a distribuição da riqueza:

1 – Qualquer pessoa que possua bens em valor total superior a R$ 8.600,00 (uma moto usada) possui mais riqueza do que 3 bilhões e 500 milhões de pessoas no mundo inteiro. Está na metade superior da posse de riquezas.

2- Quem possui bens em valor superior a 162 mil reais (uma casa simples em São Gonçalo, RJ) possui mais riqueza do que 6 bilhões e 300 milhões de pessoas. Pertence aos dez porcento mais ricos do mundo.

3- Quem tem bens em valor superior a um milhão e seiscentos mil reais (uma boa casa em Camboinhas, Niterói, RJ), possui mais riqueza do que 6 bilhões e 930 milhões de pessoas. Faz parte da fatia correspondente a um porcento da população mundial, mais rica do que os 99% restantes.

Conclusão: num planeta extremamente injusto, até as classe média e média alta são consideradas ricas. Apenas trinta e dois milhões de pessoas podem ser consideradas, de fato, ricas, sendo que 161 delas controlam cerca de 140 corporações que, por sua vez, dominam praticamente todo o sistema econômico e político do mundo. Esse é o sistema que defendemos com unhas e dentes?

[Publicado originalmente aqui, por Marcio Valley, em 21 out 2013]

A injustiça mata a democracia. ~ Zygmunt Bauman

Portinari-Os MiseráveisNo seu novo livro, La ricchezza di pochi avvantaggia tutti. Falso! [A riqueza de poucos beneficia a todos. Falso!] (Ed. Laterza, 112 páginas), Zygmunt Bauman trata do tema da riqueza que não gera bem-estar. “A corrida ao lucro individual não é uma vantagem para todos: as disparidades crescem”. Um trecho do livro foi publicado no jornal La Repubblica, 25 fev 2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. [Publicado no IHU, 27 fev 2013] Eis o texto.

Um estudo recente do Instituto Mundial de Pesquisas da Economia do Desenvolvimento (World Institute for Development Economics Research), da Universidade das Nações Unidas, relata que, em 2000, o 1% dos adultos mais ricos possuía sozinho 40% dos recursos globais, e que os 10% mais ricos detinham 85% da riqueza mundial total. A metade inferior da população adulta no mundo possuía 1% da riqueza global.

Mas esse é apenas o retrato de um processo em curso… Notícias cada vez mais negativas e cada vez piores para a igualdade dos seres humanos e, portanto, também para a qualidade da vida de todos nós se sucedem dia após dia.

“As desigualdades planetárias atuais fariam corar de vergonha os inventores do projeto moderno, Bacon, Descartes e Hegel”: é a consideração com a qual Michel Rocard, Dominique Bourg e Floran Augagner concluem o artigo Le genre humain menacé, publicado com a assinatura de todos os três no Le Monde do dia 2 de abril de 2011.

Na época das Luzes, em nenhum lugar da terra o nível de vida era mais do que duas vezes superior ao da região mais pobre. Hoje, o país mais rico, o Qatar, se orgulha de ter uma renda per capita de nada menos do que 428 vezes mais alta do que a do país mais pobre, o Zimbábue. E estas, não nos esqueçamos, são comparações entre médias, que depois se encaixam na historinha da galinha de Trilussa…

A obstinada persistência da pobreza em um planeta que luta com o fundamentalismo do crescimento econômico já é o suficiente para induzir as pessoas pensantes a se deterem por um momento e a refletirem sobre as vítimas diretas e indiretas de tal distribuição desigual da riqueza. O abismo cada vez mais profundo que separa os pobres e os que não têm perspectiva dos ricos otimistas, confiantes e barulhentos – um abismo de tal profundidade que já está acima das capacidades de escalada de qualquer um, exceto os alpinistas mais musculosos e menos escrupulosos – é um razão evidente para se estar gravemente preocupado.

Como os autores do artigo recém-mencionado advertem, a principal vítima da desigualdade que se aprofunda será a democracia, já que os meios de sobrevivência e de vida digna, cada vez mais escassos, procurados e inacessíveis, se tornam objeto de uma rivalidade brutal e talvez de guerra entre os privilegiados e os necessitados deixados sem ajuda.

