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Racha entre muçulmanos se torna força mais perigosa no Oriente Médio

mujer-musulmanaPassados três anos desde o início da Primavera Árabe, tem se agravado a divisão entre muçulmanos xiitas e sunitas – que diz respeito não apenas a religião, mas também a poder e identidade.

[Jeremy Bowen, BBC Brasil, 20 dez 2013] Líderes tentam usar o sectarismo como uma ferramenta para proteger e reforçar sua legitimidade, assim como alguns governos europeus ainda usam o nacionalismo.

Mas as forças que estão em curso no Oriente Médio no momento podem sair do controle.

Um dos focos de tensão é Trípoli, a segunda maior cidade do Líbano – atualmente inquieta, dividida e muitas vezes perigosa.

A crescente guerra civil síria, do outro lado das montanhas de Trípoli, fomentaram um persistente conflito entre muçulmanos sunitas, majoritários na cidade, e alauítas, que são da mesma divisão xiita que o presidente sírio, Bashar al-Assad.

Pôsteres

Em todas as cidades libanesas, há pôsteres de jovens que foram mortos combatendo na Síria.

O Hezbollah, milícia xiita e partido político libanês, enviou tropas para lutar ao lado dos soldados pró-Assad.

Um sunita proeminente local observava os pôsteres, dizendo: “Tudo o que eles fizeram foi viajar e ficar (na Síria) tempo o bastante para serem mortos. Eles eram muito novos e pouco treinados (para combater).”

Alguns xiitas ainda idolatram Saddam Hussein, o líder sunita que, durante seu regime no Iraque, enfrentou o xiita Irã.

O sunita Abu Firas perdeu seu filho de 22 anos quando duas mesquitas sunitas de Trípoli foram bombardeadas, em agosto. A comunidade atribui a culpa aos xiitas.

“Pedimos permissão a Deus todo poderoso para erradicá-los”, diz Firas.

Um comandante de uma milícia sunita local diz que a raiva e a dor fazem com que Firas fale assim. Mas, a cada ação sectária que resulta em mortes, aumentam as divisões no Oriente Médio.

Sectarismo

O racha no islã remete à disputa quanto a quem deveria suceder o profeta Maomé após sua morte, em 632. Os que queriam que seu posto fosse herdado por seus seguidores próximos se tornaram sunitas. Os que defendiam que seus descendentes deveriam sucedê-lo aderiram ao xiismo.

Nos últimos tempos, a invasão americana ao Iraque, em 2003, deu um novo impulso à divisão sectária no islã.

A deposição de Saddam Hussein, maior adversário do Irã (de maioria xiita), foi um golpe à tradicional supremacia sunita no Oriente Médio. Milhares de iraquianos foram mortos em atos de violência sectária desde então.

Na outra ponta do golfo Pérsico, em Bahrein, um persistente conflito político entre a minoria empobrecida xiita e a elite majoritariamente sunita fica cada vez mais abertamente sectária. Um membro do clã que governa o país disse à BBC que isso é perceptível em confrontos nas ruas bareinitas ou mesmo sírias.

Na Síria, o levante que desde 2011 conclama mais liberdade e justiça evoluiu para uma guerra de traços sectários. Grupos extremistas sunitas, em geral seguidores da al-Qaeda, agora dominam a oposição armada a Assad.

Esses jihadistas, que usam a guerra civil para aumentar seu poder em pleno coração do Oriente Médio, têm uma visão profundamente dividida do mundo.

Eles acabam sendo rechaçados por muitos sírios sunitas e “empurram” as minorias do país – tanto cristãos quanto xiitas – para o lado de Assad.

Rivais regionais

Em Beirute, homens-bomba alvejaram a embaixada do Irã em novembro. Muitos deduziram que se tratava de mais uma escalada na chamada “guerra por procuração”, travada entre o Irã (que apoia o regime Assad) e a Arábia Saudita (sunita, que apoia os rebeldes sírios).

Os dois rivais regionais trocam acusações entre si quanto à escalada do sectarismo.

Membros da minoria xiita na Arábia Saudita, que se concentra no leste do país, se queixam de serem tratados como se fossem agentes infiltrados pelo Irã.

Tanto o Teerã quanto Riad ajudaram a alimentar as rivalidades, mas as divisões entre xiitas e sunitas também foram usadas e abusadas por líderes de outros países árabes que não têm nenhuma intenção de dividir o poder com sua própria seita, muito menos com outros grupos.

A BBC debateu o tema com o novo chanceler iraniano, Javad Zarif, no mês passado, durante negociações em Genebra que levaram a um acordo preliminar sobre o programa nuclear do país.

