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O mel, as cabras, a farinha e a avó

Quem vê o senhor sentado na varanda do seu sítio em Gravatá (a duas horas do Recife) a discorrer sobre as pimentas que cultiva e com as quais produz um molho aromático e marcante não imagina o quanto ele contribui para mudar a paisagem do Semiárido pernambucano. A história de vida do educador Abdalaziz de Moura, hoje com 67 anos, é genuína. O semblante de avô dedicado esconde um espírito aguerrido e incansável, cevado nos tempos de seminarista em Olinda e Camaragibe no começo dos anos 60. Da igreja progressista herdou a indignação ante a injustiça social. Em 1989, decidido a intervir na realidade, Moura criou o Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta), com o intuito de apoiar a autonomia do homem do campo.

O Serta desenvolveu uma metodologia internacionalmente premiada de ensino, a Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável (Peads).- Trata-se de um conjunto de técnicas de educação contextualizada. Ou seja, os professores, com apoio das comunidades, usam a realidade local para ensinar as crianças. “O cara é um sonhador, acredita num mundo melhor e sabe que a utopia se realiza aos poucos, com recursos técnicos e diálogo em todas as instâncias”, afirma o secretário de Comunicação da Prefeitura de Olinda, Inácio França, que conheceu Moura no tempo em que trabalhava no Unicef-Recife.

O Unicef firmou contratos com o Serta para implementar nas cidades do Semiárido políticas que visam à melhora nas condições de vida de crianças e adolescentes. Os municípios que conseguem avançar recebem o selo do organismo. Levantamentos preliminares mostram que as escolas que adotaram a Peads têm obtido desempenhos melhores no Índice de Desenvolvimento de Ensino Básico (Ideb).

O segredo da metodologia é a “ressignificação” da vida no campo a partir de atividades práticas e da valorização de todos os saberes: seja ele o tradicional – a avó perita em ervas medicinais, por exemplo, é levada para a sala de aula –, seja o inédito, como a adoção de técnicas de cultivo menos agressivas ao meio ambiente. A Peads eleva a ciência do aprendizado a um patamar integrador, ao libertar as disciplinas dos compartimentos estanques de sempre. Geografia, história, português e matemática se interpenetram, conversam entre si, reproduzem os hábitos rurais, ganham concretude e razão de ser para o aluno.

Outro ponto essencial é a construção conjunta do conhecimento: professora, alunos, pais, comerciantes, criadores de cabras, verdureiros, apicultores, todos colaboram. Uma aula típica pode começar com uma visita à casa de farinha da cidade para a coleta de dados sobre o processo de produção ou trabalhar cálculos decimais a partir da quantidade de mel contida numa lata ou do lucro obtido com a venda das cabras.

“Quanto mais o exercício estiver inserido no cotidiano do aluno, mais seguro é seu aprendizado”, ensina Moura no livro Peads, lançado pelo Serta em 2003 e no qual a metodologia, até então intuitiva e dispersa em artigos, anotações e registros de discussões em grupo, foi sistematizada. Ao ler o relato percebe-se que a Peads é a síntese de um caldeirão filosófico, com lugar para a pedagogia de Paulo Freire e outros educadores, para os princípios de economistas de cunho socio-ecológico (como o polonês Ignacy Sachs, o Prêmio Nobel Armatya Sem, a americana futurista Hazel Henderson) e para a física quântica de Fritjof Capra, autor do best seller O Ponto de Mutação.

O desenvolvimento sustentável permeia toda a didática. “Na Peads as disciplinas são ambientais, porque a educação tem de levar em conta a pluralidade. Tudo na escola deve estimular a cooperação: os textos, os cálculos, a distribuição de tarefas, os valores transmitidos”, diz o ex-seminarista, graduado em Teologia em Roma, com especialização em Genebra.

Foi no início dos anos 70 e no auge da ditadura que Moura voltou da Europa e passou a atuar ao lado de dom Helder Câmara, arcebispo emérito do Recife e de Olinda, morto em 1999, um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e único brasileiro indicado quatro vezes ao Nobel da Paz. Defensor dos direitos humanos e da máxima- cristã de que fé sem ação é nula, dom Helder fez parte de um numeroso grupo de religiosos e leigos progressistas precursor da Teologia da Libertação, favorável a uma prática religiosa mais simples, humilde, não violenta, voltada para os pobres e movida pela ação social.

Ao semear informações e cidadania no campo, o grupo de Moura teve de enfrentar a ira de coronéis e políticos, além do descrédito dos próprios trabalhadores, muitas vezes contaminados por boa-tos de que os técnicos eram terroristas, delinquentes ou, no mínimo, espertalhões dispostos a enganá-los. “Conheci Moura nessa época, como participante do movimento Encontro de Irmãos, em que pessoas pobres, de periferia, se reuniam à luz do Evangelho”, recorda a pedagoga Maria Conceição da Silva, 55 anos, casada com o ex-seminarista e mãe de três dos quatro filhos dele.

Ceiça, como é conhecida, recorda que, até meados dos anos 80, a Igreja era um grande guarda-chuva sob o qual se abrigavam movimentos de mulheres, de operários, de negros. “Foi-se o tempo em que a Igreja era progressista e suas ações pautavam o movimento sindical rural e parte dos movimentos sociais”, reflete Moura, que hoje não assiste nem à missa. Na opinião dele, atualmente, a educação rural, da qual o Serta virou expoente na América Latina, é que pauta e agenda parte desses movimentos. “Está claro que o conhecimento é, hoje, instrumento privilegiado de
intervenção e que é agregado a valores, à ética.”

