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Com reforço de fronteiras na Europa, imigrantes optam por ‘rotas da morte’

mediterranean_migration_routesCom o reforço da segurança nas fronteiras em toda a Europa e nos Estados Unidos, imigrantes ilegais são cada vez mais obrigados a optar por rotas perigosas para chegar aos seus destinos, aumentando o número de vítimas fatais nessas jornadas.

[Daniela Fernandes, BBC Brasil, 25 nov 2013] Segundo dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM), já chega a 900 o número de mortos só na travessia do mar Mediterrâneo, rota usada por imigrantes ilegais africanos que tentam chegar às ilhas de Lampedusa, Sicília e Malta, no sul da Europa.

O número é quase o dobro do registrado em 2012 e o triplo de dez anos atrás.

“O número de mortes vem crescendo porque as fronteiras europeias são cada vez mais vigiadas”, disse à BBC Brasil Jumbe Omari Jumbe, porta-voz da OIM.

“Há cada vez menos opções para entrar na Europa. Isso leva as pessoas a utilizar alternativas cada vez mais desesperadas e perigosas”.

Outra rota amplamente utilizada por imigrantes clandestinos é a da fronteira entre México e Estados Unidos, onde morreram 463 pessoas no ano passado, o maior número desde 2005. Neste ano, apenas em um ponto da fronteira, na região do rio Grande, 70 pessoas perderam a vida.

A travessia via Golfo de Áden, entre a África e o Iêmen e a Arábia Saudita, também é apontada pela OIM como uma rota migratória bastante perigosa. Não há números oficiais, mas as estimativas apontam para entre 100 e 200 mortes anuais nesta rota.

Sírios

O número de imigrantes africanos que tentam entrar na Europa tem se mantido estável de 2007 a 2012, em torno de 20 mil a 30 mil por ano – exceto 2011, quando o conflito da Líbia elevou o número para 63 mil.

A maioria desses imigrantes vem da África subsaariana, de países como Eritreia, Somália, Etiópia, mas também do Sudão, Mali e Gana, além de refugiados de países árabes em conflito.

Neste ano de 2013, o número dos que tentaram a travessia já tinha chegado a 30 mil no início de novembro, graças, em parte, ao número de sírios fugindo do conflito em seu país e que se juntaram aos imigrantes africanos. Estima-se em 8 mil o número de imigrantes sírios que tentaram a travessia do Mediterrâneo neste ano.

Os perigos dessas jornadas vieram à tona mais uma vez com duas tragédias em outubro. Na primeira, um barco com 500 imigrantes africanos naufragou próximo à Lampedusa, causando 360 mortes.

Na segunda, poucos dias depois, outra embarcação também a caminho de Lampedusa, com cerca de 230 passageiros, afundou ao sul de Malta, provocando 87 mortes.

Os dados causam preocupação, pois, apesar de o número de imigrantes em trânsito ser relativamente estável, o total de mortes está aumentando.

“O número de mortes vem crescendo porque as fronteiras europeias são cada vez mais vigiadas”, disse Jumbe Omari Jumbe, porta-voz da OIM. “Há cada vez menos opções para entrar na Europa. Isso leva as pessoas a utilizar alternativas cada vez mais desesperadas e perigosas”.

“As fronteiras terrestres foram reforçadas e o Mediterrâneo se tornou praticamente a única alternativa para entrar na Europa”, diz Jumbe, porta-voz da OIM. “No passado, havia várias outras opções, incluindo a Grécia, a Bulgaria e também por avião”.

O exemplo mais recente do reforço das fronteiras terrestres na Europa para impedir a entrada de imigrantes é a decisão da Bulgária de iniciar a construção de um muro de 30 quilômetros (e 3 metros de altura) em sua fronteira com a Turquia.

Esse será o terceiro muro na Europa a obstruir o acesso de imigrantes, após o dos enclaves espanhóis de Celta e Melila, no Marrocos, em 1998, e o construído pela Grécia, de 12,5 quilômetros, também na fronteira com a Turquia, finalizado no ano passado.

O porta-voz da OIM afirma ainda que o número de mortes de imigrantes que atravessam o Mediterrâneo para entrar na Europa vem crescendo desde a criação da Agência Europeia para a Gestão da Cooperação Operacional às Fronteiras Externas (Frontex), que acabou reforçando o controle nas fronteiras europeias.

Segundo dados do OIM, no ano da criação do Frontex, em 2004, foram registradas 296 mortes na rota do Mediterrâneo entre a África e as ilhas de Lampedusa, Sicília e Malta.

Em 2008, esse número havia saltado para 682, mas caiu para 431 em 2009, mesmo assim isso representa um aumento de 45% em relação a 2004.

Números globais

A OIM calcula que 20 mil pessoas morreram desde 1988 na travessia do Mediterrâneo entre a África e o sul da Europa em geral, o que representa uma média de 800 pessoas por ano.

A OIM ressalta que as estatísticas de mortes na rota entre a África e Lampedusa, Sícilia ou Malta, via mar Mediterrâneo, são consideradas, desde 2005, as mais realistas na comparação com rotas migratórias de outras regiões do mundo, onde os dados podem ser subestimados.

Por esse motivo, não há números globais de mortes em rotas migratórias.

A Austrália, que recebeu nos últimos anos milhares de refugiados do Afeganistão e Iraque, também possui números considerados mais precisos: 1.484 imigrantes morreram afogados tentando entrar no país nos últimos 13 anos (incluindo os corpos não encontrados), o que dá uma média de 114 pessoas por ano.

O total de mortes na rota México-Estados Unidos vêm crescendo pela mesma razão observada na Europa: reforço cada vez maior da segurança nas fronteiras, o que leva as pessoas a utilizarem caminhos cada vez mais “isolados, traiçoeiros e perigosos”, diz a ONG de direitos humanos Wola.

