Nestes meses de março e abril de 2013 temos lido, ouvido e assistido a um episódio sem precedentes no Congresso Nacional, que coloca em evidência a relação religião-polÃtica-mÃdia. Em 5 de março foi anunciada pelo Partido Socialista Cristão (PSC), a indicação do membro de sua bancada o pastor evangélico deputado federal Marco Feliciano (SP) como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal (CDH). Foram imediatas as reações de grupos pela causa dos Direitos Humanos ao nome de Marco Feliciano, com a alegação de que o deputado era conhecido em espaços midiáticos por declarações discriminatórias em relação a pessoas negras e a homossexuais. O PSC se defendeu dizendo que seguiu um protocolo que lhe deu o direito de indicar a presidência dessa comissão, um processo que estava dentro dos trâmites da democracia tal como estabelecida no Parlamento brasileiro. Isto, certamente, é fonte de reflexões, em especial quanto ao porquê da defesa dos Direitos Humanos ser colocada pelos grandes partidos como “moeda de troca barata”, como bem expôs Renato Janine Ribeiro em artigo publicado no Observatório da Imprensa (n. 740, 2/4/2013). Soma-se a isto o fato de o deputado indicado e o seu partido não apresentarem qualquer histórico de envolvimento com a causa dos Direitos Humanos que os qualificassem para o posto. Continue lendo
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A utopia coletiva da carnavalização midiática da humanidade ~ Por LuÃs Eustáquio Soares
[Observatório da Imprensa, 27 de z 11] No livro O inconsciente polÃtico (1992), o crÃtico literário americano Frederic Jameson propôs uma metodologia interpretativa baseada numa dupla perspectiva, ao mesmo tempo opositiva e complementar: uma primeira inscrita na tradição analÃtica marxista, cujo pressuposto se inscreve na necessidade de uma prática crÃtica negativa ou da negatividade, sob o ponto de vista de que, num mundo de opressores e oprimidos, para citar o filósofo alemão Walter Benjamin, todo monumento de e à cultura é também um monumento de e à barbárie, porque, querendo ou não, foi produzido a partir do sofrimento, do desespero, do esquecimento, humilhação, abandono e mortes de milhares ou milhões de outros seres humanos; uma segunda perspectiva analÃtica que parte de um princÃpio oposto ao primeiro, porque compreende que, pela simples existência, todo e qualquer artefato cultural inscreve nele mesmo uma vontade utópica, por mÃnima que seja, de outro mundo.
O método interpretativo proposto por Jameson, portanto, está implicado com o jogo analÃtico entre negar, em retrospectiva; e afirmar, em perspectiva: negar o que coopta ou compartilha com o abandono dos desterrados da terra, desde antes até a atualidade; e destacar, por outro lado, as chispas utópicas que se inscrevem nos artefatos culturais, como afirmação de coletivas vidas futuras. Continue lendo
Jornalismo e estresse social ~ Francisco J C Karam
O ritmo da sociedade atual é refletido a cada dia no jornalismo. Há, no fundo, uma discussão de se o jornalismo e a mÃdia como um todo contribuem para tal ritmo ou se apenas refletem a pressa diária de parcela significativa da sociedade ocidental, industrial, contemporânea e capitalista.
[Francisco José Castilhos Karam, Observatório da Imprensa, 29 nov 11] O espaço de consumo, pelo qual a mÃdia deu e dá enorme contribuição ao fazer circular mensagens, produtos, informações e opiniões instantâneos, gera um ritmo intenso e praticamente estressante para o acompanhamento do noticiário e “daquilo que se passaâ€. O jornalismo fast food, bastante acusado de fazer fatos e opiniões perecerem sem serem digeridos ou contextualizados, não foge à regra geral da sociedade.
Da mesma forma, o crescimento de cesarianas, em lugar do parto normal, decorre da incapacidade e da falta de interesse em seguir os padrões mais recomendados para o nascimento, que leva certo número de horas. Ao invés de acompanhar sete ou oito horas um trabalho de parto, grande parte dos médicos decide que a cesárea pode ser mais “interessante†ou “necessáriaâ€. Assim, durante oito horas, um tempo razoável para um parto normal, podem fazer várias cesáreas e, ainda, dar consulta etc. Continue lendo
Empresa desenvolve filtro que evita sites religiosos
A empresa estadunidense GodBlock desenvolveu um filtro, de mesmo nome que, instalado em computadores, bloqueia a navegação por sÃtios de cunho religioso na internet.
