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Finado, mas não confinado!

 

“Ora, se o único lar que pelo qual espero é a sepultura,

se estendo minha cama nas trevas, se digo à corrupção mortal:

você é meu pai, e se aos vermes digo: vocês são meus irmãos…

Onde está então minha esperança?

Quem poderá ver alguma esperança para mim?

Descerá ela às portas do abismo? Desceremos juntos ao pó?” ~  Jó 17.13-16 Continue lendo

Canto do Exílio ~ por José Roberto Prado

Há algumas horas voltei de um encontro.
Atravessei a cidade.
Retornei ao lugar em que cresci, casei, vi meus filhos chegarem…

No encontro conversamos sobre a ‘síndrome do exílio’,
essa estranha impressão que, sem pedir licença,
invade nosso peito e tenta convencer-nos de que ‘não somos daqui’,
que precisamos sempre de ‘um algo mais’.
Essa ‘incompletude’ insistente argumenta que é preciso voltar.
Mas, voltar pra onde…
Se o que sinto é uma saudade de um lugar que não conheço?!

Solidão.

Durante nossa conversa, percebi que todos nós, nascidos ‘fora do jardim’, ansiamos por um reencontro.
Ficou latente que nossa busca mais radical não é por um lugar, uma terra ou uma casa no campo.
Temos sede é de ‘humanidade’, de comunidade, de intimidade,
de justiça, de paz, de amizade,
de perdão. Continue lendo

O Pai José ~ por José Roberto Prado

Por uma série de razões culturais e religiosas, muito já foi escrito e reverberado acerca de Maria, mãe de Jesus de Nazaré. Por outro lado, é digno de nota e até mesmo constrangedor observar o silêncio histórico acerca daquele que desempenhou o papel de “pai”: José. Sejamos coerentes; busquemos justiça: a história de Jesus não foi escrita somente pelas mãos do Espírito Santo e de Maria.

Houve um homem presente, um pai humano, que abraçou, acolheu, ensinou. Sua presença é discreta no relato dos Evangelhos, é verdade, mas nem por isso deixou de ter impacto na vida do filho. José compreendeu tão bem e foi tão pleno em desenvolver o papel que recebera de Deus que, deixando as luzes brilharem sobre o personagem principal – o Filho – engrandeceu e honrou a autor da vida e da História.

José adotou. Abençoou. Protegeu. Amou.

Por isso quero falar de José, o pai José.

Em primeiro lugar, verdadeiros pais são, também, maridos de verdade.

Honram, protegem, amam, respeitam…

Poderia passar despercebido, mas as Escrituras registram. Mateus diz que José “não querendo expô-la (Maria) à desonra pública, pretendia anular o casamento”. Ele pensou primeiro na reputação dela, ao invés do que os outros iriam falar dele!

É na vida compartilhada do casal, onde o bem estar da esposa tem prioridade, que os futuros pais aprendem (ou não) a amar. Semeado na noite e regado durante o dia, este amor ágape floresce no trato cotidiano da esposa e frutifica na saúde emocional e espiritual dos filhos. Antes de sermos pais abençoadores, precisamos aprender a ser maridos acolhedores.

É por isso que, no plano sábio e perfeito de Deus, filhos vêm depois do casamento.

José amou Maria com amor ágape. O amor que procede de Deus e que “tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Co 13.7). Demonstrou esse tipo de amor quando aceitou a noiva grávida que Deus lhe havia dado.

José foi cuidadosamente escolhido por Deus para acolher Maria.

José, filho de Eli (Lc 3.23), descendente de Davi, de Nazaré, o carpinteiro, pai adotivo de Jesus, é descrito como um homem justo (Mt 1.19).

Na linguagem bíblica, “justo” é alguém que anda retamente diante de Deus, que procura honrar o Senhor em todas as áreas da vida. Noé foi o primeiro a ser chamado justo. Ele era “justo e íntegro em seus caminhos; ele andava com Deus” (Gn 6.9).

Em outras palavras: quem seguisse suas pegadas encontraria Deus. Assim era José. Ele era íntegro, “justo” em seu coração, em sua intimidade. Nela, cultivava a Lei de Deus, o caráter, o amor e a graça do amoroso Pai.