Zarif disse que, independentemente das diferenças quanto à Síria, os países envolvidos devem cooperar para controlar a crescente divisão entre xiitas e sunitas. O chanceler opina que essa é a maior ameaça não apenas à paz no Oriente Médio, mas à paz no mundo inteiro.

Se há uma chance de se gerenciar ou ao menos reverter a onda de sectarismo, ela provavelmente recai sobre o Irã e a Arábia Saudita. Mas os dois países são potências regionais, divididos pela História e por sua rivalidade no século 21.

Em um funeral recente para combatentes xiitas em Damasco, que morreram defendendo o regime, as pessoas enlutadas não cantavam elogios a Assad (em cujo Exército os homens morreram), mas sim entoavam slogans sectários, exaltando a tradição xiita.

Até mesmo em partes da Síria onde esses rachas são menos evidentes, há os problemas de crise econômica, falência política e repressão.

Mas a força mais perigosa, que ameaça definir a próxima década no Oriente Médio, é a tensão entre xiitas e sunitas.

Passados três anos desde o início dos levantes árabes – nesta semana, foi lembrado o terceiro aniversário da morte do tunisiano Mohammed Bouazizi, cuja autoflagelação serviu de estopim para protestos na região -, o peso de um milênio e meio de rivalidades sectárias está esmagando qualquer esperança de um futuro melhor.

Malásia proíbe o uso da palavra ‘Alá’ por não muçulmanos

Malaysia Allah Dispute

Um tribunal de apelações da Malásia, país de maioria muçulmana, confirmou nesta segunda (14 out 2013) uma decisão do governo contra o uso da palavra Alá para se referir a Deus em religiões não muçulmanas.

A decisão anula reclamações de cristãos de que a restrição viola os seus direitos religiosos.

Alá é a palavra árabe para Deus, e é comumente usada na língua malaia para se referir a Deus.

Mas o governo malaio insiste em que a palavra Alá deva ser reservada exclusivamente para os muçulmanos, temendo que seu uso por outras religiões possa confundir os muçulmanos e poderia servir para tentar convertê-los.

As minorias budistas (cerca de 20%), cristãs (9%) e hindus (6%) do país frequentemente se queixam de que o governo infringe o direito constitucional que têm de praticar livremente sua religião. Acusações que o governo nega.

Há quatro anos, um tribunal de primeira instância havia decidido contra a proibição do governo, o que provocou uma série de ataques a igrejas e a outros locais religiosos.

JORNAL

A disputa judicial decorre de esforços por parte do jornal católico “The Herald” para usar Alá em seu semanário em língua malaia.

Representantes da Igreja Católica negam que haja tentativas de converter muçulmanos e dizem que a proibição do governo não é razoável, porque cristãos que falam malaio usam há muito tempo a palavra Alá em suas Bíblias, na literatura e na música.

Para o juiz Mohamed Ali Apandi, do tribunal de apelações, o uso da palavra Alá não é parte integrante da fé e da prática do cristianismo. “Não há nenhuma violação de quaisquer direitos constitucionais da proibição. Não encontramos nenhuma razão para que o jornal católico seja tão inflexível na intenção de usar a palavra Alá. Se tal uso for permitido, inevitavelmente causará confusão na comunidade.”

O reverendo Lawrence Andrew, editor do “The Herald”, disse que vai apelar do veredicto na suprema corte do país.

“Estamos muito desapontados e desanimados. É um retrocesso no desenvolvimento do direito em relação à liberdade fundamental de minorias religiosas”, disse.

Para Arlene Elizabeth Clemesha, diretora do Centro de Estudos Árabes da Universidade de São Paulo, como a língua local já incorporou a palavra árabe para Deus (Alá), o governo da Malásia, país que não é árabe e onde não se fala árabe, teme que o emprego de ‘Alá’ por todas as religiões no país favoreça a conversão de muçulmanos ao cristianismo, ao budismo, ao hinduísmo, já que isso os aproxima dessas religiões minoritárias.

“A atitude desse governo é, no mínimo, lastimável. Ergue muros fictícios onde deveria quebrar barreiras e aproximar as várias comunidades que compõem o seu país.”

Para ela, trata-se de mais um caso de utilização da religião para fins de poder e de controle, incentivando o crescimento da população muçulmana e criando divisões entre as comunidades.

“Infelizmente, o governo da Malásia não está sozinho nesse tipo de atitude”, diz.

[Publicado originalmente na Folha de SP, 14 out 2013]