A notÃcia é da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), 19-08-2010.
O filtro testa cada página acessada, antes que ela seja carregada no computador, verificando se nela existem passagens de textos sagrados, nomes de figuras religiosas ou outros indicativos de propaganda religiosa.
A GodBlock, que se apresenta como empresa sem fins lucrativos, oferece esse serviço a pais e escolas “que desejam proteger seus filhos de materiais muitas vezes violentos†e prejudiciais presentes em textos religiosos.
Na divulgação do produto, sÃtio web da GodBlock assinala que fundamentalismos de caráter evangélico, mórmons, batistas, muçulmanos e judeus têm impedido o progresso da ciência nos Estados Unidos.
A empresa entende que crianças não estão em condições de se decidir por esta ou aquela religião, e que, bem por isso, precisam ser protegidas, tarefa que cabe aos pais.
Fonte: IHU, 20 ago 2010
Democracia e educação ~ por JB Libanio
No final da década passada, The Economist encheu os olhos da vaidade brasileira, ao anunciar que o paÃs na atual década se tornaria a quinta potência mundial e a terceira em 2050. O peso da fama da revista tornou a ilusão ainda maior. Por que ouso falar de ilusão? Porque em uma década ou em várias décadas não se constrói uma grande potência sem educação.
Não precisamos povoar essa afirmação com multidão de números estatÃsticos. Esses, não raro, enganam-nos com a aparente neutralidade. A educação de um povo constata-se a olhos vistos. Basta não ser cego. Existem, sem dúvida, alguns grupos de elite. Mas o povo se alimenta da cultura de massa e esta se constrói, sobretudo, por obra dos meios de comunicação social. Aqui sofremos enormemente.
Enquanto a sociedade civil e o Estado não se unirem, em força única, para exigir dos programas de TV maior nÃvel cultural, que irradiem valores consistentes em vez de terrÃvel vulgaridade e banalidade, não há futuro para o Brasil. Haja vista os noticiários que gastam a maior parte do tempo em divulgar violências ou eventos triviais. Um tarado que assassina jovens depois de violentá-las interessa mais que todas as campanhas de solidariedade do mundo. A imagem que brota do ser humano das manchetes televisivas e de jornais favorece mais a desvalorização da vida que o respeito e a esperança no ser humano.
Os clássicos latinos tinham entendido que os relatos históricos cumpriam a função pedagógica de transmitir exemplos a serem imitados. Nesse sentido, CÃcero dizia que a história é a “mestra da vida” e os historiadores se detinham em contar a vida de “varões ilustres” e modelares. Em linguagem de hoje, o clássico romano diria que a TV e a grande imprensa existem para transmitir os valores éticos fundamentais para a convivência humana. Que decepção se se detivessem em frequentar a maioria dos programas que ressudam imediatismo, exterioridades, futilidades, intimidades expostas ao grande público!
A democracia se define pelo bem comum, pelo conviver entre as pessoas em vista da realização do “ser humano todo e de todo ser humano”. Imperam, no entanto, o individualismo, a lei da selva, a privatização do público e a publicização do privado. A confusão das duas esferas humanas mina a democracia. A cultura pós-moderna individualista tende a privatizar a esfera pública. A corrupção nos meios polÃticos do paÃs não passa de um apoderar-se de bens públicos. E por outro lado, intimidades sexuais e afetivas são lançadas por revistas e programas por todos os ares.
A educação ensina o respeito ao público e o cuidado e recato com o privado. Quando ela falha, misturam-se os campos com detrimento para ambos. A vida social torna-se a maior vÃtima dessa falta de educação. Perde-se a noção de viver em comunidade. Inverte-se o processo educativo que consiste na humanização continuada das pessoas para crescente animalização. Adeus democracia! Adeus potência mundial!
