NÃO SOU contra a religião. Ser religioso não implica ser menos inteligente, informado ou ético. Tem muita gente “inteligente” que comete erros ridÃculos como esse. Nem todo religioso uiva para a Lua. Tampouco os religiosos detêm o monopólio do apetite por matar seus semelhantes. Religiosos ou não, gostamos de matar e odiar. O século 20 destruiu qualquer ilusão quanto à doçura ou autocrÃtica dos ateus ou dos que creem na “história” ou na ciência.
Mas de fato há riscos especÃficos na crença religiosa, ainda mais em tempos de indústria cultural. Caro leitor, caso queira buscar uma religião, evite aquelas que têm menos de mil anos. Em matéria de religião, quanto mais velha, melhor. Outra coisa: se passou pela Califórnia, a chance de a religião ficar boba aumenta muito.
Mas existem umas “novas” religiões por aÃ, que Deus me perdoe. Pegue o exemplo do tal neopaganismo da deusa-mãe. Pessoas de boa-fé simpáticas aos paganismos antigos devem tomar cuidado com a literatura barata que é comum nessa área. Procurem trabalhos de historiadores da Antiguidade e da Idade Média reconhecidos, e não livros de auto-ajuda espiritual escritos por picaretas quânticos. Infelizmente, muitos dos neopagãos soam como adolescentes mal-informados e de idade um pouco passadinha.
O termo “paganismo” aqui normalmente quer dizer religião celta, mas à s vezes pode ser uma salada mista com a Isis egÃpcia e o Odin escandinavo. Percebe-se que a atitude é basicamente a mesma de quem escolhe uma calça jeans, um CD ou uma praia “cabeça”. Na falta de informação arqueológica significativa sobre essas religiões “celtas” (fato que os neopagãos desconhecem), filmes ruins e literatura barata entram no lugar, compondo o imaginário “histórico” acerca do passado celta, que é sempre visto como harmonioso e sábio como se houvesse algum passado harmonioso e sábio em nossa história.
Um dos exemplos da visão adolescente nesse caso é achar que o cristianismo destruiu uma religião (das bruxas celtas) que vivia em paz com o mundo. Não existe religião na história que não tenha tido seu quinhão de sordidez, mas “crianças” não entendem isso. Segundo algumas fontes romanas (não cristãs), há suspeita de que alguns dos cultos “celtas” praticavam sacrifÃcios humanos, o que para os romanos era um pouco fora dos limites. Os romanos eram conhecidos por sua tolerância religiosa (Roma não foi um desfile de Neros), se eles destruÃram alguns desses cultos, é porque coisa boa não era.
O imaginário adolescente é claro: o cristianismo, este perverso, patriarcal, destruiu uma sociedade onde homens e mulheres viviam em comunhão sem opressão. Para eles, queimaram-se milhares de mulheres e homens inteligentÃssimos na Idade Média. A verdade é que provavelmente a maior parte dessas infelizes vÃtimas era gente boba mesmo. Pergunta: como seria o mundo se o paganismo tivesse vencido?
Responderiam os “adoradores da deusa”: viverÃamos num mundo sem classes, sem machismo, sem ódio, sem guerras, mas, ainda assim, rico, com antibióticos, internet, sexo aos montes, aviões e baladas.
As bobagens também aparecem no uso absurdo de referências advindas de sistemas religiosos que ainda existem. Por exemplo, alguns neopagãos afirmam que a cabala (mÃstica judaica medieval) foi uma criação egÃpcia pré-era cristã! A tal “árvore da cabala”, onde aparecem os atributos de Deus, é uma das coisas que mais sofrem com o besteirol neopagão. A culpa do mau uso da cabala é, em parte, infelizmente, de alguns “cabalistas” judeus atuais que a vendem como receita barata de conseguir dinheiro, amor e sexo. Jung também vira bobagem nas mãos dos neopagãos: tudo é “arquétipo” a serviço de qualquer ideia besta que você tenha.
O neopaganismo é em grande parte invenção de caras ingleses esquisitos e suas namoradas mal-amadas do século 20 mesmo. Junte-se a isso um pouco de fÃsica quântica (aquela que, segundo alguns “entendidos”, faz acontecer tudo o que você quiser contanto que se diga a palavra mágica “energia!”), a mania incontrolável de falar sobre si mesma, uma pitada de feminismo mÃstico, e você será uma neobruxa.
Tenho um critério para levar religiosos a sério: se usar a palavra “energia” e disser que posso fazer tudo o que eu quiser porque tudo o que preciso saber está em meu inconsciente, pulo fora. O próximo passo dele será uivar para a Lua.
Folha SP, 01 jun 09