Esta influência abençoadora e formadora de José na vida de Jesus pode ser vista no fato de que este, no início do seu ministério, quando retorna à cidade onde crescera – Nazaré, na Galiléia – é chamado de “o carpinteiro” (Mc 6.3), mesma profissão de seu pai, José (Mt 13.55).

Os estudiosos entendem que, em algum momento da vida de Jesus, entre a juventude e o início de seu ministério, aos trinta anos, seu pai José faleceu. Isto explica sua ausência nos relatos dos Evangelhos que focam essencialmente a vida adulta de Jesus.

Contudo, José conviveu tempo suficiente para moldar o caráter do filho e deixar-lhe de herança uma profissão e, mais importante ainda, um nome honrado.

José foi cuidadosamente escolhido por Deus para adotar Jesus.

Nós, homens modernos, céticos, tecnológicos, racionais, precisamos aprender com José a criar nossos filhos nos sábios, belos e muitas vezes inescrutáveis caminhos de Deus. Precisamos aprender a ser sensíveis à voz de Deus, discernindo os seus propósitos. Precisamos estar abertos e conscientes dos inexplicáveis e surpreendentes caminhos da graça de Deus na vida dos nossos filhos. Cabe a nós, como pais, orar para que estes sobrenaturais e maravilhosos caminhos de Deus possam ser encontrados pelos nossos filhos. Que a graça os alcance, encontrando seus corações, assim como nós fomos encontrados.

Existe um “eis-me aqui” silencioso na atitude de José. 

Temos poucas palavras dele registradas, mas suas ações falam alto, muito alto.

José tornou-se protagonista desta história. Adotou o menino. Encarou a tarefa. Não se ausentou. Não se escondeu. Posso ouvir José orando: “Se este que foi gerado é teu, Senhor, farei de tudo para estar à altura desta responsabilidade. Empenhar-me-ei para que a tua glória seja vista em sua vida. Conta comigo, Senhor”.

José fez do seu filho sua missão.

É preciso que se diga também que “justo” não significa, como pode erroneamente parecer, insensível ou turrão.

Na vida de Deus, assim como na vida de gente de Deus, a justiça não ofusca ou impede o amor e a misericórdia. Em José tampouco. A Bíblia afirma que Deus é fiel e justo, e que perdoa nossos pecados (1Jo 1.9).

Nós, pais brasileiros, que temos dificuldade de conciliar justiça e graça, disciplina e perdão, limites e liberdade, correção e comunhão, precisamos aprender de Deus. Precisamos aprender de José.

Como José, verdadeiros pais adotam.

Acolhem, cuidam e entregam. Sabem que os filhos não são seus. Na linguagem do Salmista, filhos “são herança do Senhor”, isto é, “herança que pertence ao Senhor”! São presentes que desfrutamos com prazo pré-estabelecido. Dádivas que, de tão sagradas, não podemos tomar posse. Dons em forma de gente, que um dia crescem… e se vão!

Nosso papel como pais adotivos é, neste curto espaço de tempo que os temos sob o nosso teto, ensinar-lhes a caminhar com o Pai de amor.

Deus é Pai, o verdadeiro Pai.

Com José, nós pais, aprendemos que nossa vocação suprema é devolvermos nossos filhos a Deus.

Somos mordomos. Aios.

Pais adotivos.

Como José.

Como Deus.

Um Dia de Pranto ~ por José Roberto Prado

Esta semana (quarta-feira, 01 junho 2011), infelizmente, o Ibama concedeu a controversa licença para o início das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará.

Mais uma vez os que governam nossa nação optaram por favorecer um modelo de desenvolvimento caduco, que privilegia interesses econômico-financeiros a um altíssimo custo humano, cultural e ambiental.

A vida perde. O Brasil perde. Os povos indígenas do Xingu perdem.

Todos nós perdemos.

Sim, estou consciente de que uns poucos ganham… e ganham muito. Mas não é sobre isto que escrevo.

Escrevo por perceber que um pouco de nós morreu nestes últimos dias.