www.jblibanio.com.br
JB Libanio é Padre jesuÃta, escritor e teólogo. Ensina na Faculdade JesuÃta de Filosofia e Teologia (FAJE), em Belo Horizonte, e é vice-pároco em Vespasiano
Fonte: Adital, 7 maio 2010
Igreja e fundamentalismo midiático
Quando ocorreram os ataques terroristas à s Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, nos EUA, o mundo descobriu que por trás do ato polÃtico extremado contra a maior nação capitalista do planeta escondia-se na nuvem de escombros um núcleo paramilitar organizado, de inspirações muçulmanas, denominado Al Qaida. Foi o suficiente para que a mÃdia norte-americana, apoiada nos relatos de uma dúzia de especialistas, pesquisadores, acadêmicos e afins, se debruçasse sobre as suspeitas de uma religião cujos ensinamentos de fé poderiam doutrinar seguidores de uma ideologia contra tudo que pudesse se referir ao estilo de vida ocidental. Entre uma oração e outra endereçada a Alá, possivelmente a intelligentsia ianque cogitava a hipótese de uma nova geração de assassinos em massa estar em plena nascente.
Tentou-se então, traduzir os hábitos exóticos dos seguidores do Corão e seus peculiares códigos de comportamento objetivando, quem sabe, a esclarecer supostas atitudes suspeitas em suas entrelinhas. Após utilizar uma lupa de alta resolução em suas conclusões, a mÃdia atestou, enfim, que as mesquitas não eram fábricas de terroristas e que, excetuando-se o uso de uma burka aqui, um shador acolá e o “estranho” dialeto, tudo estava como antes no quartel de Abrantes.
Ganância desenfreada
Quando ocorreram as denúncias envolvendo esquemas de charlatanismo, curandeirismo, extorsão e lavagem de dinheiro encabeçadas pela Igreja Universal do Reino de Deus, há alguns anos, o paÃs descobriu que a sujeira debaixo do tapete foi descortinada mediante uma campanha de difamação envolvendo duas das mais poderosas emissoras de TV tupiniquins (Globo e Rede Record, essa última de propriedade da seita evangélica). A perda constante de audiência e de receitas publicitárias da Vênus Platinada para a concorrente motivou uma mobilização interna sem precedentes. Uma estratégia semelhante à s mais eficientes táticas de guerrilha estava em curso: o uso do aparelho jornalÃstico da Globo que patrocinou investigações que possibilitaram desenhar a intrincada estrutura organizacional da igreja, dotada de um sistema de metas e resultados semelhantes à s de qualquer empresa que tenciona recrutar novos talentos executivos.
Imagens em vÃdeo flagraram ações constrangedoras do seu lÃder, o bispo Edir Macedo, ensinando obreiros a mercantilizar a fé através de uma série de instrumentos de persuasão visando a doações cada vez mais vultosas. Tudo era estudado em minúcia para que os fiéis se conscientizassem, geral e irrestritamente, de que era chegada a hora de “comprar o seu lugar no céu”. O apogeu da guerra midiática ficou eternizado através de um close em que Macedo, debruçado sobre um montante de dinheiro após o término de um culto, sorri maliciosamente pela féria alcançada em pleno Jornal Nacional. Apesar de toda a turbulência generalizada, os evangélicos neopentecostais mantiveram sua crença inabalada em seu lÃder espiritual, mesmo com as evidências apontando a necessidade de uma intervenção imediata da justiça. A exposição pública desse fato produziu antipatias de toda espécie. Entretanto, são poucos os que hoje assumem a tese de que seus fiéis sejam também entusiastas de tamanha ganância desenfreada.
Prevenção para detectar predadores sexuais
Agora, o alvo da vez é a Igreja católica. As denúncias de redes articuladas de pedofilia envolvendo sacerdotes foram um prato cheio para a mÃdia. Os meios de comunicação cumpriram o seu papel em amplificar as notÃcias. O procedimento foi o mesmo dos dois exemplos citados acima: visar como alvo os pilares da instituição religiosa e provocar a já tão conhecida reação em cadeia polemizante. Especialistas, teólogos e afins foram pautados para lançar luzes, dessa vez, sobre a conduta sexual de padres que aliciavam coroinhas e seminaristas. O curioso nessa tragédia é que o celibato foi exposto na medina como uma aberração que não mais encontra eco na modernidade do século 21 e seria uma determinação antinatural a qual poucos sacerdotes estão psicologicamente preparados para exercer. A grita geral tendenciou para a revisão desse processo com a justificativa de que os abusos diminuiriam ou até cessariam.