Para especialistas e ONGS, o controle maior das fronteiras dos países ricos também têm feito com que imigrantes caiam nas mãos de redes de tráfico humano.

Mortes de imigrantes na rota do Mediterrâneo entre a Africa e Lampedusa, Sicilia e Malta

2004 – 296 mortes
2008 – 682 mortes
2009 – 431 mortes
2012 – 500 mortes
2013 – 900 mortes

Fonte: OIM

Lampedusa, Eritreia e o silêncio do Ocidente

Would-be immigrants stand on the deck of a Coast Guard rescue vessel as they arrive in the harbour of the southern Italian island of Lampedusa

O mecanismo é, infelizmente, muito conhecido: os refletores acendem intermitentemente quando se trata dos diretos humanos em determinados países. Todavia, é melhor que se mantenham apagados e não chamem atenção quando os líderes são sócios comerciais ou aliados estratégicos.  Às vezes, é impossível não chamar atenção e, então, surge a indignação frente ao “Satanás” de plantão, que deve ser derrotado com uma guerra. A história contemporânea está repleta de exemplos: os aliados de ontem se convertem, não se sabe como, em adversários irredutíveis, como aconteceu com Saddam, Gaddafi e, agora, com Assad. Entre os que gozam de “um pouco da sombra” e do silêncio dos governos democráticos ocidentais está, por exemplo, o ditador eritreu Isaías Afewerki. Além disto, por detrás da fuga de migrantes da Europa, incluídos os que perderam a vida em Lampedusa, na semana passada, estão as terríveis condições de vida do povo eritreu. A maioria dos migrantes que perdeu a vida tentando chegar à costa siciliana provinha, justamente, da Eritreia.

[Andrea Tornielli, Vatican Insider, 8 out 2013; tradução do Cepat, publicado no IHU, 12 out 2013] O sítio web “Il Sismografo”, do qual se ocupam alguns jornalistas da Rádio Vaticana, como Luis Badilla, lembra – com um pouco de saudável realismo – o que está ocorrendo, isto é, a justa indignação frente ao enésimo massacre mediterrâneo, mas, ao mesmo tempo, diante de um silêncio ensurdecedor sobre as responsabilidades daqueles que matam de fome os povos de onde provêm estes migrantes.

“Nestes dias, em muitos lugares institucionais da Europa – escreveu Badilla – recorda-se das vítimas com ‘um minuto de silêncio’ (… talvez fosse apropriado somá-lo a muitos anos de silêncio). Seguirão falando sobre eles e isto é algo positivo, justo e necessário. Mas pouquíssimos até agora, ou melhor, quase ninguém, lembrou com a força e valentia que por detrás da palavra “Lampedusa” se esconde outra: “Eritreia”, um campo de concentração ao ar livre que existe há décadas… O ditador desta pequena nação do nordeste africano, Isaías Afewerki, encontra-se há 40 anos no poder (no qual se mantém através de todos os meios possíveis, principalmente através daqueles condenados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem): primeiro como líder absoluto e implacável da Frente de Libertação da Eritreia e depois, desde 1993, como chefe de Estado e de governo”.

“Mais de 5 milhões de eritreus são seus reféns – continua Badilla – e, muitas vezes, são também aqueles que conseguiram fugir e viver em outros países, mas para proteger seus familiares que ficaram em Eritreia devem pagar uma quantia aos agentes consulares de Afewerki. No entanto, este senhor (e seus colaboradores) é amigo de todos os governos democráticos mais importantes: Estado Unidos, Europa Ocidental e Centro Oriental, da África e Ásia. De acordo com as mesquinhas conveniências geopolíticas que encontram nele um aliado momentâneo. Todos calam. Nenhum dos governos do mundo condenaram o governo de Afewerki, após os trágicos acontecimentos de Lampedusa, como, ao contrário, fizeram com os governos de outros ditadores do passado, como Mubarak, Gaddafi ou Bel Alí, em circunstâncias semelhantes. Da capital eritreia, Asmara, não pronunciou nem sequer uma palavra de dor ou de pêsames pela morte de mais de 300 filhos desta terra, que buscavam um pouco de pão, teto e alfabetização, que, junto com a liberdade, Afewerki, nega sistematicamente desde 1993. Enquanto isso, representantes de Asmara, nestes dias após a tragédia de Lampedusa, são recebidos pelos municípios e distritos, italianos e europeus, como “hóspedes de honra”.

A Anistia Internacional descrevia, cinco anos atrás, a situação do país: “O governo proibiu os jornais independentes, os partidos de oposição, as organizações religiosas não registradas e, na verdade, qualquer atividade da sociedade civil. Cerca de 1.200 pessoas, que haviam feito pedidos de asilo para o Egito e para outros países, foram presos ao chegar a Eritreia. Da mesma forma, milhares, entre prisioneiros de consciência e presos políticos, têm permanecido durante anos encarcerados. As condições das prisões são péssimas. Os considerados dissidentes, desertores ou os que se negam a prestar o serviço militar obrigatório (ou outros que se atreveram a criticar o governo) têm sido submetidos, juntamente com suas famílias, a castigos e humilhações. O governo reagiu peremptoriamente contra qualquer crítica em matéria de direitos humanos”.

Uma “vergonha da vergonha” é a situação dos cristãos, que sofrem primeiro por serem eritreus e depois pela sua fé. A Santa Sé, para tentar proteger as populações, privilegia o caminho da prudência nas declarações públicas (com o mesmo realismo que se usava nos tempos do nazismo e dos regimes comunistas; atitude que, por vezes, tem sido considerada controversa). A tragédia de Lampedusa poderia converter-se em uma oportunidade para começar a abrir os olhos frente a esta realidade esquecida.