O sociólogo suÃço Jean Ziegler, ex-relator especial para o Direito à Alimentação da Nações Unidas (ONU), denunciou que a fome é um dos principais problemas da humanidade, em um debate nesta segunda-feira (13/5) em São Paulo.
[Publicado no MST, por José Coutinho Júnior, em 13 mai 2013] “O direito à alimentação é o direito fundamental mais brutalmente violado. A fome é o que mais mata no planeta. A cada ano, 70 milhões de pessoas morrem. Destas, 18 milhões morrem de fome. A cada 5 segundos, uma criança no mundo morre de fomeâ€, disse Ziegler.
Na década de 1950, 60 milhões de pessoas passavam fome. Atualmente, mais de um bilhão. “O planeta nas condições atuais poderia alimentar 12 bilhões de pessoas, de acordo com estudo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Não há escassez de alimentos. O problema da fome é o acesso à alimentação. Portanto, quando uma criança morre de fome ela é assassinadaâ€.
Ziegler afirma que é a primeira vez que a humanidade tem condições efetivas de atender às necessidades básicas de todos. Depois do fim da Guerra Fria, mais especificamente em 1991, a produção capitalista aumentou muito, chegando a dobrar em 2002. Ao mesmo tempo, essa produção seguiu um processo de monopolização das riquezas. Hoje, 52,8% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial está nas mãos de empresas multinacionais.
A concentração da riqueza nas mãos de algumas empresas faz com que os capitalistas tenham uma grande força polÃtica. “O poder polÃtico dessas empresas foge ao controle social. 85% dos alimentos de base negociados no mundo são controlados por 10 empresas. Elas decidem cada dia quem vai morrer de fome e quem vai comerâ€, diz Ziegler.
O sociólogo relatou que essas empresas seguem blindadas pela tese neoliberal de que o mercado não deve ser regulado pelo Estado.
“Na Guatemala, 63% da terra está concentrada em 1,6% dos produtores. A primeira reivindicação que fiz, após a missão, foi a realização da Reforma Agrária no paÃs. Fui rechaçado, pois uma intervenção no mercado não é possÃvel. Não havia sequer um cadastro de terras lá: quando os latifundiários querem aumentar suas terras, mandam pistoleiros atacar a população maia que vive ao redorâ€.
Especulação
A especulação financeira dos alimentos nas bolsas de valores é um dos principais fatores para o crescimento dos preços da cesta básica nos últimos dois anos, dificultando o acesso aos alimentos e causando a fome. De acordo com o Banco Mundial, 1,2 bilhão de pessoas encontram-se em extrema pobreza hoje, vivendo com menos de um dólar por dia.
“Quando o preço do alimento explode, essas pessoas não podem comprar. Apesar da especulação ser algo legal, permitido pela lei, isso é um crime. Os especuladores deveriam ser julgados num tribunal internacional por crime contra a humanidadeâ€, denuncia Ziegler.
A polÃtica de agrocombustÃveis, que, além de utilizar terras que poderiam produzir comida, transforma alimentos em combustÃvel, é mais um agravante. “É inadmissÃvel usar terras para fazer combustÃvel em vez de alimentos em um mundo onde a cada cinco segundo uma pessoa morre de fomeâ€.
PolÃtica da fome
Ziegler afirma que não se pode naturalizar a fome, que é uma produção humana, criada pela sociedade desigual no capitalismo. Prova disso são as diversas polÃticas agrÃcolas praticadas tanto por empresas e subsidiadas por instituições nacionais e internacionais.
O dumping agrÃcola consiste em subsidiar alimentos importados em detrimento dos alimentos produzidos internamente. De acordo com Ziegler, os mercados africanos podem comprar alimentos vindos da Europa a 1/3 do preço dos produtos africanos. Os camponeses africanos, dessa forma, não conseguem produzir para se sustentar.
Ziegler denunciou o “roubo de terrasâ€, que é o aluguel ou compra de terras em um paÃs por fundos privados e bancos internacionais, que ocorreu com mais de 202 mil hectares de áreas férteis na Ãfrica, com crédito do Banco Mundial e de instituições financeiras da Ãfrica.
Os camponeses, por conta desse processo, são expulsos das terras para favelas. Esse processo tem se intensificado uma vez que os preços dos alimentos aumentam com a especulação imobiliária.
O Banco Mundial justifica o roubo de terras com o argumento de que a produtividade do camponês africano é baixa até mesmo em um ano normal, com poucos problemas (o que raramente acontece).
Um hectare gera no máximo 600 kg por ano, enquanto que na Inglaterra ou Canadá, um hectare gera uma tonelada. Para o Banco Mundial, é mais razoável dar essa terra a uma multinacional capaz de investir capital e tecnologia e tirar o camponês de lá.
“Essa não é a solução. É preciso dar os meios de produção ao camponês africano. A irrigação é pouca, não há adubo animal ou mineral nem crédito agrÃcola, e a dÃvida externa dos paÃses impedem que eles invistam na agriculturaâ€, defende Ziegler.
Soluções
Segundo Ziegler, a única forma de mudar as polÃticas que perpetuam a fome é por meio da mobilização e pressão popular.
“Temos que pressionar deputados e polÃticos para mudar a lei, impedindo que a especulação de alimentos continue. Devemos exigir dos ministros de finanças na assembleia do Fundo Monetário Internacional que votem pelo fim das dÃvidas externas. Temos que nos mobilizar para impedir o uso de agrocombustÃveis e acabar com o dumping agrÃcolaâ€.
Ziegler afirma que a luta contra a fome é urgente, pois quem se encontra nessas condições não pode esperar. “Essa mobilização coletiva pode pressionar democraticamente e massivamente, por medidas que acabem com a fome. A consciência solidária deve movimentar a sociedade civil. A única coisa que nos separa das vÃtimas da fome é que elas tiveram o azar de nascer onde se passa fomeâ€.
O ex-relator especial para o Direito à Alimentação da Nações Unidas (ONU) veio ao Brasil lançar o livro “Destruição em Massa – GeopolÃtica da Fome” (Editora Cortez) e participar da 6ª edição do Seminário Anual de Serviço Social, que aconteceu no Teatro da Universidade Católica (TUCA).