Em primeiro lugar, há um problema de transtornos de sexualidade muito especÃficos – eu diria isolados – que norteia a grande maioria dos casos registrados. São patologias que, talvez, estejam enraizadas num perÃodo muito anterior a vocação sacerdotal. É verdade que esse psiquismo distorcido encontrou uma brecha para ser exercido em silêncio nas casas paroquiais, aproveitando-se de uma relação de confiança entre autoridade espiritual e seus pupilos. Mas, como fato inusitado, ganhou proporções alarmistas que não correspondem à realidade; os episódios começaram a ganhar contornos de uma epidemia iminente que não distingue inocentes de pecadores, além de estabelecer um postulado não oficial de vigilância sobre todos à queles que se dedicam à evangelização cristã.
Em segundo lugar, a Igreja católica estabeleceu a figura do diácono, um sacerdote que recebe um ordenamento especial com autorização para celebrar grande parte de uma missa (excetuando-se a eucaristia, tarefa exclusiva dos padres) e que pode, inclusive, constituir famÃlia. Ou seja, viver em celibato ou ser um sacerdote religioso de outra cepa são escolhas distintas, não são decisões impostas para por em xeque os limites da sexualidade humana. Porém, assim como os psicólogos, policiais, artistas, jornalistas, advogados, engenheiros etc., os padres também necessitam estar sujeitos a uma avaliação periódica de sua psique por estarem expostos, à s vezes, a tarefas que lhes exaurem as forças emotivas. Mas nem por isso tais avaliações periódicas são recomendadas com o único intuito de serem trabalhos preventivos para se detectar predadores sexuais.
VÃcios de intolerância
Não tenho a cátedra e o espaço necessários para explicar contextualizações transcendentais que incentivem o ofÃcio da fé. Porém, uma afirmação se faz urgente nesse momento: não podemos permitir que algumas maçãs podres contaminem todo um cesto de frutas. E o que dizer dos pedófilos não celibatários? Ter contato inesgotável com o mundo afora e acesso irrestrito à s fontes de suas perturbações, mediadas principalmente pela internet, não parece fazê-los mais saudáveis perante o convÃvio social como bem exemplificam as outras dezenas de denúncias que surgiram. Permito abrir um parêntese dentro desse raciocÃnio e lembrar que a legislação trabalhista acerca do assédio sexual não foi formatada visando à s agregações paroquiais.
Como consequência desse monitoramento excessivo, vem à tona uma versão reformulada da caça à s bruxas. Repita-se: não se está condenando a apuração jornalÃstica das denúncias. O rigor da responsabilidade civil precisa pesar sobre quem praticou essas insanidades. Entretanto, há danos quase irreversÃveis que precisam ser avaliados com isenção. Talvez o maior deles tenha sido o estÃmulo de pré-julgamento depositado sobre grande parte da opinião pública disposta a comprar certas ideias baseadas no ódio puro e simples. Como argumentar, agora, com o inconsciente coletivo não católico que os celebrantes de uma liturgia com mais de 2 mil anos de tradição não são fornicadores sedentos em uma casa de swing clerical? Como argumentar que um abraço de um padre em um jovem crismando ou seminarista, em conclusão de seus estudos bÃblicos, não configura subliminarmente um flerte erotizante?
É sabido que jornalismo e religião nunca se bicaram e não será hoje que o cessar-fogo vai se concretizar. Há sempre uma onda ciclotÃmica de patrulhamento, ainda que discreta, que recai sobre os praticantes de uma religião que declaradamente não se compactuam com os erros cometidos por seus lÃderes espirituais. O problema é que a narrativa jornalÃstica muitas vezes não se cerca de sutilezas e os estilhaços de seu bombardeio moral não medem o tamanho das feridas que recaem sobre os que nada viram ou fizeram de comprometedor.
Judeus, muçulmanos, evangélicos, umbandistas etc. já tiveram que vir a público em determinadas situações para se eximir de culpas que não carregavam, algumas delas alimentadas por historiografias equivocadas e, mais uma vez, amplificadas pela mÃdia. Agora são os católicos que precisam carregar essa cruz. A outra face a ser dada por eles não é pela vergonha em se admitir que uma crise interna precisa urgentemente ser contornada, mas sim, pelos vÃcios de intolerância de certos meios de comunicação que não se incomodam em produzir a sua própria fogueira inquisitória onde pecadores e inocentes são carbonizados em praça pública.