Uma das fundamentais justificações morais adotadas em favor da economia de livre mercado, isto é, que a busca do lucro individual também fornece o melhor mecanismo para a busca do bem comum, se encontra enfraquecida. Nas duas décadas que precederam a ascensão da última crise financeira, na grande maioria dos países da OCDE, a renda interna real para os 10% das pessoas no topo da pirâmide social aumentou com uma velocidade 10% superior à dos mais pobres. Em alguns países, a renda real da camada inferior da pirâmide, na realidade, diminuiu.

As disparidades de renda, portanto, se ampliaram notavelmente. “Nos Estados Unidos, a renda média dos 10% no topo é atualmente 14 vezes a dos 10% de baixo”, vê-se forçado a admitir Jeremy Warner, editor-chefe do The Daily Telegraph, um dos jornais mais entusiasmados em exaltar a “mão invisível” dos mercados que seria capaz, aos olhos tanto dos redatores quanto dos leitores, de resolver todos os problemas por eles criados (e talvez alguns a mais).

Warner acrescenta: “A crescente desigualdade da renda, embora obviamente indesejável do ponto de vista social, não tem necessariamente grande relevância se todos se tornarem mais ricos, ao mesmo tempo. Mas se a maior parte das vantagens do progresso econômico vão para um número relativamente restrito de pessoas que já ganham uma renda elevada – que é o que está acontecendo na realidade de hoje – isso começa evidentemente a se tornar um problema”.

A admissão, cauta e morna no seu teor, mas cheia de compreensão mesmo que semiverdadeira no seu conteúdo, chega ao pico de uma maré crescente de descobertas dos pesquisadores e de estatísticas oficiais que documentam a distância rapidamente crescente entre aqueles que estão em cima e aqueles que estão embaixo na escala social.

Em flagrante contradição com as declarações dos políticos, que pretendem ser recicladas como crença popular não mais sujeita à reflexão, nem controlada, nem posta em discussão, a riqueza acumulada no topo da sociedade falhou clamorosamente em “filtrar para baixo”, de modo a tornar todos nós um pouco mais ricos ou a nos fazer sentir mais seguros, mais otimistas acerca do nosso futuro e do dos nossos filhos, ou mais felizes…

Na história humana, a desigualdade, com toda a sua tendência por demais evidente de se autorreproduzir de forma cada vez mais extensa e acelerada, certamente não é uma novidade. No entanto, quem trouxe recentemente a eterna questão da desigualdade, das suas causas e das suas consequências novamente para o centro da atenção pública, tornando-a assunto de intensos debates, foram fenômenos totalmente novos, espetaculares, chocantes e iluminadores.

Um novo retrato da desigualdade global

Divide-e

Sabe-se perfeitamente hoje que as desigualdades de renda e riqueza na maior parte dos países ricos, e especialmente nos Estados Unidos, dispararam, nas últimas décadas e, de modo trágico, agravaram-se ainda mais desde a Grande Recessão. Mas e no resto do mundo? A distância entre os países está se reduzindo, à medida que potências econômicas como a China e Índia resgatam centenas de milhões de pessoas da pobreza? E no interior das nações pobres e de riqueza média, a desigualdade está piorando ou sendo reduzida? Estamos caminhando para um mundo mais igual ou mais injusto?

[Por Joseph Stiglitz, no blog The Great Divide, do New York Times | Imagem: Javier Jaen | Tradução: Antonio Martins | Outras Palavras, 15 out 2013]

São questões complexas. Uma pesquisa de um economista do Banco Mundial de nome Branko Milanovic, junto com outros acadêmicos, começou a apontar algumas respostas.

A partir do século 18, a revolução industrial produziu um aumento gigantesco da riqueza na Europa e América do Norte. É claro, a desigualdade nestes países era chocante. Pense nas indústrias têxteis de Liverpool e Manchester, na Inglaterra dos anos 1820, ou nas favelas do baixo Leste de Manhattan ou do Sul de Chicago, nos 1890. Mas o abismo entre os ricos e o resto, como um fenômeno global, alargou-se ainda mais até a II Guerra Mundial. Àquela época, a desigualdade entre os países era maior que a desigualdade em seu interior.