Referência especialmente na formação de jovens, o Serta oferece há dez anos o curso de Agente de Desenvolvimento Local, superdisputado por egressos do ensino fundamental. A formação sacode as convicções da maioria dos jovens, como conta o jornalista Everaldo Costa, pais agricultores e, antes do Serta, convicto, assim como os 16 irmãos, de que a única saída para uma vida melhor era a estrada para São Paulo. “No Serta, ao contrário da escola formal, trabalhávamos com os conhecimentos que a gente já tinha e construíamos projetos de intervenção em nossa comunidade. Fazíamos pesquisas, seminários e festivais que valorizavam nosso povo, e passamos a gostar do lugar onde vivemos”, diz ele, que faz mestrado em Comunicação e continua a morar em Glória do Goitá.

Fonte: Denise Ribeiro, Carta Capital, 9 set 2010

Uso do solo favoreceu tragédia, diz professor

Recife – A ocupação irregular das margens dos rios, ausência de mata nativa e ciliar, além da monocultura da cana-de-açúcar como característica da região contribuíram para transformar dias de chuvas intensas em Pernambuco e Alagoas em uma calamidade sem precedentes na história dos municípios atingidos – mesmo em cidades com histórico de cheias.

Essa é a opinião do professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Abelardo Montenegro, especialista em hidrologia e tecnologia rural. O problema, segundo o especialista sobre a causa da destruição, começa com a forma como as cidades são construídas, perigosamente próximas da planície dos rios. De acordo com ele, além das cidades ocuparem uma área que deveria ser mantida como área de segurança para o leito do rio, a colocação de dejetos, lixos e entulhos também prejudica o curso das águas.

Em volta das cidades atingidas pelas enchentes, a paisagem é de cana-de-açúcar. “A monocultura não favorece a absorção da água da chuva, nessa região falta uma cobertura natural com árvores de grande porte que permitam a infiltração da água”, explica Abelardo Montenegro.

Antes das cheias, ocorreram quatro dias de chuvas intensas na região. O volume pluviométrico variou de 300 a 400 milímetros – mais do que o volume de todo mês de junho em Pernambuco (junho é o mês mais chuvoso). Antes das chuvas mais fortes, chuvas fracas, mas persistentes, deixaram o solo encharcado, saturado. Esse fenômeno levou toda a água que caía para os rios.

As chuvas atingiram as nascentes dos rios Paraíba, Canhoto e Mundaú, que nascem em Pernambuco e seguem curso para Alagoas, além do Rio Una, que corta Pernambuco. Como a vazão média desses rios é de 50 metros cúbicos por segundo. No momento mais intenso da cheia, a vazão chegou a 1 mil metros cúbicos por segundo, isso ocasionou a força da destruição.

Com o debate no Congresso Nacional sobre o Código Florestal, o professor Abelardo Montenegro defende a preservação. “A mata ciliar dos rios é extremamente importante, mas não é tudo. Além da preservação dessa proteção natural contra o assoreamento, deve-se ter ao longo da bacia hidrográfica reservas de mata nativa capaz de apoiar a conservação natural do leito do rio”.

Celso Calheiros

Fonte: Portal oEco, 1 jul 2010

Mais de 400 pessoas foram encontradas em situação de trabalho escravo em Pernambuco, em 2009

Estado foi o que teve maior número de trabalhadores nestas condições na região Nordeste. Nacionalmente, ocupou o segundo lugar, somente atrás do Rio de Janeiro, onde foram resgatadas 521

Em dez operações realizadas ao longo de 2009, o Ministério Público do Trabalho encontrou 419 pessoas trabalhando em condições análogas a de escravo em Pernambuco. Todas elas, trabalhadores rurais que, na maioria dos casos, não recebiam salários nem tinham carteira assinada. Tudo isso com o agravante de longas jornadas, sem intervalos, em lugares sem banheiro, abrigo e alimentação. Os dados foram apresentados nesta quarta (27), durante entrevista coletiva, na sede da entidade.

Na avaliação da procuradora do Trabalho e vice-coordenadora nacional da Coordenadoria de Erradicação ao Trabalho Escravo do MPT, Débora Tito, o indicativo preocupa. “Ainda vivenciamos relações de trabalho bastante precárias no estado, em que não só se negam os direitos trabalhistas como a dignidade humana”, disse. As indenizações por dano moral coletivo e individual totalizam um montante de R$ 787 mil.

Além das indenizações, o MPT em Pernambuco assinou seis termos de ajustamento de conduta e ajuizou duas ações.

BRASIL – Em todo o país, foram resgatados mais de 3,5 mil trabalhadores em 566 estabelecimentos. Como resultado, os proprietários dos empreendimentos irregulares terão que pagar indenizações por dano moral coletivo e individual no valor de mais R$ 13 milhões.

SEMINÁRIO – Nesta quinta-feira (28), às 14h, o Ministério Público do Trabalho promove, em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego e a Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco, o seminário “Trabalho decente no meio rural: desafios e perspectivas”, no auditório do MTE. A atividade marca o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (28/01), que lembra a morte de fiscais do trabalho em operação em Minas Gerais, em 2004.

Informe da PRT 6ª Região/ Pernambuco, publicado pelo EcoDebate, 29/01/2010