Por Fabio Leon Moreira, no Observatório da Imprensa, 27 abr 2010
O discurso religioso na comunicação
Por Rogério Faria Tavares*
Belo poema recitado com esperança pela humanidade ao longo dos tempos, a religião tem sido uma das formas mais empregadas pela espécie para organizar e esclarecer suas relações com os mistérios que permeiam a criação, a existência e a morte e para cultivar as dimensões mais sutis (ou transcendentes) de sua experiência na Terra, o que se costuma chamar, com grande freqüência, de espiritualidade. Importante elemento formador da visão de mundo e da cultura de praticamente todos os povos, a religião também é portadora de ensinamentos éticos e morais que moldaram civilizações, influenciaram o curso da história e definiram vários de seus avanços e retrocessos.
Capaz de mobilizar numerosos contingentes populacionais em torno de ideologias e condutas especÃficas, já serviu aos mais variados propósitos: foi usada como justificativa para guerras e para a celebração da paz; para a construção de palácios e a derrubada de impérios; a promoção de virtudes e de vÃcios; a divulgação da fraternidade e da compaixão, da intolerância e do ódio.
A religião sempre gerou alto impacto sobre as comunidades humanas e, em muitos casos, conseguiu dividi-las e reagrupá-las segundo seus mandamentos. Por muitos séculos, prevaleceu no campo da polÃtica e da administração da convivência coletiva, chegando a influenciar até, em diversas ocasiões, o modelo de trocas econômicas. Em muitas nações, notadamente no hemisfério oriental, prossegue até hoje comandando os negócios do Estado e gerindo a produção das normas jurÃdicas.
Amor, solidariedade e justiça
Responsável por revelações sagradas e enunciadora da “verdade”, a religião sempre foi muito eficiente para conferir sentido à vida de milhões de indivÃduos. Ao longo de seu percurso como uma das mais prestigiadas dimensões da atuação humana, desenvolveu importante poder de comunicação e consolidou imenso público disposto a consumir com avidez e convicção a sua mensagem, potente o bastante para resolver impasses e dirimir dúvidas, superar o medo, trazer o consolo, aliviar a dor e afastar o absurdo e o imponderável, aceitar o passado, enfrentar o presente e acreditar no futuro.
Competente na elaboração de mitologias e hábil no uso de recursos como a linguagem simbólica, a religião dominou com desenvoltura as técnicas tÃpicas da oralidade. Quando a tecnologia para a transmissão de idéias ainda estava em seus primórdios, a informação religiosa já estava entre as mais difundidas. Na medida em que o progresso ia engendrando outros modos de distribuição de conteúdo, a religião aprendia, rapidamente, a beneficiar-se deles. Foi o que ela soube fazer quando surgiram a escrita, o livro e a palavra impressa. E é o que ela faz até hoje, quando ocupa espaço no rádio, na televisão e nas mÃdias digitais.
Não há fenômeno mais previsÃvel, portanto, que a presença do discurso religioso nos meios de comunicação de massa. A religião está na vida do povo. Como estaria ausente dos jornais, do rádio e da televisão? Essa presença não deve ser vista como negativa. Ainda que seja acusada de iludir e manipular as multidões (o que, em incontáveis episódios da história, de fato ocorreu), a religião também oferece oportunidades valiosas, e talvez inigualáveis, para refinar e elevar os padrões de conduta costumeiros da espécie humana. Ela lança um olhar fundamental sobre a realidade e propõe forma particular de representá-la e vivê-la. Sua mensagem essencial quase sempre aponta no sentido da promoção do amor, da solidariedade e da justiça, valores que ajudam o ser humano a viver melhor e mais feliz.
Respeito absoluto por outra fé
Não há nada mais natural e compreensÃvel que a intensa presença do discurso religioso na mÃdia. A religião sempre quer a ampla disseminação de seus paradigmas, conquistar adeptos, perseguir sonhos de hegemonia, estabelecer territórios e manter-se notória e vigorosa. É anseio maior de toda e qualquer religião tornar-se perene e universal, atravessando as diferentes épocas históricas e alargando suas fronteiras geográficas, conservando e atualizando a sua validade e seduzindo as novas gerações.