Mas depois da Guerra Fria, no final dos anos 1980, a globalização econômica se acelerou e a distância entre as nações começou a encolher. O período entre 1988 e 2008 “pode ter representado o primeiro declínio na desigualdade global entre cidadãos do mundo desde a Revolução Industrial”, diz Milanovic, que nasceu na antiga Iugoslávia. É o autor de Os que têm e os que não têm: uma história breve e idiossincrática da desigualdade global [sem edição em português], um texto publicado em novembro último. Embora a distância entre algumas regiões tenha diminuído notavelmente – em especial, entre a Ásia e as economias avançadas do Ocidente –, persistem grandes abismos. As rendas globais, por país, aproximaram-se umas das outras nas últimas décadas, particularmente devido à força do crescimento da China e Índia. Mas a igualdade geral entre os seres humanos, considerados como indivíduos, melhorou muito pouco. O coeficiente de Gini, uma medida de desigualdade, melhorou apenas 1,4 pontos, entre 2002 e 2008.

Ou seja: embora nações da Ásia, do Oriente Médio e da América Latina como um todo, possam estar se aproximando do Ocidente, os pobres são deixados para trás em toda parte – inclusive em países como a China, onde beneficiaram-se de alguma forma da melhora dos padrões de vida. Entre 1988 e 2008, descobriu Milanovic, a renda do 1% mais rico do planeta cresceu 60%, enquanto os 5% mais pobres não tiveram mudança em seus rendimentos. E embora as rendas médias tenham melhorado bastante, nas últimas décadas, há ainda enormes desequilíbrios: 8% da humanidade abocanham 50% da renda global; o 1% mais rico fica, sozinho, como 15%. Os ganhos de renda foram maiores entre a elite global – executivos financeiros e corporativos nos países ricos – e entre as grandes “classes médias emergentes” da China, Índia, Indonésia e Brasil. Quem perdeu? Os africanos, alguns latino-americanos e gente na Europa Oriental pós-comunista e na antiga União Soviética, apurou Milanovic.

Os Estados Unidos oferecem um exemplo particularmente sombrio para o mundo. E como, de diversas maneiras, eles “lideram o mundo”, se outros seguirem seu padrão não poderemos esperar por um futuro mais justo.

Por um lado, a ampliação das desigualdades de renda e riqueza nos EUA é parte de uma tendência mundial. Um estudo de 2011, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), verificou que as desigualdades começaram a crescer no final dos anos 1970 e início dos 80, nos EUA e Grã-Bretanha (além de Israel). A tendência começou a se espalhar pelo mundo no final dos anos 1980. Na última década, as desigualdades de renda cresceram mesmo em países tradicionalmente mais igualitários, como Alemanha, Suécia e Dinamarca. Com algumas poucas exceções – França, Japão, Espanha – os 10% mais ricos, na maior parte das economias avançadas, dispararam, enquanto os 10% mais pobres ficaram para trás.

Mas a tendência não foi universal, nem inevitável. Nestes mesmos anos, países como Chile, México, Grécia, Turquia e Hungria conseguiram reduzir de modo significativo as desigualdades de renda (em aluns casos, muito altas). Isso sugere que a desigualdade é um produto da política, e não apenas de forças macroeconômicas. Não tem amparo nos fatos a ideia de que a desigualdade é um subproduto inevitável da globalização, do livre movimento de trabalho, capital, bens e serviços, ou das mudanças tecnológicas que favorecem os assalariados melhor formados ou capacitados.

Entre as economias avançadas, os EUA têm algumas das piores disparidades de renda e oportunidades, com consequências macroeconômicas devastadoras. O Produto Interno Bruto (PIB) do país mais que quadruplicou, nos últimos quarenta anos, e quase dobrou nos últimos 25, mas, como se sabe agora, os benefícios concentraram-se no topo – e, cada vez mais, no topo do topo.

No ano passado, o 1% dos norte-americanos mais ricos apoderou-se de 22% da renda da país. O 0,1% mais rico, sozinho, abocanhou 11%. E 95% de todos os ganhos de renda desde 2009 foram para o 1% mais rico. Estatísticas recentes demonstram que a renda mediana nos EUA não cresceu em quase um quarto do século. O homem norte-americano típico ganha menos do que ganhava há 45 anos, se considerada a inflação; homens que terminaram o ensino médio mas não completaram quatro anos de ensino superior recebem quase 40% menos do que há quatro décadas.

A desigualdade norte-americana começou a crescer há trinta anos, impulsionada por reduções de impostos para os ricos e relaxamento das regulamentações do mercado financeiro. Não é coincidência. O fenômeno foi agravado devido a investimentos insuficientes em infraestrutura, educação e saúde, e em redes de seguridade social. O aumento da desigualdade avança em espiral, ao corroer o sistema político e a governança democrática.