Estou de luto. Continue lendo

Natal: Deus se faz Poeta! ~ por José Roberto Prado

Poetas são artesãos da palavra. Como nas outras artes, o artista parte do desejo de expressar-se e de sua imaginação. Com o que tem às mãos – o comum, o simples – maneja com habilidade (do Latim “ars”) até transformar em algo sublime, admirável, belo.

De todas as matérias primas, a palavra é, por excelência, a mais rica e misteriosa condutora de pensamentos e sentimentos.

A capacidade humana de verbalizar, junto com a consciência, é o que nos distingue dos animais e nos torna imagem e semelhança do Criador. Foi Ele, na eternidade, que primeiro expressou-se por palavras.

A poesia é divina.

Divina, compartilhada, mas não espontânea. Não basta juntar aleatoriamente palavras numa frase. É preciso trabalhar arduamente até que as palavras sejam capazes de expressar com lógica e beleza os mais profundos sentimentos. Todo artista imprime a si mesmo em sua obra. A arte é a forma mais elevada de comunicar quem somos. Continue lendo

O Deus que nos levanta ~ por José Roberto Prado

A reação natural de um pai ao ver seu pequeno filho caído é estender a mão para levantá-lo.

A omissão, neste caso, seria sinal de desequilíbrio mental, alienação ou desamor.

Jesus argumenta: Se vocês que são maus sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai celestial? (Mt 7.11).

Por que então, tantos de nós rejeitamos a mão estendida de Deus?

Por que insistimos em ficar caídos, rastejando pela vida, comendo o pão amassado pelo Diabo, sofrendo nas mãos de nossa própria consciência, ao invés de voltar-nos à Deus?

Uma das razões, talvez a mais grave, seja o fato de que não queremos reconhecer que estamos caídos.

Não queremos dar o braço a torcer.

Não nos agrada a idéia de estarmos errados.

Em outras palavras… Nosso orgulho nos afasta de Deus e, ao contrário do que possa parecer, nos impede de andar de cabeça erguida. Continue lendo

Fica Firme, Zorô! ~ por José Roberto Prado

Todos queremos fazer diferença. Deixar nossa marca, ainda que pequena, na história e na vida de outras pessoas. Fomos criados com este “senso de realização”, faz parte da ‘Imago Dei’ que carregamos.

Fomos pragramados para nos completarmos quando nos relacionamos construtivamente. Um amigo já disse: “Pessoas precisam de Deus; Pessoas precisam de pessoas”. Como isso é verdade!

Nós que nascemos “do alto” (Jo.3:3) encontramos realização quando, movidos pelo amor do Pai e das otras pessoas, imprimimos a marca Dele (abençoamos) – não a nossa – na vida dos que nos rodeiam.

A indiferença, o egoísmo e a desequilibrada busca de auto-satisfação, tão comum no nosso mundo consumista-individualista, não representam a normalidade para a qual fomos criados. É enfermidade, e das bravas. Na nova vida que recebemos de Deus com o novo nascimento, normal é vivermos em mutualidade e nos realizarmos uns com os outros. Continue lendo

Apartheid Espiritual, a Nossa Miséria ~ por José Roberto Prado

“APARTHEID” é uma palavra Africâner — idioma derivado do Holandês, falado na África do Sul — que significa “separação”.

Foi usada para descrever o regime de segregação racial praticado naquele país pela minoria branca sobre a grande maioria não branca, de 1948 até 1995.

Sob este regime, a lei determinava onde cada grupo deveria morar, que tipo de trabalho poderiam se dedicar e qual educação receberiam.

A África está sofrendo de uma praga mortal.

Enquanto nos prósperos países ocidentais se gastam bilhões em busca da cura da calvície ou da obesidade, na África, a malária, cólera e tuberculose ainda matam milhões.

A AIDS, por si só, ceifará a vida de uma geração inteira em vários países. Mas não é sobre esta tão divulgada miséria africana que escrevo.

É sobre a nossa miséria, a praga mortal que nos envenena, chamada “segregação”. Continue lendo

Crônica de uma tempestade ~ por José Roberto Prado

Havia sido um longo dia. Acalmar e organizar a multidão, ouvir os apelos das pessoas que buscavam por cura, libertação e conselho não foi fácil. Eram mais de cinco mil, de várias localidades. O Mestre, como sempre, tranqüilo. Perguntávamos uns aos outros de onde ele tirava tanta paciência para tratar com gente tão sofrida, tão complicada. Nada parecia lhe incomodar! Nem o calor, nem os gritos das crianças, o murmúrio impaciente dos doentes. Atendia a todos. Um a um!