Essa vocação da religião para a massiva comunicação pública, entretanto, só pode realizar-se, pelo menos nos paÃses em que vige o Estado (laico) de Direito, como é o caso do Brasil, dentro da plena observância das regras jurÃdicas postas pelo ordenamento pátrio para o relacionamento harmonioso entre os cidadãos.
Responsável por consagrar, em distintos incisos de seu artigo quinto, a liberdade de expressão, a liberdade de consciência e de crença e o livre exercÃcio dos cultos religiosos, a Constituição Federal de 88 oferece as garantias necessárias para que a cidadania possa professar, se for de sua vontade, o credo que bem entender, sem submeter-se a constrangimentos ou represálias.
Em primeiro lugar, isso significa que qualquer corrente de pensamento religioso pode manifestar-se sem restrições, inclusive pelos meios de comunicação. (As sérias distorções causadas pelo acesso desigual aos recursos financeiros para investir em mÃdia são tema complexo, deslocado para debate posterior.) Em segundo lugar, significa que, quando ocupa os meios de comunicação, a religião deve tratar com absoluto respeito todas as pessoas e instituições que pratiquem outra fé ou divulguem visão distinta da sua.
Pluralismo e convivência pacÃfica
Vale lembrar, igualmente, que os ateus ou agnósticos merecem exatamente o mesmo apreço normativo conferido pela ordem jurÃdica aos que crêem. Eles jamais poderão ter seus direitos e liberdades ameaçados ou tolhidos sob nenhum pretexto. Por isso, quando ocupa a mÃdia, a religião não pode tratá-los com desprezo, preconceito ou discriminação.
Quando ocupa a mÃdia, uma religião não pode formular ofensas ou ataques que maculem a reputação de outra. Também não é aceitável que trate qualquer delas como algo primitivo, excêntrico, exótico, ameaçador ou diabólico. Agredir esta ou aquela crença religiosa é atitude que merece repulsa social e repressão legal imediata. Quando isso ocorre no rádio ou na televisão é fato ainda mais grave, já que ambos são serviços de interesse público explorados sob regime de concessão.
Finalmente, não é possÃvel, no contexto de uma democracia polÃtica como a nossa, conceder qualquer vantagem a determinada religião em detrimento das demais, uma vez que todas propiciam legÃtimas respostas aos anseios de fé dos cidadãos. Todas são dignas de idêntica consideração, independente da matriz cultural ou étnica a que estejam eventualmente filiadas. Não se pode instituir a menor hierarquia entre elas, nenhuma ordem de precedência ou sistema de privilégios. (Obviamente, não se pode chamar de religião o que é somente a prática do charlatanismo, o comércio dos milagres e de curas com fins de enriquecimento fácil tipificado como crime pelo artigo 283 do Código Penal Brasileiro.)
A atitude reclamada pela razão é fomentar o ecumenismo e o diálogo interreligioso, tão desejado e tão viável, haja visto o expressivo número de pontos comuns a todos os credos. O pluralismo e a convivência pacÃfica entre as diferenças são duas das expressões mais saudáveis de uma sociedade democrática. A sociedade brasileira não pode tolerar os intolerantes. Seria perigoso demais para o futuro com que sonhamos.
Fonte: Observatório de Imprensa, 16 março 2010
*Rogério Faria Tavares é advogado, jornalista, mestre em Direito Constitucional (UFMG) e doutorando em Direito Internacional pela Universidade Autônoma de Madri
“MÃdias do futuro / Futuro das mÃdiasâ€
Matthias Horx é considerado o mais destacado pesquisador de tendências e do futuro nos paÃses de lÃngua alemã. Seu Instituto do Futuro, com sede em Frankfurt do Meno, é um think tank da pesquisa do futuro.
Entrevista: Martin Orth, na Deutschland Online
1. A sociedade da informação está cada vez mais intrincada. A todo momento, novas tecnologias abrem espaço para novas fontes de informação. Como o senhor pessoalmente usa as mÃdias?