E a Europa parece ansiosa para seguir o mau exemplo dos EUA. A adesão a políticas de “austeridade”, da Grã-Bretanha à Alemanha, está conduzindo a desemprego alto, salários em queda e desigualdade crescente. Governantes como Angela Merkel, a chanceler alemã reeleita, e Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu, argumentam que os problemas europeus resultam de dispêndios exagerados com o estado de bem-estar social. Mas esta linha de raciocínio apenas mergulhou o continente em recessão (ou mesmo depressão). O fato de o processo ter atingido o fundo do poço (a recessão “oficial” pode ter terminado) oferece pouco conforto para os 27 milhões de desempregados na União Europeia. Em ambos os lados do Atlântico Norte, os fanáticos da “austeridade” dizem: “vamos em frente; são pílulas amargas de que precisamos para alcançar a prosperidade”. Mas prosperidade para quem?

A financeirização excessiva – que ajuda a explicar a condição britânica de segundo país mais desigual (depois dos EUA), entre as economias avançadas – também permite compreender os mecanismos da desigualdade. Em muitos países, controles débeis sobre as empresas e coesão social erodida produziram abismos crescentes entre os rendimentos dos executivos-chefes e dos trabalhadores comuns. Ainda não se chegou ao nível de 500 x 1, das maiores corporações norte-americanas (segundo estatísticas da Organização Internacional do Trabalho), mas a níveis bem mais alto que os de antes da recessão. O Japão, que reduziu os salários dos executivos, é uma exceção notável. As inovações norte-americanas em rent-seeking – enriquecer não por meio de um aumento do tamanho do bolo, mas manipulando o sistema para abocanhar uma fatia maior – tornaram-se globais.

A globalização assimétrica produziu efeitos em todo o mundo. A mobilidade do capital obrigou os trabalhadores a fazer concessões salariais, e os governos a oferecer benefícios fiscais. O resultado é uma corrida para baixo. Os salários e condições de trabalho estão sob ameaça. Empresas pioneiras, como a Apple, cuja atividade baseia-se em grandes avanços científicos e tecnológicos (muitos dos quais, financiados pelos governos) também mostraram grande destreza em evitar impostos. Apropriam-se do esforço coletivo, mas não dão nada em retorno.

A desigualdade e pobreza entre as crianças é um desastre moral mais chocante. Elas desmentem as hipóteses da direita, segundo as quais a pobreza resulta de preguiça e escolhas erradas: as crianças não podem escolher seus pais. Nos EUA, uma em cada quatro crianças vive na pobreza; na Espanha e Grécia, uma em cada seis; na Austrália, Grã-Bretanha e Canadá, mais de uma em cada dez. Nada disso é inevitável. Alguns países optaram por criar economias menos desiguais: a Coreia do Sul, onde há meio século apenas uma em cada dez pessoas chegava à universidade, tem hoje um dos índices mais altos de acesso ao ensino superior.

Por todas estas razões, penso que estamos caminhando para um mundo dividido não apenas entre os que têm e os que não têm. Alguns países terão sucesso ao criar prosperidade compartilhada – a única que, a meu ver, é verdadeiramente sustentável. Outros, deixaram a desigualdade correr solta. Nestas sociedades divididas, os ricos irão se encastelar em bairros murados, quase completamente separados dos pobres, cujas vidas serão quase insondáveis para eles – e vice-versa. Visitei sociedades que parecem ter escolhido este padrão. Não são lugares em que a maior parte de nós gostaria de viver – seja nos enclaves enclausurados, seja nas favelas em desespero.

O Descaso do governo brasileiro para com nossos índios

Matxa, líder do clã e cega, guarda o que resta da tradição cultural dos avá-canoeiros. Apesar de recursos milionários, Funai não conseguiu melhorar as condições de vida dos últimos representantes dos avás-canoeiros – André Coelho

Esperança volta com bebê avá-canoeiro.

Paxeo é o 7º integrante de grupo que já teve 2 mil índios, foi removido por hidrelétrica e hoje vive quase na miséria.