A tarde chegou e com ela a fome. Não havia cidade por perto e o povo também não levou lanche. O que será que pensaram? Somente um garotinho fora prevenido. Parece que era um gordinho… (Desses que sempre tem um lanchinho escondido para as emergências…). Mas como alimentar a multidão? Melhor despedi-la, pensamos nós. O Mestre, pra variar, nos colocou numa sinuca: Alimentem-lhes! Continue lendo

Vivendo no Hiato ~ por José Roberto Prado

Segundo o dicionário, hiato é uma fenda, um intervalo, uma lacuna. Uma espécie de espaço-tempo onde o que existe é o vazio, onde reina o caos. Sua principal característica é a ausência, a falta de algo e não um conteúdo.

Para muitos, a vida parece estar presa a um hiato. Como um buraco-negro existencial, deslizamos entre dias rotineiros, casamentos falidos, agendas ocupadas, contas a pagar e fotografias sorridentes na coluna social. Todos os nossos dias sem sabor, vividos no hiato… Sem sentido.

Esta percepção incômoda zomba de nós com sua gargalhada insolente especialmente quando algo de ruim, de extraordinário, chega até nós. Basta um telefonema, um diagnóstico, e lá vamos nós. Como a barragem trincada de uma represa, nossos piores temores brotam do interior de nossas almas com uma força que desconhecíamos. Os dias ficam cinzentos, as noites mais longas, o apetite se vai e o copo não se esvazia.

A vida no hiato é capaz de provar por “a + b” que os muros dos condomínios, com suas cercas elétricas e vigilância monitorada, não conseguem impedir a entrada do sofrimento em nossas casas. Planos de saúde não são capazes de barrar os vírus, bactérias e células cancerígenas. Religiosidade sincera, velas acesas, promessas, figas e pés-de-coelho não impedem que sejamos vítimas de seqüestros-relâmpago, assaltos à mão armada, arrastões, balas perdidas. Continue lendo

Uvas e pães & Pérolas e pedras ~ Por José Roberto Prado

A espiritualidade cristã me convida a ser uva, não pérola; pão, não pedra.

Pérolas e pedras, por mais belas, por mais preciosas que sejam, são estéreis. Estéril, na biologia, é a vida incapaz de reproduzir vida. Na natureza, é o lago que, por não receber água nova e não escoar água velha, torna-se morto. Faz mal. Fede.

Quem crer em mim, do seu interior fluirão rios de água viva…

Uvas e pães, se não esmagados e partidos, também são estéreis.

O que é uma uva ou um pão que não é deglutido? Um pouco melhor do que um quadro de ‘natureza morta’, um vaso com flores de plástico numa mesa de jantar… Estéril.

Na espiritualidade cristã, como na natureza, há uma dinâmica misteriosa: morte gera vida, noite antecede o dia, inverno antecede primavera. Cruz antecede ressurreição. Sofrimento antecede glória. Continue lendo

Deus ainda não está morto ~ por José Roberto Prado

Vitezslav Gardavsky, filósofo e mártir checo falecido em 1978, em seu livro “God is not yet dead” (Deus ainda não está morto), escreve: “A terrível ameaça contra a vida não é a morte, ou a dor, nem qualquer variedade de desastres contra os quais nós, tão obsessivamente, procuramos nos proteger com nossos sistemas sociais e estratagemas pessoais. A grande ameaça é ‘morrermos antes de realmente morrer’, antes que a morte se torne uma necessidade natural. O verdadeiro horror repousa exatamente sobre esta morte prematura, após a qual continuamos a viver por muitos anos”.

Estas palavras nos alertam para algo terrível que, não somente ameaça a sociedade como nós a conhecemos, mas também, e principalmente, é responsável por muita dor e angústia na nossa alma, nas nossas famílias. Estamos falando do número cada vez maior de pessoas que “morrem antes de realmente morrer”. Desistem de sonhar, de lutar, de ter esperança. Continue lendo