Como alguém que foi criança e jovem no século passado, sou naturalmente um analogista. Eu amo livros, revistas, palavras impressas. Meus filhos também gostam, embora tenham crescido com o computador. Fora isso, sou um multitoxicólogo de mÃdias. Eu navego em todas as plataÂformas midiáticas, sejam elas quadradas na forma de um monitor ou lisas e palpáveis como um livro sólido. E isto 24 horas por dia. Eu também brinco com meus filhos, de jogos online no computador e, assim, tenho outra visão da realidade digital. Ela pode de fato proporcionar muito prazer, menos aos velhos paranóicos que, em cada esquina, preveem o fim do mundo.
2. As novas mÃdias tornaram muitas coisas mais simples e rápidas, mas vieram acompanhadas de fenômenos como o isolaÂmento social. É preciso aprender a conviver com as mÃdias?
Considero a ideia do “isolamento através das mÃdias†uma besteira. Solitários foram os homens que, no passado, viviam em vales distantes, no interior, quando ainda não havia sequer telefone. Hoje, tais pessoas talvez sejam solitárias porque são neuróticas ou depressivas. No final das contas, as mÃdias conectam todos à grande corrente, trate-se de informação detalhada ou lixo profano. É natural que as pessoas precisem de um certo tempo para conhecer um novo meio, mas elas também possuem habilidade para tal. Pense quanto tempo a alfabetização durou. Se compararmos, as pessoas adapÂtam-se aos meios eletrônicos incrivelmente rápido. Entretanto, não é qualquer um que consegue aproveitar as possibilidades sociais e de conhecimento pela internet. Ainda há muitos consumidores passivos. Para eles, a internet é, na melhor das hipóteses, um bom meio de consulta. No fundo, é uma questão de formação. Quem estudou, é curioso e ambiciona a ascensão social, usa as novas mÃdias com maior intensidade.
3. Jovens não se motivam a ler jornais, enquanto as pessoas mais velhas têm dificuldade com redes sociais na internet. As mÃdias estão dividindo nossa sociedade? As mÃdias estão promovendo a individualiÂzação da sociedade?
Este último ponto até que seria bom, pois, para mim, individualização é um termo positivo. Nós todos desejamos nos tornar indivÃduos diferentes uns dos outros, cada um com sua personalidade, não é? E mÃdias de todos os tipos servem, no fim das contas, a este propósito. Também as telenovelas têm, como muitos estudos já mostraram, aspectos educativos e emancipativos. Quem acompanhou durante toda a vida a novela de tevê Lindenstrasse, aprendeu a diferenciação social, a tolerância e o humanitarismo. E os mais velhos estão recuperando rapidamente o tempo ao aprender a usar a internet.
4. A mudança no cenário da comunicação atinge igualmente rituais sociais como a leitura matinal do jornal ou o assistir coletivo ao futebol?
Sim e não. Assistir futebol em grupo é um acontecimento de grupo, que está profundamente ancorado em nossos genes. As pessoas, sobretudo os homens, vão provavelmente fazer isto até que o Sol esfrie. É um ritual. A leitura matinal de jornal também já foi um ritual, com o qual sobretudo homens podiam justificar sua falta de comunicação no café da manhã. Ou seja, jornais têm ainda outras finalidades além de informar. São escudos protetores do mau humor matinal e proteção à privacidade em ambientes públicos, como cafeterias e aeroportos. Estou certo de que as pessoas vão encontrar um substituto, caso algum dia o jornal impresso desapareça. Talvez grandes monitores flexÃveis de computador, que se possa usar como para-vento ou véu.
5. Fala-se que as novas mÃdias eliminam as tradicionais. Como será a mescla dos meios de comunicação daqui a 20 anos?
Somente em casos raros as novas mÃdias eliminam as antigas por completo. Em geral, há uma nova mescla ou um comÂplemento. Quando surgiu a televisão, diziam que o cinema morreria, e a internet já deveria ter assassinado ambos há muito tempo. Absurdo. Em 20 anos, a internet terá se tornado uma “omninetâ€. Estará em todos os lugares e em nenhum deles. Será a plataforma na qual vão estar todos os conteúdos. Mas os aparelhos de reÂprodução ainda serão diferenciados. Ainda haverá livros e revistas, talvez até mesmo mais bonitos, preciosos e com cheiro melhor. E monitores dobráveis, como papéis. A questão decisiva será o quanto nossas habilidades cognitivas terão se desenvolvido.
6. O senhor prevê um “digital backlashâ€, ou seja, um golpe, um retrocesso na euforia da internet. Por que razões? Ele já começou? E quais serão suas consequências?