Minaçu (GO) – Os olhos apertados e amendoados de Paxeo, de 1 ano, refletem o resquício de uma etnia que já foi composta por mais de duas mil almas, no cerrado brasileiro, onde era conhecida como “a tribo invisível”, por sua capacidade de se esconder nas árvores. Já os olhos de Matxa, de 73 anos, a matriarca da aldeia, não podem mais ver esse sopro de esperança de perpetuação da comunidade que salvou do extermínio. Mas, mesmo que não estivesse cega por um glaucoma que resistiu a duas operações, sua percepção da vida permaneceria turva pela situação de miséria e impotência de sua aldeia nos últimos 20 anos, cerceada pela burocracia e lentidão da máquina pública, que deveria tornar viável a expansão daqueles sobreviventes, não só física, mas também cultural.

Desde 1992, os avás-canoeiros ficaram reduzidos a seis pessoas em uma reserva entre Minaçu e Colinas do Sul (GO) — outros dez avás perderam sua identidade cultural vivendo com caiapós e javaés na Ilha do Bananal (TO). Os índios goianos foram realocados pela construção da usina hidrelétrica de Serra da Mesa, em 1996, quando pareciam fadados ao desaparecimento, até que — com auxílio de programas específicos dos empreendedores da usina, Furnas e CPFL — Niwatima, de 24 anos, conheceu e se casou com o índio tapirapé Kapitomy’i, de 26 anos, relação da qual nasceu Avá-canoeiro Paxeo Tapirapé, em 28 de janeiro de 2012. Continue lendo

A fome: desafio ético e político ~ Leonardo Boff

Por causa da retração econômica provocada pela atual crise financeira, o número de famintos, segundo a FAO, saltou de 860 milhões para um bilhão e duzentos milhões. Tal fato perverso impõe um desafio ético e político. Como atender as necessidades vitais destes milhões e milhões?

[Adital, 29 out 12] Historicamente este desafio sempre foi grande, pois a necessidade de satisfazer demandas por alimento nunca pôde ser plenamente atendida, seja por razões de clima, de fertilidade dos solos ou de desorganização social. À exceção da primeira fase do paleolítico quando havia pouca população e superabundância de meios de vida, sempre houve fome na história. A distribuição dos alimentos foi quase sempre desigual. Continue lendo

Fora do radar do governo, País tem 700 mil famílias em ‘extrema pobreza’

Pente-fino promovido pelo ministério mostra que estatísticas oficiais ignoravam legião de miseráveis, que ficaram descobertas até pelos programas sociais incrementados na gestão do ex-presidente Lula.

[Roldão Arruda, O Estado de SP, 27 mai 12] Um ano atrás, o governo federal pôs em andamento uma operação para localizar os chamados miseráveis invisíveis do Brasil – aquelas famílias que, embora extremamente pobres, não estão sob o abrigo de programas sociais e de transferência de renda, como o Bolsa Família. Na época, baseado em dados do IBGE, o Ministério do Desenvolvimento Social estabeleceu como meta encontrar e cadastrar 800 mil famílias até 2013. Na semana passada, porém, chegou à mesa da ministra Tereza Campello, em Brasília, um número bem acima do esperado: só no primeiro ano de busca foram localizadas 700 mil famílias em situação de extrema pobreza e invisíveis. Continue lendo

Brasil é segundo país mais desigual do G20, aponta estudo

O Brasil é o segundo país com maior desigualdade do G20, de acordo com um estudo realizado nos países que compõem o grupo.

[BBC Brasil, 19 jan 12] De acordo com a pesquisa Deixados para trás pelo G20?, realizada pela Oxfam – entidade de combate à pobreza e a injustiça social presente em 92 países -, apenas a África do Sul fica atrás do Brasil em termos de desigualdade.

Como base de comparação, a pesquisa também examina a participação na renda nacional dos 10% mais pobres da população de outro subgrupo de 12 países, de acordo com dados do Banco Mundial. Neste quesito, o Brasil apresenta o pior desempenho de todos, com a África do Sul logo acima.

A pesquisa afirma que os países mais desiguais do G20 são economias emergentes. Além de Brasil e África do Sul, México, Rússia, Argentina, China e Turquia têm os piores resultados. Continue lendo

Ipea diz que 6,3 milhões deixaram pobreza de 2004 a 2009

[João C Magalhães, Folha SP, 15 set 11] Cerca de 6,3 milhões de pessoas deixaram a pobreza extrema no país entre 2004, quando o Bolsa Família foi criado, e 2009, indica um comunicado apresentado nesta quinta-feira pelo Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas).

[O estudo “Mudanças recentes na pobreza brasileira” Clique para abrir documento PDF]

Em 2004, eram 15 milhões de brasileiros na miséria –quem ganha R$ 67 mensais ou menos, de acordo com o critério adotado. Em 2009, o dado baixou para a 8,7 milhões.

