O primeiro quadrimestre de 2010 foi o mais quente já registrado no planeta, de acordo com dados de satélite da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), dos Estados Unidos. No Brasil, a situação não foi diferente, principalmente na região Nordeste do paÃs. Entre 1980 e 2005, as temperaturas máximas medidas no estado de Pernambuco, por exemplo, subiram 3ºC. Modelos climáticos apontam que, nesse ritmo, o número de dias ininterruptos de estiagem irá aumentar e envolver uma faixa que vai do norte do Nordeste do paÃs até o Amapá, na região Amazônica.
Os dados foram apresentados pelo pesquisador Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), durante a 62ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em Natal, no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A conclusão é que a região Nordeste do paÃs é a mais vulnerável à s mudanças climáticas.
Além da expansão da seca, o pesquisador frisou que o Nordeste deverá sofrer também com as alterações nos oceanos, cujos nÃveis vêm subindo devido ao aumento da temperatura do planeta. Isso ocorre não somente pelo derretimento das geleiras, mas também devido à expansão natural da água quando aquecida. Cidades que possuem relevos mais baixos, como Recife, sentirão mais o aumento do nÃvel dos oceanos. E Nobre alerta que a capital pernambucana já está sofrendo as alterações no clima.
– Com o aumento do volume de chuva, Recife tem inundado com mais facilidade, pois não possui uma rede de drenagem pluvial adequada para um volume maior – disse.
Um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento da região Nordeste seria a constante associação entre seca e pobreza. A pobreza, segundo o pesquisador, vem de atividades não apropriadas ao clima local e que vêm sendo praticadas ao longo dos anos na região. Plantações de milho e feijão e outras culturas praticadas no Nordeste não são bem-sucedidas por não serem adequadas à caatinga, segundo Nobre.
– A agricultura de subsistência é difÃcil hoje e ficará inviável em breve. Para que o sertanejo prospere, teremos que mudar sua atividade econômica – disse.
O cientista citou um estudo feito na Universidade Federal de Minas Gerais e na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que indicou que o desemprego no Nordeste tenderá a aumentar caso as atividades econômicas praticadas no interior continuem.
Nobre sugere a instalação de usinas de energia solar como alternativa.
– A Europa está investindo US$ 495 bilhões em produção de energia captada de raios solares a partir do deserto do Saara, no norte da Ãfrica. O mercado de energia solar tem o Brasil como um de seus potenciais produtores devido à sua localização geográfica e clima, e o Nordeste é a região mais adequada a receber essas usinas – indicou.
– Ficar sem chuva durante longos perÃodos é motivo de comemoração para um produtor de energia solar – disse Nobre, que ressaltou a importância dessa fonte energética na mitigação do aquecimento, pois, além de não liberar carbono, ainda economiza custos de transmissão por ser produzida localmente.
O potencial do Nordeste para a geração de energia eólica também foi destacado pelo pesquisador do Inpe. Devido aos ventos alÃsios que sopram do oceano Atlântico, o Nordeste tem em seu litoral um constante fluxo de vento que poderia alimentar uma vasta rede de turbinas.
Além da economia, Nobre chamou a atenção para as atividades que visam a mitigar os efeitos das mudanças climáticas, que seriam importantes também para o Nordeste.
– Os efeitos dessas mudanças são locais e cada lugar as sofre de um modo diferente – disse.
Um dos efeitos dessas alterações é o aumento dos eventos extremos como tempestades, furacões e tsunamis. Em Pernambuco, as chuvas de volume superior a 100 milÃmetros em um perÃodo de 24 horas aumentaram em quantidade nos últimos anos.
– Isso é terrÃvel, pois as culturas agrÃcolas precisam de uma precipitação regular. Uma chuva intensa e rápida leva os nutrientes da terra, não alimenta os aquÃferos e ainda provoca assoreamento dos rios, reduzindo ainda mais a capacidade de armazenamento dos açudes – disse.
Nobre propõe que os governos dos estados do Nordeste poderiam empregar ex-agricultores sertanejos em projetos de reflorestamento da caatinga com espécies nativas. A reconstrução dessa vegetação e das matas ciliares ajudaria a proteger o ecossistema das alterações climáticas e ainda contribuiria para mitigá-las.
A implantação de uma indústria de fruticultura para exportação é outra sugestão de Nobre para preparar o Nordeste para as mudanças no clima e que poderia fortalecer a sua economia.
– A relação seca-pobreza é um ciclo vicioso de escravidão e que precisa ser rompido. Isso se manterá enquanto nossas crianças não souberem ler, não aprenderem inglês ou não conseguirem programar um celular, por exemplo – disse.
Por isso, o cientista defendeu também o acesso à educação de qualidade a toda a população, uma vez que a porção mais afetada é aquela que menos tem acesso a recursos financeiros e educacionais.
Fonte: O Globo, 29 jul 2010