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A cura pela palavra: o que fazem, pensam e pregam os pastores psicanalistas

[Texto de Clara Becker, publicado na Revista Piauí, nov 2010]

Toda vez que assumia a direção de seu carro, o gerente de vendas Roberto manifestava sintomas descritos pela literatura médica como os da síndrome do pânico. Suava frio, faltava-lhe ar, sentia dormência nas mãos, dores no peito e, por fim, na certeza de que teria uma síncope, entrava em desespero. Funcionário de uma grande empresa, seu trabalho exigia que ele dirigisse por longas distâncias.

Roberto procurou um psicanalista para tentar entender a origem da sua angústia automobilística. Em uma das sessões, lembrou-se de um trauma de infância: o dia em que pulou o muro para roubar goiabas no quintal da vizinha, se apoiou em dois canos de um circuito elétrico e levou um choque de 220 volts. Tremeu como um apoplético até que alguém desligou a eletricidade. O episódio, ao que parece, estivera longamente reprimido no inconsciente.

Enquanto contava a história, demonstrou com gestos como se agarrara aos canos. O psicanalista percebeu que a posição das mãos era a mesma usada para segurar o volante do carro. O diagnóstico era óbvio: o pânico de dirigir era uma reminiscência reprimida do episódio traumático. Com a cena vindo à consciência, os ataques cessaram. Continue lendo

Dossiê – Perversão

Os perversos não são extra-humanos, mas demasiadamente humanos; definir a perversão é um paradoxo ético.

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A perversão é uma das três grandes estruturas da psicopatologia psicanalítica. Ao lado da psicose e da neurose, ela representa um tipo específico de subjetividade, desejo e fantasia. Comparativamente, seu diagnóstico é mais difícil e controverso: consideram-se a extensão e variedade de seus sintomas, bem como sua alta suscetibilidade à dimensão política. Nas perversões podemos incluir aproximativamente três subgrupos: as perversões sexuais, as personalidades antissociais e os tipos impulsivos. Essa subdivisão é problemática e apenas descritiva, pois cruza categorias originadas em diferentes tradições clínicas.

Devemos distinguir uma perversão ordinária de uma perversão extraordinária, representada pelos “tipos concentrados” com os quais a perversão foi historicamente associada, para, em seguida, ser excluída, silenciada e expulsa da condição humana. Aquela que seria a forma mais forte de perversão, como confronto e desafio à lei, é, na verdade, expressão de um tipo coletivo de exagero da lei, baseado na atração pela forma, desligada e deslocada de seu conteúdo. Continue lendo