Ele acontece diariamente, toda vez que alguém não encontra na internet uma utilidade que os visionários dos anos 1990 prometeram. Existe uma tendência sutil do off-line. Um número expressivo de pessoas considera a maré de imagens e áudios enervante e perturbadora e tem priorizado novamente as experiências fÃsicas, palatáveis, pessoais, em tempo real. A internet não cumpre, muitas vezes, o que promete. E ainda temos uma grande parte da população que não tem condiÂções de usar a internet como meio de rede, porque não tem formação suficiente para isso ou não domina as técnicas sociais. Somente aproveitamos o potencial da rede como meio de conhecimento quando nós também pensamos, perguntamos, comunicamos e trabalhamos em rede.
7. Isto significa um retorno à s mÃdias clássicas?
A internet já transformou os jornais, ao torná-los mais curtos, concisos e, muitas vezes, melhores. Ela está funcionando como um fator de seleção. As mÃdias inexpressivas, excessivas, serão extintas; as demais se transformarão.
8. Vejamos a mÃdia impressa. Quais são seus pontos fortes? Qual seu futuro?
Acho que esta categoria não terá sentido no futuro. Não haverá mais uma “mÃdia impressaâ€, porém determinadas marcas de mÃdia, que irão sempre se diferenciar quanto a conteúdo, qualidade, acesso mundial, ideologias. Uma revista como a americana Wired já é hoje um produto midiático em muitos canais e assim são também os jornais, forma crescente. A revista Der Spiegel será, no futuro, domicÃlio de uma determinada visão de mundo, seja em papel, no celular ou no monitor. Um veÃculo que permanecer apenas impresso será uma mÃdia bastante isolada.
9. Como o senhor vê os modelos de negócios para os fornecedores de conteúdo?
Muito diverso. Alguns ainda irão ganhar dinheiro no setor de qualidade. Outros cumprirão sobretudo funções sociais e viverão com modelos de clube e gratuiÂdade, ou seja, modelos de negócios nos quais determinados serviços básicos serão oferecidos gratuitamente e somente ofertas extras representarão faturamento. E ainda haverá outros que irão despedir-se de conteúdos puros e venderão serviços e acessos. Jornais regionais, por exemplo, poderão evoluir para provedores de serÂviços completos que, além de jornal, também fornecerão eletricidade, água e crédito.
10. Contra as expectativas, o rádio tem se saÃdo extraordinariamente bem neste cenário de mudança na área de comunicação. A que o senhor atribui este fenômeno?
Rádio é simples e descomplicado, uma legÃtima tendência retrô contra a veloz mudança no mundo dos meios de comunicação, no qual não se entende mais nada. No rádio, uma pessoa fala para a outra. É algo simplesmente bonito.
11. Na comparação internacional, o senhor percebe algum fenômeno alemão no uso das mÃdias?
Não, os alemães são apenas mais tensos e, a cada novidade, desconfiam primeiro que o fim do mundo se aproxima, antes de então se tornarem fãs absolutamente fiéis.
12. Em filmes de ficção cientÃfica, fenômenos atuais são, com frequência, simplesmente projetados para o futuro. Como se faz isto na pesquisa do futuro? Como os senhores chegam à s conclusões?
Através de pesquisas obstinadas e correções permanentes na formação do modelo. Nós, naturalmente, também projetamos o futuro. Só temos que fazê-lo de forma mais inteligente e mais diferenciada que nossos antecessores.
13. A futura paisagem midiática ainda mudará outras ferramentas, as quais nós hoje mal podemos vislumbrar?
Um exemplo: entrevistas por e-mail como esta serão diálogos no futuro. Eu poderia também lhe perguntar, o que o senhor pretende com sua pergunta ou por que quer saber algo…
A era pós-mÃdia de massa: a desconfiguração e descentralização da Comunicação
Publicado pelo IHU On-line
Desconfigurar, descentralizar, até mesmo “explodirâ€. Para a doutora em Comunicação e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ivana Bentes, o que caracteriza a “era pós-mÃdia de massa são justamente as práticas descentralizadas de comunicaçãoâ€. “A Internet é esse lugar de desconfiguraçãoâ€, afirma a professora em entrevista concedida, por email, à IHU On-Line. Continue lendo