A maior democracia do mundo passou por um perÃodo de evolução e reflete cada vez mais as diversidades da população do paÃs – uma das maiores do planeta. De acordo com analistas, as eleições legislativas indianas viram, nas últimas duas décadas, o fortalecimento dos chamados partidos regionais – que representam demandas de uma determinada região, casta social ou grupo cultural e religioso.
Nas eleições do ano passado para o Parlamento indiano, a vitória contundente da coalizão governista liderada pelo Partido do Congresso – que dominou a polÃtica indiana nos anos 1950 a 1970 – levou alguns analistas a decretarem o fim deste processo.
Uma segunda avaliação, entretanto, mostrou as nuances do resultado do pleito: os indianos deram seu aval ao partido dominante nao só devido à prosperidade econômica que o paÃs atravessava, mas também pela capacidade do partido de se regionalizar, segundo especialistas.
“É uma mudança no rosto do Legislativo indianoâ€, diz Sanjay Kumar, vice-diretor do Programa Lokniti sobre Democracia Comparativa, do Centro para o Estudo das Sociedades em Desenvolvimento (CSDS) em Nova Déli.
“Hoje temos muito mais representantes de mais comunidades de castas no Legislativo nacional do que costumava haver nos anos 1960 e 1970â€.
Alguns analistas afirmam, entretanto, que a diversidade é também o grande paradoxo da democracia indiana. Ao mesmo tempo em que um Congresso “regionalizado” representa uma gama maior de interesses, também torna mais difÃceis a formação de coalizões que facilitem o funcionamento do governo.
Regionalização
A Ãndia possui uma imprensa variada e livre, o direito à liberdade de opinião é amplamente respeitado e mesmo em regiões que registram nÃveis mais altos de violência, como a Cachemira, na fronteira com o Paquistão, as eleições vêm sendo consideradas livres e justas. Desde que se tornou uma república parlamentarista independente do império britânico, em 1947, a Ãndia só passou por apenas 21 meses de exceção democrática, nos anos 1970.
No nÃvel federal, o Partido do Congresso, que teve em seus quadros polÃticos como Indira Gandhi e Jawaharlal Nehru, foi historicamente a força dominante. Nos anos 1980, surgiu o partido de oposição Bharatiya Janata Party (BJP), que se tornou a força polarizadora da polÃtica indiana, e que governa o paÃs entre 1998 e 2004.
Nas últimas eleições, diversos partidos regionais fincaram o pé no Congresso indiano.
“Combinados, os partidos regionais receberam nas três últimas eleições nacionais cerca de um terço dos votos, enquanto nos anos 70 ou 80 esse percentual era 8-10%â€, diz o professor Kumar.
Combinados, os partidos regionais receberam nas três últimas eleições nacionais cerca de um terço dos votos, enquanto nos anos 70 ou 80 esse percentual era 8-10%
Sanjay Kumar, analista polÃtico
“Não há plataforma comum entre esses partidos, porque cada um está próximo dos interesses regionais de grupos que foram deixados de lado e à margem da polÃtica indiana historicamente. Eles representam uma aspiração para as elites emergentes locais, uma oportunidade de obter poder polÃticoâ€.
Entretanto, a regionalização indiana suscita também cautela entre os analistas polÃticos. Em entrevista à BBC Brasil concedida pouco antes das eleições do ano passado, o historiador Ramachandra Guha observou:
“Esse fenômeno, por um lado, é um aprofundamento da democracia indianaâ€, disse o historiador. “Mas no nÃvel nacional é irracional porque, com 25 partidos diferentes formando um governo, fica impossÃvel ter qualquer polÃtica coerente de longo prazo em termos de infra-estrutura, educação e saúde.â€
O centro de estudos Loktini, de Kumar, publicou no jornal The Hindu uma série de análises polÃticas a partir dos resultados das eleições do ano passado. Os pesquisadores avaliaram que, embora o partido dominante tenha levado mais cadeiras no Parlamento, sua votação não foi maior que em eleições anteriores.
Além disso, uma pesquisa de opinião do instituto revelou que mais de 70% dos entrevistados consideravam mais importante ser fiel aos interesses regionais e só depois aos nacionais.
Para os pesquisadores, existe uma “saturação†da polÃtica feita com viés regional – mas isto “não significa o fim do poder das castas na polÃticaâ€.
“Talvez o futuro seja uma polÃtica ‘para além da identidade’, que combine uma fundação básica a partir das castas e das comunidades com certos interesses nacionais básicos.â€
Desafios
Para que os representantes polÃticos reflitam melhor a opinião de seus cidadãos, porém, a democracia indiana precisa vencer certos desafios, dizem analistas.
Um deles é o que se convencionou chamar de “criminalização da polÃtica indianaâ€, a crescente presença de candidatos com antecedentes criminais autorizados a disputar eleições regionais e nacionais.
Segundo um relatório da Associação para as Reformas Democráticas (ADR, na sigla em inglês), que monitora os resultados eleitorais, cerca de um terço dos parlamentares eleitos para a Lok Sabha no ano passado é alvo de acusações criminais, sendo que metade deles responde por acusações criminais graves.
“A outra grande preocupação é que existe uma grande mudança na representação polÃtica em termos de perfil social. Mas em termos de perfil econômica, houve pouca mudançaâ€, afirma o professor.
“Mesmo entre as pessoas que vieram de castas marginalizadas para ocupar cargos públicos, foram os mais ricos que ganharam proeminência. Então, em termos de classe, a polÃtica permanece nas mãos, senão dos mais ricos, pelo menos das classes médias altasâ€, avalia.
Fonte: BBC Brasil, 5 maio 2010