A conclusão do comunicado de hoje, com base em dados do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 2009, corrobora a tendência verificada em outros estudos do Ipea, ligado à Presidência.

No ano passado, por exemplo, o instituto já havia dito que, entre 1995 e 2008, 12,1 milhões de pessoas haviam deixado de ser miseráveis. O dado foi lançado durante o processo eleitoral que elegeu a presidente Dilma Rousseff.

No período analisado agora, aproximadamente 10 milhões deixaram de ser pobres (quem ganha de R$ 67 a R$ 134), 1 milhão saiu da situação de vulnerabilidade (com ganhos mensais entre R$ 134 e R$ 465) e o número de não pobres (R$ 465 ou mais) subiu de 51 milhões para 78 milhões de pessoas, segundo o estudo.

A renda média cresceu 28%: de R$ 495,1 para 634,6. O índice de Gini, um índice matemático para medir a desigualdade, caiu 6%.

Apesar de usar como data inicial o ano em que o Bolsa Família nasceu, os técnicos do Ipea não creditam ao programa a maior influência na melhoria de renda do brasileiro, mas ao aquecimento geral da economia e ao aumento real do salário mínimo –que não influencia diretamente o Bolsa.

“Não obstante a importância da política social, sem o crescimento e a geração recorde de empregos formais o aumento real do salário mínimo teria menos efeitos distributivos”, diz o comunicado. Continue lendo

‘Miseráveis entre miseráveis’, mais de 10 milhões vivem com R$ 39

[Luciana N Leal, Estadão 18 jun 11] Dados do Censo de 2010 que balizaram ações do Brasil sem Miséria, principal programa social da gestão Dilma, detalham onde vivem 8,5% dos brasileiros com renda familiar de até R$ 70

Uma população estimada em 10,5 milhões de brasileiros – equivalente ao Estado do Paraná – vive em domicílios com renda familiar de até R$ 39 mensais por pessoa. São os mais miseráveis entre 16,267 milhões de miseráveis – quase a população do Chile – contabilizados pelo governo federal na elaboração do programa Brasil sem Miséria.

Lançado no dia 3 de maio como principal vitrine política do governo Dilma Rousseff, o programa visa à erradicação da miséria ao longo de quatro anos.

Dados do Censo 2010 recém-divulgados pelo IBGE que municiaram a formatação do programa federal oferecem uma radiografia detalhada da população que vive abaixo da linha de pobreza extrema, ou seja, com renda familiar de até R$ 70 mensais por pessoa – que representam 8,5% dos 190 milhões de brasileiros. Continue lendo

Ainda uma Belíndia: Economia em alta não foi suficiente para país superar desigualdade regional

[Sílvio Ribas, Larissa Garcia, Correio Braziliense, 12 jun 11] A estabilidade econômica, o forte crescimento dos últimos anos e a transferência de renda conjugada com a valorização do salário mínimo não foram suficientes para que o país superasse a sua profunda e histórica desigualdade regional. Ao longo da última década, as diferenças apenas ganharam novos formatos. Em estados riquíssimos como São Paulo, focos de miséria saltam aos olhos. Enquanto o Distrito Federal registra a maior renda per capita do Brasil, no seu entorno, o indicador representa apenas um quarto da média nacional. No Pará, há uma série de municípios em que o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu no mesmo período em que o Brasil ganhava musculatura para se transformar na quinta maior economia do mundo. Não à toa, a nação que hoje desperta apetite do capital estrangeiro ainda mantém a feição de Belíndia, conceito criado em 1974 pelo economista Edmar Bacha para ilustrar o modelo econômico que unia a riqueza da pequena Bélgica com a pobreza da continental Índia.

As discrepâncias foram desnudadas pelo Mapa da Distribuição Espacial da Renda no Brasil, estudo elaborado pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon), ao qual o Correio teve acesso com exclusividade. Feito em 220 áreas de todo o país, com base em dados de 2008, o levantamento mostra que a divisão entre Sudeste e Sul ricos e Norte e Nordeste pobres é imprecisa. Muito além desses extremos, existem ilhas de prosperidade em estados menos desenvolvidos, como pequenas cidades embaladas pelo agronegócio e mineração, e recantos de extrema pobreza no interior de regiões industrializadas. Continue lendo